Os donos da bola (6): Brasileirão
O futebol brasileiro está a viver uma mudança telúrica, com a adoção da lei das Sociedades Anónimas de Futebol. E o Mundo do capital não vai ficar indiferente a tanto potencial inexplorado.
É o assunto do momento no futebol do Brasil. A aprovação da Lei das Sociedades Anónimas de Futebol (SAF), em Agosto do ano passado, abriu um novo mundo aos endividadíssimos clubes de futebol brasileiros, que veem nesta nova estrada uma forma de se restruturarem e de voltarem a olhar com otimismo para o futuro. Alguns gigantes caídos em desgraça, como o Cruzeiro, o Vasco da Gama ou o Botafogo, já aderiram ao novo regime – embora de parte deles não se fale no texto abaixo, pois tanto Cruzeiro como Vasco vão neste ano de 2022 jogar a Série B, a II Divisão do futebol brasileiro. Outros, mesmo os que estão bem, como o campeão Atlético Mineiro, estudam a possibilidade de converter os créditos dos seus atuais mecenas em ações de uma SAF. E o mais provável nos meses que se aproximam mesmo é que grande parte dos maiores investidores em futebol de todo o Mundo se virem para o Brasil, terreno quase inexplorado e aberto à novidade mas com um potencial de crescimento enorme, desde que com uma gestão racional.
O Brasil já tinha clubes-empresa, como o Red Bull Bragantino ou o Cuiabá EC, mas as SAF têm vantagens que lhes estavam vedadas, tanto a nível fiscal como de utilização de fundos de apoio estrutural. Algumas dessas vantagens começaram por ser vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro, sendo aprovadas apenas em Setembro, depois de voltarem a baixar à Câmara de Deputados para confirmação. O veto inicial de Bolsonaro incidiu, por exemplo, sobre o regime fiscal das SAF, em tudo aproximadas a instituições de utilidade pública, mesmo que sejam detidas por privados. No novo regime, durante cinco anos, as SAF só pagarão um imposto único de cinco por cento da receita, excluindo do bolo valores realizados em transferências, por exemplo. E a partir do sexto ano, ainda que o imposto passe a incidir sobre a totalidade da receita, ele baixará para quatro por cento. Nada mau, para cubes que, no entanto, estão de olho sobretudo na recapitalização, uma vez que se encontram altamente endividados – a maior parte dos grandes cubes brasileiros têm uma dívida galopante, de centenas de milhões de reais.
Para se converterem em SAF, no entanto, os clubes têm de fazer aprovar a mudança pelos órgãos que o estatuto social de cada um deles estipule como decisores e adotar medidas de gestão transparente e responsável – o que equivale a dizer que em muitos casos o poder dos “cartolas” vai entrar em quebra. Há casos de clubes que já se mostraram frontalmente contra a adoção do novo regime, como o Flamengo ou o Corinthians. Mas nesses casos falamos dos clubes com as maiores torcidas do Brasil, sempre privilegiados por acordos relativos a receitas de TV, bilheteira ou marketing, por exemplo. Outros, como o Atlético Mineiro, olham para o novo regime como forma de dar a quem já mete lá o dinheiro o poder de decisão de facto. O renascimento do Galo teve que ver com o elevadíssimo investimento dos seus três mecenas, os “Três R”, tal como o poderio do Palmeiras está intimamente relacionado com o dinheiro da Crefisa, cujo dono fez eleger como presidente do clube a sua própria esposa. E são clubes caídos em desgraça quem acolhe a inovação com mais sede. Do Botafogo falarei mais à frente – como falarei dos 20 clubes que vão jogar a Série A de 2022 – mas outros, por estarem este ano na Série B, não serão focados e estão na mesma no olho do furacão. É o caso do Vasco da Gama ou do Cruzeiro, dois dos maiores clubes do Brasil, que vão para o segundo ano seguido no segundo escalão.
Os cariocas foram vendidos ao fundo norte-americano 777 Partners, que já é dono do Génova FC e tem parte do capital do Sevilha CF. Os mineiros foram comprados por Ronaldo Nazário, o Ronaldo Fenómeno, que também é dono do Real Valladolid, na II Liga espanhola. Quanto aos 20 clubes que vão este ano disputar a Série A do Brasileirão, poderá saber ao longo deste texto como estão face à mudança de regime societário.