Os castigos e a propaganda
A propósito dos castigos relativos ao FC Porto-Sporting lembrei o extremo que foi a final da Taça da Bulgária de 1985, que deu irradiações e extinção de clubes. É tudo uma questão de propaganda.
Por casualidade – e quero mesmo crer que assim foi –, os castigos referentes à baderna que foi o último FC Porto-Sporting saíram a dois dias de os protagonistas voltarem a encontrar-se no mesmo local, agora para a Taça de Portugal. Como é evidente, tanto um clube como o outro usaram as vias habituais para fazer a contestação. E não, não estou a falar de recursos, a que têm todo o direito e que no caso podem ser colocados ao pleno do Conselho de Disciplina ou no Tribunal Arbitral do Desporto, mas sim do incendiar da opinião pública, através de comunicados ou dos porta-vozes do costume, de maneira a provar – aos que estão do “nosso” lado da barricada, pelo menos – que estão a ser injustiçados. Mas a questão é que não estão. Depois do que todos vimos, os castigos foram até brandos. E este esgrimir de argumentos na praça pública a favor dos interesses particulares de cada um dos rivais mais não faz do que abrir caminho ao incremento da confusão.
Ontem causou muita admiração a eloquente manifestação de solidariedade com Cristiano Ronaldo por parte do público de Anfield Road – ao sétimo minuto do Liverpool FC-Manchester United, todo o estádio irrompeu em aplausos e entoou o “You’ll Never Walk Alone” em honra do CR7, que não estava a jogar por per perdido na véspera um dos gémeos que Georgina carregava no ventre. Logo vi muita gente elogiar – e bem – a atitude dos adeptos do Liverpool FC e garantir – mal – que em Portugal isto não seria possível. Eu acho que seria. Porque se há coisa que levamos muito a sério enquanto povo é a tragédia, a morte. Todo o país se comoveu e uniu em torno de Fehér ou Quintana. E é o mesmo país que depois, face a assuntos menores, como um empurrão ou um pontapé, perde horas a empolar ou diminuir o que todos estamos a ver. A transformar um ligeiro toque numa agressão ou a garantir que um soco foi dado sem brutalidade e não passou de um afago. E isto podia ser tranquilamente arrumado na gaveta do folclore, da trica mantida apenas pelo prazer do debate, se as pessoas depois não fossem tão influenciáveis por esses manipuladores a soldo, a ponto de acharem que eles têm sempre razão.
Nas últimas semanas, deixei de interagir nas redes sociais com os que me seguem por causa disso mesmo – aproveito para clarificar que nunca disse que deixaria de publicar links para os meus textos ou programas, porque preciso naturalmente de os difundir, apenas que ia deixar de responder a comentários, porque regra geral até deixei de os ler. E porque é que deixei de os ler? Porque durante uns dias andei revoltado com os insultos e as ameaças que me foram dirigidos de forma massiva, como acontece sempre que alguém é alvo desses profissionais da intriga. Muitos dos que certamente agora se comoveram com a homenagem a Ronaldo e até lamentaram que ela não fosse possível em Portugal – todos acham que só seria possível no clube deles, mas jamais com os “arruaceiros” dos rivais – deram-se ao trabalho de ir ao meu Facebook, ao meu Twitter ou até ao meu Instagram para me chamarem tudo o que de pior lhes ocorreu naquele momento, julgando que o faziam em defesa dos superiores interesses dos seus clubes. Na verdade nada estavam a defender a não ser o modo de vida de quem faz da arruaça e da polémica gratuita e irresponsável a sua forma de estar, sem se preocupar com as consequências dos seus atos.
O que se passou no Dragão em Fevereiro entre jogadores e dirigentes de FC Porto e Sporting – e envolvendo até funcionários da empresa que coloca a publicidade – foi muito grave. Não vou entrar aqui em análises particulares feitas “ao frame”, para perceber quem é que bateu mais e quem é que bateu menos, mas ainda vos digo que se, face a tudo o que se viu, ao que se leu nos relatórios e ao que ouviu depois nas inquirições, o Conselho de Justiça se ficou por castigos de 23 dias a Pepe e Tabata, e por um jogo de suspensão a Matheus Reis, o que os dois clubes deviam fazer era mostrar gratidão, porque podia ter sido bem pior. Nestas coisas, como extremo comparativo, lembro-me sempre da final da Taça da Bulgária de 1985, no final da qual os jogadores do CSKA e do Levski se envolveram em cenas de pancadaria que, na sua generalidade, nem sequer passaram na TV (para os mais curiosos, há aqui um belo resumo do jogo, no qual podem ver uma série de futebolistas que depois jogaram em Portugal). Dali resultaram, por exemplo, a irradiação – depois levantada, mas não a tempo de ele poder jogar o Mundial de 1986 – de Hristo Stoichkov ou a expulsão de Borislav Mihailov do Levski, bem como a extinção dos dois clubes pelo estado comunista, que os substituiu pelo Vitosha e pelo Sredets.
Claro que este exagero punitivo só era possível numa ditadura que precisava da propaganda à pureza e à perfeição para sobreviver face às tentações malévolas do ocidente. Não era admissível que homens modernos, progressistas, num estado perfeito, se envolvessem em brigas tão baixas como aquelas. Mas se pensarmos bem, face ao que todos vamos vendo, não é esse a inversão desse fundamento o principal argumento da propaganda dos nossos clubes para contestar tudo aquilo que os contraria, desde arbitragens a castigos? Que outra razão haverá para que homens modernos, progressistas, se envolvam em lutas ou percam jogos, a não ser o facto de estarem inseridos num sistema imperfeito que os prejudica de forma repetida? Pepe tem todo o direito a sentir-se injustiçado, como o Sporting tem todo o direito a considerar o CD incapaz. Mas face ao que se viu, na generalidade, os castigos foram pequenos. E se embarcarmos na teoria de que não se passou nada, se a difundirmos como boa, o mais certo é que volte a suceder algo igual ou pior nos próximos tempos.
Dando de barato o timing dos castigos - e já são demasiados castigos em timings, no mínimo, desadequados ou que levam a questionar tantas coincidências, o que já se si não é bom -, cheira a justiça salomónica e ligeirinha para não incomodar muito os clubes. Depois daquela confusão, o pior que podia acontecer era oferecer a quem prevaricou um sentimento de impunidade. Mas, infelizmente, de alguns organismos do futebol nacional podemos sempre esperar o pior. Atenção, não alinho na visão catastrofista de que foi uma violência apocalíptica e que deviam ser todos presos por 25 anos. Mas houve situações que mereciam punição severa. De ambos os clubes.
Por outro lado, o episódio é demonstrativo de uma coisa que me faz muita confusão: os bancos têm demasiada gente lá sentada! Parece que todo o bicho do mato tem um free pass para ver a bola à flor do relvado. Com tanta gente, é o ambiente é mais propício à confusão. Até porque parte daquela gente está lá para isso, pressionar, criar confusão, arruaça.
E mesmo em redor do relvado o acesso devia ser mais limitado. Há demasiado "agentes" com livre trânsito para cirandar por ali. Depois, nem se sabe quem é responsável quando há problemas. O que, bem vistas as coisas, nem é preciso. Com castigos destes, bem se pode aministiar tudo. Até à próxima confusão.
#EuNãoSouDesteMundo
Ótimo artigo António como sempre.
Desta vez discordo consigo em 2 pontos.
1. O que se passou em Liverpool com a homenagem ao CR7, aqui era impossível. Porque infelizmente ainda ouvimos cânticos a celebrar a morte de um adepto na final da taça com um petardo, outros que usam a tragédia aérea do chapecoense para atacar o rival etc etc etc.
2. Liberdade de expressão. Não sou de acordo com a liberdade de expressão que o António tanto defende, que para defender a minha clubite devo estar a degredir, insultar e a manipular.
Por isso defendo que alguém com poder deveria proibir as máquinas de propaganda dos clubes que só servem para manipolar os adeptos.
Acha que aquilo que o António passou os últimos dias nas redes sociais é liberdade de expressão?