Os cinco pontos e o comedimento de Jesus
Os cinco pontos de avanço que o Benfica leva explicam-se com a necessidade de acelerar mais cedo. O comedimento de Jesus é que surpreende. Porque não é normal um candidato perdê-los em dois jogos.
Quando Jorge Jesus não é Jorge Jesus, a coisa merece uma referência. Ontem, na sequência da categórica vitória do Benfica sobre o Rio Ave em Vila do Conde – 3-0, mais dois golos bem anulados por fora-de-jogo – e dos cinco pontos que já leva de vantagem sobre a concorrência no topo da tabela, o técnico encarnado meteu água na fervura em vez de ir ao reservatório da fanfarronice que já tantos amargos de boca lhe provocou no passado. “Tal como o rival perdeu agora cinco pontos em dois jogos, também a nós nos pode acontecer o mesmo”, disse Jesus. E pode. Já aconteceu, aliás. Mas nem é uma coisa assim tão vulgar nem isso deve servir para escamotear a vantagem deste Benfica e a que, para já, é a sua razão fundamental: começou a fazer equipa mais cedo.
Primeiro, é preciso esclarecer uma coisa. Um candidato ao título perder cinco pontos em dois jogos seguidos não é uma coisa assim tão normal. Em três anos de Sérgio Conceição, isso só tinha acontecido uma vez ao FC Porto e houve um abismo de três meses de inatividade entre o primeiro e o segundo jogo: foi no empate caseiro contra o Rio Ave, a 7 de Março de 2020, e depois na derrota em Famalicão, a 3 de Junho, no regresso do futebol pós-interrupção pandémica, fazendo a questão de uma liderança que parecia segura depender daquilo que o Benfica de Lage viesse a conseguir na receção ao CD Tondela. Os encarnados empataram, os azuis e brancos mantiveram-se no topo da tabela e a história acabou com a distribuição de faixas de campeão a norte. Antes, o pior que sucedera aos dragões tinham sido dois empates seguidos – Vitória SC e Moreirense em Fevereiro de 2019 ou CD Aves e Benfica em Novembro de 2017 – ou duas derrotas em três jogos – FC Paços de Ferreira e Belenenses, em Março e Abril de 2018. Nos anos em que foi campeão, o próprio Benfica de Jesus só foi submetido a este regime intensivo de perda de pontos uma vez: em Maio de 2014, quando empatou com o Vitória FC e perdeu com o FC Porto nas duas últimas partidas da Liga. Mas convém dizer que nessa altura já tinha assegurado matematicamente o título face ao Sporting de Leonardo Jardim.
Os cinco pontos que o Benfica leva de avanço sobre FC Porto, Sporting e Santa Clara – ainda que o Sporting tenha em atraso a receção ao Gil Vicente – podem ainda agravar-se em breve, pois a próxima jornada verá dois destes segundos colocados defrontar-se entre si, quando os leões de Rúben Amorim visitarem a equipa de Daniel Ramos nos Açores. E refletem sobretudo o avanço dos trabalhos. O Benfica, por via da necessidade de competir internacionalmente por uma vaga na Liga dos Campeões, trabalhou com tempo no mercado e construiu mais cedo a sua ideia de equipa, mesmo tendo mudado de treinador. Jesus errou na forma de fazer o onze logo na estreia, em Salónica, mas percebeu a partir do segundo jogo como encaixar as peças no ataque milionário que o clube lhe contratou: Darwin tem muita força, velocidade e objetividade, é difícil de parar, mas precisa do complemento de Waldschmidt para que tudo isso seja transformado em golos. O resultado tem sido um ataque muito realizador – 13 golos em quatro jogos – ainda que nem sempre bem acompanhado pela performance defensiva da equipa, que o Farense, por exemplo, colocou em dificuldades.
Sérgio Conceição, por sua vez, recebeu muitos dos seus reforços no fecho do mercado e ainda não terá percebido verdadeiramente o que alguns poderão dar-lhe. Nem, sobretudo, esses jogadores terão já percebido aquilo que ele pretende deles: o modo como a equipa caiu de produção em Alvalade após as primeiras substituições é disso prova mais do que evidente, com a diminuição da intensidade, o aumento do número de perdas de bolas e de duelos perdidos a serem razão mais do que suficiente para a ira bem visível – ainda que não audível – do treinador na roda final, transmitida pela grua da Sport TV. No Sporting, a equação é mais complicada, até por não ter sido ainda possível entender se uma equipa tão frágil na sua última linha defensiva pode competir pelo que quer que seja, mas a ideia que fica é a de que o próprio Rúben Amorim estará ainda a tentar perceber onde encaixar as peças de um puzzle de que já ficou a conhecer-se a versão mais inclinada para a frente – Tiago Tomás e Plata a alas, Pedro Gonçalves, Sporar e Vietto na frente, com João Mário a meio-campo ao lado do imprescindível Palhinha – mas cujas maiores dificuldades existem e existirão sempre quando os jogos o levarem a inclinar-se para trás, onde o desafio com o FC Porto voltou a demonstrar que não tem opções.
Vamos certamente ter campeonato – e o SC Braga está a chegar… – porque, pelo menos no Dragão, a qualidade existe e não tardará a mostrar-se. Por isso, mais até do que os cinco pontos que o Benfica rapidamente conseguiu de avanço, a novidade destas primeiras jornadas é o comedimento de Jorge Jesus. Disso é que ninguém estava à espera.