Os dilemas em torno de João Mário
Se João Mário acabar no Benfica será porque Amorim não o quis a ponto de justificar o investimento e Jesus o desejou muito. Quais são as razões para isso? E onde é que ele faz mais sentido?
Se João Mário for jogar para o Benfica, é o mercado a funcionar e na verdade ninguém tem razões válidas para se queixar. Se isso acontecer, é porque o jogador assim terá escolhido, face às opções que tem para continuar a trabalhar. É porque o Inter, a quem pertence o passe, não o quis. É porque o Sporting, que tem direito de preferência, optou por não o exercer. E é porque o Benfica, que vem a seguir na cadeia, terá achado que o médio vale o investimento e o quis no plantel. Por envolver uma potencial mudança entre Sporting e Benfica e por estar rodeado de nuances legais que, como todas as nuances legais, são dúbias, por mais que o “legalês” puxe para um lado e a jurisprudência para o outro, o caso inflama os corações mais cegos, mas prefiro olhar para ele do ponto de vista do sentido futebolístico que ele fará. E é nesse sentido que discordo tanto de Rúben Amorim como de Jorge Jesus, porque acho que no plano meramente futebolístico, João Mário tem mais condições para ser complementar no meio-campo do Sporting que no do Benfica.
Não me furto, ainda assim, a deixar aqui umas linhas sobre a questão que mais interessa a quem comenta este caso nas redes sociais: a cláusula de 30 milhões de euros que está inscrita no contrato entre o Sporting e o Inter de Milão. A coisa está escrita no dialeto a que chamo “legalês”, que foi criado desta forma sempre dúbia precisamente para que a existência de juristas se torne cada vez mais imprescindível na sociedade. Por mais vezes que leia aquilo, não consigo decidir se o que está lá escrito é que o Inter terá de pagar 30 milhões de euros ao Sporting caso não informe os leões das condições contratuais em que pensa ceder João Mário a outro clube português ou se também a tal fica obrigado no caso de, informando, o Sporting não igualar essas mesmas condições. De qualquer modo, tudo leva a crer que pouco importa. Porque por um lado não há história de um caso em que um clube tenha tido de pagar a outro por causa desta famosa cláusula “anti-rivais”, cuja validade a FIFA sempre rejeitou. E por outro porque bastaria lembrarmo-nos de casos como o de Simão, que agora até é diretor na Luz, para encontrar maneira de driblar a coisa: o Sporting tinha direito de preferência no regresso do jogador do FC Barcelona, mas no resgate foi incluído outro direito de preferência em sentido inverso, o dos catalães sobre o avançado benfiquista Mantorras.
De qualquer modo, por mais tinta e horas de televisão que isto gaste, por mais narrativas que os “spin doctors” já estejam a criar, de um lado argumentando que João Mário é uma espécie de elo perdido entre Jorge Jesus e o bom futebol, e do outro lembrando que o investimento no médio do Inter serviria para pagar todo o meio-campo ao serviço de Rúben Amorim, no fundo da questão estão decisões tomadas por treinadores credenciados. Amorim entenderá que a contribuição de João Mário não valerá os 23,5 milhões de euros que custaria a operação (sete milhões e meio para o Inter mais quatro milhões brutos por cada um dos quatro anos de contrato), ao passo que Jesus aprovará que se gastem até mais quatro milhões, porque o contrato prometido pelas águias tem mais um ano de duração. Ora é aqui que eu começo a torcer o nariz. Porque, mesmo considerando que João Mário é um extraordinário médio – o seu contributo, sobretudo em ataque posicional, levou a que o tenha considerado não só um dos pilares na conquista do título pelo Sporting como a que o tenha incluído na minha lista de 26 selecionados portugueses para o Europeu – acho que ele é muito mais complementar na realidade do meio-campo do Sporting do que na do Benfica.
Em Alvalade, as caraterísticas de João Mário casam na perfeição com as de Palhinha num meio-campo a dois. Um tem agressividade e capacidade de recuperação defensiva, o outro acrescenta gestão de ritmos de jogo e critério na posse. Os dois são complementares – e esta complementaridade é a verdadeira chave do sucesso no futebol. Sem João Mário, o Sporting passa a precisar ainda mais de Palhinha, que agora é que não pode mesmo sair, sob pena de destruir por completo a identidade do meio-campo campeão. Bragança é um bom substituto – disso não duvido. E não tardará a aparecer essa narrativa também, a de que não faz sentido estar a investir tanto num jogador que já não será revendável para tapar a progressão a um jovem ativo que pode vir a valer milhões ao clube. No entanto, com a Liga dos Campeões já assegurada e a complicação do calendário que ela acarreta, a lógica dos leões deve ser a de reforçar o plantel que tinham e não a de o ver depauperado. A questão é: se Bragança faz de João Mário, quem é que faz de Bragança? E, mesmo tendo a vantagem de não ser provavelmente ninguém que mexa tanto com a balança salarial, quanto é que o Sporting terá de investir nesse jogador?
E na Luz, onde é que Jesus pode encaixar João Mário? Num meio-campo a dois com Weigl? Não creio. Considero que João Mário é superior a Pizzi – ainda que tenha muito menos golo – e a Taarabt ou Chiquinho, mas ele não resolve aquele que foi o problema principal do meio-campo do Benfica em 2020/21, que foi a incapacidade para trabalhar o momento defensivo. A questão não é de qualidade. É de complementaridade. Se Palhinha é tão diferente de João Mário que o complementa, Weigl é quase irmão do médio que o Benfica quer agora resgatar, é um médio-centro mais forte no momento ofensivo do que quando a equipa perde a bola, altura em que lhe faltam intensidade, agressividade e sentido de marcação. João Mário pode ser muito útil ao Benfica se Jesus quiser utilizá-lo no lado direito do meio-campo, no 4x4x2 em que ele brilhou em Alvalade antes de ele ser vendido ao Inter ou, mantendo o 3x4x3 pelo qual optou no final da época, recorrendo a ele para uma das posições mais à frente. Ou ainda, por fim, em 3x5x2, formando meio-campo com Weigl e um terceiro jogador, o tal médio mais agressivo defensivamente. O que quer dizer que, 27,5 milhões de euros depois, ao Benfica continuará a faltar um médio.