Os clubes portugueses estão a saque
Os clubes portugueses estão a saque, pois jogam numa Liga muito mais forte no campo do que na receita. A globalização acelera tudo. Cabe à Liga mexer-se para impedir o arraso com legislação eficaz.
A situação preocupante em que o colapso total da SAD do CD Aves deixou a Liga, perante a possibilidade de os avenses faltarem a jogos das duas últimas jornadas, pode até ser um caso de trancas à porta depois de esta ser arrombada, mas devia ser mais uma a contribuir para a necessária mudança em termos de organização do futebol profissional de topo em Portugal. É urgente que se estabeleçam e escrutinem condições básicas para impedir, já não digo a compra, mas a inscrição na Liga de equipas cujos proprietários não satisfaçam um mínimo de condições – e não depositem na Liga garantias de que poderão fazê-lo pelo menos ao longo de toda uma época. Nesse sentido, este caso pode ser a alavanca necessária para que a sexta Liga mais forte do futebol europeu tome ação. Porque as condições de mercado levam a que, neste momento, os clubes portugueses estejam a saque.
Se a Liga portuguesa é a sexta mais forte da Europa em termos de resultados internacionais, já o não é no plano empresarial. E essa fraqueza ao nível da receita – voltamos à questão dos direitos televisivos, que deviam estar centralizados… – mas também da capacidade para fazer respeitar regras e da inércia que ela provoca no momento de as criar torna os clubes nacionais especialmente vulneráveis ao arrivismo de um qualquer investidor menos escrupuloso. Basta ver como há três meses a Premier League está a avaliar o consórcio do reino saudita que quer comprar o Newcastle United – e não é por falta de liquidez, mas por questões de seriedade… – e comparar essas ações com aquilo que a Liga portuguesa sabe de Wei Zhao, o chinês que comprou a SAD do CD Aves, para se perceber as diferenças ao nível do escrutínio entre o primeiro e o terceiro mundos. O que está aqui em causa não é ter capacidade de adivinhação. Claro que Zhao até podia passar na avaliação e depois entrar nesta deriva incompreensível que levou Rui Pedro Soares, presidente da Belenenses SAD a pedir uma investigação criminal à atuação da SAD do CD Aves. Só que nada foi feito para o avaliar, nem a ele nem à Galaxy, a empresa que manda na equipa.
E a questão é que não se deve ficar por aí: o futebol de topo tem de ser visto como uma realidade global, onde além de uma avaliação de idoneidade e de frequentes demonstrações de solidez financeira para poder responder a compromissos, para se competir na divisão principal seja obrigatório possuir alicerces sólidos e contribuir para melhorar todo o edifício – falo na obrigatoriedade de ter equipas a competir em todos os escalões de formação, incluindo sub23 (e o CD Aves até foi campeão), de ter uma equipa de futebol feminino, e (esta é a proposta mais polémica) de ter uma base de apoio relevante, expressa na presença média de adeptos no estádio. Sim, defendo que para participar na I Liga uma equipa deva, primeiro, conquistar a vaga por mérito desportivo e, depois, ser submetida a uma rigorosa avaliação, que escrutine – a sério – a sua capacidade para cumprir compromissos, a idoneidade dos seus proprietários, a profundidade do seu tecido competitivo (por uma questão de contributo mas também para que em caso de necessidade não lhe faltem juniores em condições de avançar) e a média de espectadores dos últimos anos. Fica caro? É verdade. É por isso que a Liga deve criar condições ao nível da receita que lhe permitam ter poder para exigir de volta.
Tal como veio ontem dizer Rúben Amorim, treinador do Sporting – que pode ver escapar o terceiro lugar se o CD Aves der falta de comparência a um jogo – o ideal seria mesmo que os clubes pertençam aos sócios. Sou defensor do modelo 50+1 que vigora na Alemanha, em que os sócios têm de controlar os clubes, mas sei que esse é um sonho irrealizável num mercado tão pequeno como o nosso, onde qualquer injeção de capital, por mais pequena que seja, pode ser decisiva e a diferença entre o sucesso e o insucesso. Sucede que é isso que torna o nosso futebol mais vulnerável. Se para comprar o Newcastle United, equipa do meio da tabela para baixo da Premier League, não chegam 350 milhões de euros, uma SAD a competir na I Liga portuguesa pode estar à venda por menos de 10 milhões. O que é menos do que, com uma gestão a sério, se pode fazer só em mais-valias na transferência de um jogador após uma época competitivamente bem sucedida. Os clubes portugueses estão a saque. A globalização acelera o processo. Cabe à Liga mexer-se para impedir o arraso.