Os Donos da Bola: Brasil (2024)
Começa hoje mais um Brasileirão e, quase três anos depois da aprovação da Lei das SAF, só oito dos 20 participantes aderiram já ao novo modelo. Fique a saber quais e quem lá manda.
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Passaram quase três anos desde a aprovação da Lei das Sociedades Anónimas de Futebol (SAF), em Agosto de 2021, abrindo um novo mundo aos endividadíssimos clubes brasileiros, mas só oito dos 20 que hoje vão começar mais uma edição da Série A do Brasileirão é que já aderiram ao novo modelo. Entre eles estão alguns gigantes há pouco caídos em desgraça, como o Cruzeiro, o Vasco da Gama ou o Botafogo, todos com passagens recentes pela Série B, a II Divisão do futebol local, mas o mais notável de se ver tem sido a enorme resistência dos “cartolas” locais ao canto da sereia dos grandes investidores em futebol do Mundo. Ultimamente, tem-se mesmo vulgarizado no Brasil a ideia de que a criação das SAF é um recurso perigoso, que só deve ser adotado por clubes desesperados, preferindo quem manda restruturar primeiro e operar as transformações depois. Foi o que fizeram clubes sãos, como o Atlético Mineiro, e poderão fazer outros, como o Palmeiras ou o Flamengo, que ou têm um enorme potencial de criação de receita ou já são geridos profissionalmente como empresas, mesmo não tendo aderido à criação das SAF.
O Brasil já tinha clubes-empresa, como o Red Bull Bragantino ou o Cuiabá EC, mas as SAF têm vantagens que lhes estavam vedadas, tanto a nível fiscal como de utilização de fundos de apoio estrutural. Algumas das vantagens começaram por ser vetadas pelo então presidente Jair Bolsonaro, sendo aprovadas apenas em Setembro de 2021, depois de voltarem a baixar à Câmara de Deputados para confirmação. O veto inicial de Bolsonaro incidiu, por exemplo, sobre o regime fiscal das SAF, em tudo aproximadas a instituições de utilidade pública, mesmo que sejam detidas por privados. No novo regime, durante cinco anos, as SAF só pagarão um imposto único de cinco por cento da receita, excluindo do bolo valores realizados em transferências, por exemplo. E a partir do sexto ano, ainda que o imposto passe a incidir sobre a totalidade da receita, ele baixará para quatro por cento. Nada mau, para cubes que, no entanto, estão de olho sobretudo na recapitalização, uma vez que se encontram altamente endividados – a maior parte dos grandes cubes brasileiros têm uma dívida galopante, de centenas de milhões de reais.
Para se converterem em SAF, no entanto, os clubes têm de fazer aprovar a mudança pelos órgãos que o estatuto social de cada um deles estipule como decisores e adotar medidas de gestão transparente e responsável – o que equivale a dizer que em muitos casos o poder dos “cartolas” vai entrar em quebra. Há casos de clubes que começaram por se mostrar total e absolutamente contra a adoção do novo regime, como o Flamengo ou o Corinthians, mas o rubro-negro já vê algumas vantagens, por exemplo, no modelo do Bayern Munique e na criação de uma SAF da qual não perdesse controlo só para poder investir em infra-estruturas. Outros, como o Atlético Mineiro, olharam para o novo regime como forma de dar a quem já mete lá o dinheiro o poder de decisão de facto. O renascimento do Galo teve que ver com o elevadíssimo investimento dos seus três mecenas, os “Três R”, dois dos quais são agora donos da SAF. Da mesma forma que o poderio do Palmeiras está intimamente ligado ao dinheiro da Crefisa, cujo dono fez eleger como presidente do clube a sua própria esposa.
Foram, por isso, clubes caídos em desgraça quem acolheu a inovação com mais sede, como poderá verificar nos próximos 20 parágrafos, um por cada emblema que participa na Série A do Brasileirão, que hoje começa.