Os donos da bola (7): Rússia
Na Rússia, tudo vai dar a Vladimir Putin. Portanto, não é de estranhar que no futebol tudo vá também dar a Putin. Aqui fica a lista de oligarcas e políticos que mandam nos clubes da Premier Liga.
Vladimir Putin tem basicamente duas formas de controlar o futebol russo. Uma é através de poderosos oligarcas seus aliados, que tomaram conta de alguns dos clubes mais poderosos. A outra é por intermédio dos governos regionais, que mantêm o controlo sobre os clubes de segunda e terceira linhas. Alguns dos clubes da atual Premier Liga são tradicionais e resistem desde a era soviética – e esses são, geralmente, aqueles que têm mais apelo popular e, por isso, mais capacidade para atrair os protagonistas mais influentes no mundo dos negócios. Os outros, geralmente situados em regiões mais distantes dos grandes centros, foram quase todos fundados já durante o período da administração Putin, inventados para servirem de fator aglutinador da juventude que gosta de futebol ou, até, como é o caso do Akhmat Grozny, de arma de união com a Rússia em zonas com propensão para a rebeldia.
Certo é que a mão de Putin está em todo o lado. Seja através de empresas fundamentais na estratégia da Rússia – como a Gazprom, a Lukoil, o VTB, a Magnit, a Rostelecom ou a Rostec –, de aliados políticos – como o checheno Ramzan Kadyrov –, de parceiros financeiros – como Rotenberg ou Giner –, ou até dos diversos governos regionais, todos cheios de elementos do Rússia Unida, o partido de Putin, todos os clubes de futebol que contam na Rússia respondem a uma estrutura que vai dar a uma só cabeça. A influência do presidente chega ao ponto de se envolver em reuniões destinadas a salvar clubes da falência, a ordenar a mudança de cidade de outros ou a encontrar patrocinadores que permitam a outros ainda crescer. Mas também, como foi o caso do Zenit, de os prejudicar, se o que estiver em causa forem os interesses geopolíticos do país e for preciso fechar a torneira do fornecimento de energia a economias dependentes da Rússia nesse aspeto. Nos 16 parágrafos que se seguem pode ficar a conhecer em detalhe quem manda no futebol russo. E é sem surpresa que se percebe que é um homem cujo nome começa por Pu e acaba em Tin.
Zenit São Petersburgo
A Gazprom comprou o Zenit em 2005 e transformou uma equipa geralmente destinada a papéis secundários no futebol russo na maior potência do país – sete dos oito títulos de campeão do Zenit surgiram depois de 2007. E para entender por que razão o Zenit não foi capaz de dar seguimento ao que parecia uma estratégia de conquista da Europa – vitória na Taça UEFA de 2008 – é preciso entender a realidade geopolítica que esteve por trás desta compra. Mesmo tendo aberto a empresa que saiu do Ministério da Energia ao grande capital, depois da queda da URSS, o governo russo quis sempre manter o controlo, de forma a poder usar os fornecimentos de gás como arma política. Vladimir Putin instalou na Gazprom dois aliados, Alexei Miler e Dmitri Medvedev, como CEO e presidente, de forma a poder mandar abrir ou fechar a torneira do gás a países vizinhos consoante estes se comportassem no plano político. Daí que a Gazprom, que já era patrocinadora da FIFA e da UEFA há muito, acabe por colocar interesses geoestratégicos à frente da vontade de conquista internacional daquela que é a sua principal equipa de futebol – a empresa de São Petersburgo tem também muito interesse no Estrela Vermelha de Belgrado, por exemplo.
Dynamo Moscovo
Sabe quanto vale um rublo? Com a desvalorização recente da moeda russa, o câmbio já está em meio cêntimo. Pois bem, um rublo tem sido quanto a Dynamo Sports Society e o banco VTB têm pago um ao outro pelas sucessivas passagens de testemunho de 71 por cento das ações do Dynamo Moscovo, o clube que na antiga URSS estava associado à polícia política – o KGB. Mas recuemos no tempo. Entre 2005 e 2007, quem mandava no Dynamo era Alexey Fedoryshev, fundador da Fedcom, uma empresa de fertilizantes várias vezes suspeita de lavar dinheiro de origens duvidosas. Foi nessa altura que o Dynamo fez vários negócios com clubes portugueses, levando para a Rússia uma série de jogadores a preços elevados. Fedoryshev – que entretanto mudou de cores e foi já este ano empossado como presidente do AS Mónaco, clube que pertence ao igualmente russo Dmitri Rybolovlev – vendeu as suas ações à Dynamo Sports Society, um resquício da antiga URSS. E aí começou a placa a girar. O VTB comprou 74 por cento das ações em 2009, colocando na presidência Boris Rotenberg, um oligarca com interesses na construção de gasodutos que reclama uma dívida gigantesca ao clube. Mas em 2016 as ações voltaram à posse da Dynamo Sports Society pelo preço simbólico de um rublo, ficando o VTB com a incumbência de investir como patrocinador e, por exemplo, proceder à construção da VTB Arena. Em 2019 a DSS voltou a ceder as ações – e a dívida – ao VTB e, já este ano, após a invasão da Ucrtânia, na sequência das sanções da comunidade internacional a empresas russas – entre as quais estava o VTB – o banco voltou a transferi-las para a DSS.
PFC Sochi
Já vos falei de Boris Rotenberg. Foi mesmo aqui atrás, a propósito do Dynamo Moscovo. Rotenberg é um dos oligarcas mais próximos de Vladimir Putin, homem sempre disposto a ajudar, não tivesse ele beneficiado do novo regime para se tornar um dos 100 mais ricos da Rússia – era 69º na última lista da Forbes, mas ser 69º na Rússia chega para uma vida muito desafogada. Em 2018, Putin estava face a um problema. Tinha construído um mega-estádio em Sochi, para receber o Mundial, e não tinha clube para lá jogar quando acabasse a competição. Vai daí, falou com Rotenberg, que era dono do Dynamo São Petersburgo desde 2015. E não foi preciso muito para o convencer, até porque este terá compreendido a grande oportunidade que tinha pela frente. Em vez de lutar com o Zenit pela supremacia no Norte, transferiu a equipa para a estância do Mar Negro, mudou-lhe o nome e passou a ocupar os lugares cimeiros da tabela.
CSKA Moscovo
CSKA é, em russo, o acrónimo para “Clube Desportivo Central do Exército”. Durante grande parte da sua existência, o CSKA Moscovo – como os CSKA de vários países do bloco de Leste – foi o clube do Exército Vermelho. Até que, em 2012, o Ministério da Defesa russo começou a vender as ações. Fê-lo de uma forma gradual até permitir o controlo total a uma empresa baseada em Londres, a Bluecastle Enterprises, mas percebe-se agora que esta era apenas uma fachada para permitir a Evgueniy Giner movimentar dinheiro. Além de ser presidente do CSKA, Giner é sócio de Aleksandar Babakov, que é Representante Especial do Presidente Vladimir Putin desde 2012. Os dois têm o controlo, por exemplo, da VS Energie, um poderoso conglomerado de empresas energéticas, com interesses avassaladores na Ucrânia. No clube, apesar da venda de 75 por cento das ações à VEB.RF, a financeira estatal que apoiou a construção do estádio, Giner só responde perante um homem: Maksim Oreshkin, o antigo Ministro do Desenvolvimento Económico, que é “chairman” do CSKA e o principal conselheiro económico de... já adivinharam: Vladimir Putin.
FK Krasnodar
O FK Krasnodar nasceu em 2008, quando foi fundado por Serguei Galitsky, um antigo militar do último estertor do exército soviético, que na vida profissional adotou o nome da mulher, deixando cair o apelido do pai, que era arménio – Arytyunan. Galitsky começou por fazer fortuna nos cosméticos, virando-se mais tarde para o retalho, com a fundação da Magnit, a maior cadeia de lojas de distribuição de toda a Rússia. Foi já com a Magnit a todo o vapor que fundou o clube. E, com duas subidas por convite, por causa de dificuldades financeiras de quem tinha o direito desportivo a permanecer, o FC Krasnodar só demorou três anos a chegar ao maior campeonato russo, onde tem sido um valor seguro e até já garantiu – aí sim, no campo – o direito a jogar as competições internacionais.
Lokomotiv Moscovo
Foi fundado poucos anos depois da revolução bolchevique pelo próprio estado, como clube do Ministério dos Transportes, e entregue aos Caminhos de Ferro Russos, a quem ainda hoje pertence. Tal como o Dynamo, o CSKA e o Spartak, o clube é fruto da divisão do desporto em sociedades desportivas voluntárias, mas ao contrário dos outros clubes tradicionais ainda não se abriu ao mercado. O Lokomotiv continua a ser controlado pelos Caminhos de Ferro Russos, que são uma empresa estatal. O clube é dirigido pelo antigo jogador Vladimir Leonchenko, na qualidade de CEO. Leonchenko responde perante o diretor geral dos Caminhos de Ferro, Oleg Belozyorov, e pelo presidente do Conselho de Administração, Arkady Dvorkovich. Ambos desempenharam já cargos políticos relevantes na administração de Vladimir Putin ou no governo de Dmitri Medvedev. O que até pode ser considerado normal, tratando-se de uma posição tão importante numa empresa estatal.
Akhmat Grozny
Poucos clubes representarão tão bem o poder do Kremlin no futebol russo como o Akhmat Grozny. O clube chamava-se Terek Grozny, chegou a ter de jogar sempre longe da sua cidade enquanto durou a guerra na Chechénia, e foi depois rebatizado em honra de Akhmat Kadyrov, um líder rebelde daquela república muçulmana, que durante o conflito pela independência mudou de lado e passou alinhar com a Rússia, sendo depois “recomendado” por Putin como presidente da república. A mudança de nome do clube foi feita após o assassinato de Akhmat, que é também o pai de Ramzan Kadyrov. Ora, além de, em nome do partido Rússia Unida, o mesmo de Putin, ser o atual presidente da Chechénia – na verdade Putin mudou o nome do cargo para “chefe da república” –, Ramzan Kadyrov é também presidente e dono do clube, através da Fundação Akhmat. Ramzan é ainda acusado por várias organizações, como a Human Rights Watch, de crimes contra a humanidade, como tortura, assassinato e perseguições a opositores políticos e a homossexuais, por exemplo. Mesmo assim – ou se calhar por causa disso –, nas últimas eleições teve 97 por cento dos votos.
Krylya Sovetov
O Krylya Sovetov viveu a sua época de ouro em 2003/04, quando chegou à final da Taça da Rússia, que no entanto perdeu para o Terek Grozny. Era uma espécie de canto do cisne da equipa de Samara, que no antigo regime soviético representara o Ministério da Aviação – Krylya Sovetov quer dizer, em russo, “Asas dos Soviéticos”. Os patrocinadores foram-se retirando e a crise foi tal que, em 2010, sem dinheiro para pagar aos jogadores, a ver a dívida ao Novikombank crescer de forma avassaladora, o clube correu o risco de fechar portas, não lhe sendo permitida a inscrição de reforços. Vladimir Putin, no entanto, via o clube como elemento polarizador da região, e deu ordens para que ele fosse salvo. Nisso se empenharam os irmãos Artyakov – Vladimir, governador do Oblast de Samara, e Yuri, vice-presidente do Novikombank. Os dois mobilizaram empresas da zona, que formaram um conglomerado de investidores controlado pelo próprio Vladimir Artyakov – como a Rosneft, a Transneft, a Mezhregiongaz, a Sibur ou a Novatek, entre outras. Artyakov, ex-diretor do Departamento de Propriedades Russas no Estrangeiro, um gabinete diretamente supervisionado pelo próprio Putin. O Krylya é hoje dirigido por Vitaly Shashkov, que responde perante o governador do Oblast de Samara, Dmitri Azarov.
Spartak Moscovo
Outro dos clubes tradicionais soviéticos, batizado em honra de Spartacus e das opiniões mais radicais de esquerda dos seus fundadores, o Spartak está hoje nas mãos de Vagit Alekperov e Leonid Fedun, dois dos mais poderosos bilionários russos, e os maiores acionistas da Lukoil, a gigantesca petrolífera saída da privatização do estado soviético. Fedun comprou o clube à Sociedade Desportiva Spartak em 2003, tendo anos depois decidido dispersar o seu capital em bolsa. Quem apareceu foi Alekperov, o seu sócio na Lukoil e no banco Otkritie, que é um dos principais patrocinadores do Spartak e até deu nome ao estádio construído para o clube em 2014. Fedun continua a ser o presidente do Spartak e no ano passado viu rejeitada pelos chineses da Fosun uma oferta de 400 milhões de libras – 480 milhões de euros – para comprar o Wolverhampton WFC, da Premier League.
Rubin Kazan
É mais um caso de um clube controlado pelo Estado, através de uma Comissão de Diretores que depende inteiramente do Governador da República do Tataristão, Rustam Minnikhanov. O atual presidente do clube é Ilsur Metshin, que é também presidente da Câmara de Kazan desde 2005. Metshin chegou à liderança do Rubin em 2015, em substituição do demissionário Valeri Sorokin, e teve de se haver com o afastamento do clube das competições europeias, por incumprimento das regras de fair-play financeiro, bem como com suspeitas de conluio com a UEFA no que toca a financiamentos ilegais por parte do estado ao clube, revelados pelo escândalo Football Leaks.
FK Nizhny Novgorod
O FK Nizhny Novgorod é um clube recente fundado em 2015 e detido pela cidade que lhe serve de base, a antiga cidade de Gorky. Começou por ser criado como satélite do FK Volga, que no entanto faliu um ano depois. Assim sendo, o FK Nizhny Novgorod assumiu a licença do clube-pai, tendo subido duas vezes em cinco anos e atingido a Premier Liga esta época. O presidente do clube é Maksim Metlin, do qual não se sabe muita coisa.
Arsenal Tula
Já conhecido no passado como Zenit, Shaktior e Mettalurg, o Arsenal Tula pertence à Rostec, uma empresa estatal dedicada ao desenvolvimento, produção e exportação de tecnologia industrial avançada, que é a maneira simpática de dizer que é um conglomerado de produção e exportação de armamento. Por causa disso, o clube que teve como primeiro treinador – nesta nova fase, com novos donos – o ex-portista Dmitri Alenichev já esteve para ser colocado em listas de embargo internacional, nomeadamente quando, durante a administração Trump o Departamento de Estado dos EUA lá pôs a Rostec, devido ao seu alegado envolvimento em situações como as ações militares na Ucrânia e na Síria ou a manipulação das eleições norte-americanas. O atual presidente do Arsenal é Guram Adzhoyev, um antigo futebolista de etnia curda, que durante o período soviético alinhou em diversos clubes da Geórgia, da Rússia e da Ucrânia.
Ural
O clube de Ecaterimburgo é mais um dos participantes na Premier Liga russa que é detido por inteiro pela própria região administrativa da cidade a que pertence, o Oblast de Sverdlovsk. O presidente do clube é Grigory Ivanov, que há um par de anos de fez notar por se colocar ao lado do avançado Pavel Pogrebnyak, quando este atuava no Ural e, a propósito das chamadas dos naturalizados Ari e Mário Fernandes, declarou que era “estranho” ver “pessoas de cor” a jogar pela seleção russa.
FK Rostov
E eis que surge mais um clube detido pelo Oblast local, que é como quem diz pela região administrativa que preside à cidade de que é oriundo. Neste caso, o FK Rostov pertence ao Oblast de Rostov, região da cidade de Rostov-on-Don. O presidente do clube é Artashes Arutyunyants, um antigo diretor geral da Yuzhny Capital e membro do partido Rússia Unida que, sim, claro, é o de Vladimior Putin.
FK Ufa
Foi criado em 2010 por Rustem Khamitov, segundo presidente da república do Bascortostão, uma das integrantes da federação russa. Desde então, o clube abriu o capital a investidores, como a Rostelecom, o maior fornecedor de serviços digitais em todo o país, no qual o estado russo tem uma posição de controlo. Ainda assim, que manda no clube é mesmo o governo do Bascortostão, dirigido por Radiy Khabirov. O presidente do FK Ufa é Marat Magadeyev, um político que já fez parte do governo regional mas depois foi colocado no clube para assegurar a unidade de interesses.
FK Khimki
O atual último classificado da Premier Liga, o FK Khimki, também pertence à cidade onde joga, a cidade do mesmo nome. É mais um caso de um clube formado após a queda da URSS, para representar a cidade dos arredores de Moscovo. O diretor geral do clube é Vladimir Gabulov, ex-guarda-redes da seleção nacional russa, que acabou a carreira em 2018 e desde essa altura já foi ministro do desporto da Ossétia do Norte e presidente do Alania Vladikavkaz. O antigo atacante de Benfica e FC Porto Serguei Yuran é o treinador do FK Khimki.
Donos da bola em formato áudio ha?