Onde a Alemanha nos arrumou
A Alemanha fez quatro golos a Portugal, quase sempre com a mesma jogada. O que falhou? Quem devia acompanhar Gosens? E quem devia impedir que a bola lhe chegasse naquelas condições?
O 3x4x3 alemão, que foi criticado como causa maior da derrota contra a França, esteve hoje na base da vitória contra Portugal (4-2), porque mete três avançados por dentro e obriga sempre o adversário a mobilizar gente para fazer compensações, abrindo espaço no local de onde essa gente sai. Mas Portugal não foi hoje claramente derrotado por jogar em 4x1x4x1 ou porque o nosso extremo não acompanhou o ala adversário sempre que os alemães trocavam o lado da bola e o nosso lateral era apanhado fora de posição, a fechar por dentro. Portugal foi claramente derrotado porque deixou que os alemães trocassem o lado da bola com demasiada facilidade, com uma falta de agressividade e de pressão ao meio que a utilização de Danilo e William em simultâneo não impediu. Se o jogo de hoje nos disse alguma coisa, foi que este meio-campo claudicou e que Fernando Santos deve deixá-lo na gaveta das experiências falhadas no jogo com a França, na próxima quarta-feira.
Ao contrário do jogo contra a Hungria, ganho com uma mudança tática, a derrota de hoje não se deveu ao esquema tático. Quanto muito ter-se-á devido à sua interpretação ou, sobretudo, à falta de agressividade dos seus intérpretes. Hoje, Portugal até surgiu ligeiramente diferente, com William uns metros à frente, na tentativa de o fazer encaixar, a ele e a Bruno Fernandes, em Kroos e Gundogan, os dois médios alemães. A equipa mudava do 4x2x3x1 para o 4x1x4x1 que até recentemente sempre utilizava quando fazia coincidir Danilo e William e, no plano das ideias, funcionaria melhor assim. Funcionaria melhor ofensivamente, porque teria pontos de apoio para poder progredir em posse e chegar de forma triangulada à frente. A questão é que funcionou mal defensivamente, porque nem a presença dos três médios no corredor central impediu hoje a Alemanha de por ali circular com facilidade e de, primeiro, puxar a nossa seleção para um dos lados, antes de a agredir pelo outro. O que se viu foi a Alemanha a construir invariavelmente pela direita, envolvendo a equipa portuguesa, atraindo-a para ali, antes de com apoio no meio descobrir Gosens (o tal ala esquerdo) completamente só no lado oposto. Gosens fez um golo anulado por fora de jogo de Gnabry, aos 6’; cruzou para o auto-golo de Rúben Dias, aos 35’; assistiu Havertz para 3-1, aos 51’; marcou ele próprio o 4-1, aos 60’ e saiu aos 62’, quando Löw considerou o jogo ganho.
A tentação mais básica seria a de perguntar: quem tinha de acompanhar Gosens sempre que Nélson Semedo era puxado para dentro pela presença simultânea de Havertz, Müller e Gnabry, os tais três avançados, no meio? A resposta, para mim, é evidente: a equipa. Aliás, a equipa tinha, primeiro, de impedir que Gosens se visse naquela posição. É que não há uma boa resposta individual para esta pergunta, para um desequilíbrio que era coletivo. Creio que a ideia de Fernando Santos era a de que o extremo português (Bernardo Silva na primeira parte, Renato Sanches dos 46’ aos 58’, Rafa daí para a frente) devia baixar. Mas isso seria, além de extenuante, impossível. Como é que Portugal podia jogar se metesse os extremos a fechar junto à sua própria linha de fundo? Num 6x2x1x1 que nos tiraria quaisquer veleidades de poder apoquentar Neuer? Poderia até ser Danilo a fechar melhor ao meio, baixando entre os centrais, de forma a que Nélson Semedo não tivesse de vir para dentro com tanta frequência. Mas, no meu entender, a boa resposta era pressionar com mais agressividade, de maneira a que a bola não circulasse com tanta facilidade por ali, da nossa esquerda para a nossa direita. E o que o jogo demonstrou foi que os nossos médios estão num plano muito abaixo do que este jogo em particular exigiria.
Parece ser já claro que a equipa funciona melhor quando muda o meio-campo. Já tinha sido assim que Portugal ganhara à Hungria e voltou a ser assim que, hoje, respirou contra a Alemanha. Foi na altura em que os alemães desaceleraram? Sim, é verdade. Mas antes, mesmo quando Ronaldo chegou ao golo (1-0), num contra-ataque de compêndio, já os alemães eram superiores no campo, reduzindo a escombros a estratégia dos campeões europeus. Os jogadores portugueses chegavam sempre atrasados a cada duelo e, se foram sendo capazes de retardar o empate adversário até ao autogolo de Rúben Dias, aos 35’, deixavam a cada momento a ideia de a vantagem não poder durar sempre. Os dois autogolos com que Portugal saiu a perder para o intervalo podiam até ser apontados como fatalidades, fruto do azar, não tivessem eles resultado de lances bem construídos e da flagrante superioridade coletiva da Alemanha na primeira parte. Qualquer outro resultado ao intervalo teria sido injusto, aliás.
Ao intervalo, Santos trocou Bernardo Silva por Renato Sanches, como que a dar a entender que quem tinha de acompanhar Gosens (na ideia dele) era o extremo, mas isso não impediu a Alemanha de marcar o 3-1, na repetição da jogada habitual, logo aos 51’. Aí, Portugal meteu Rafa na direita, com a saída de William Carvalho, mudando Renato para o corredor central. E também isso não impediu Gosens de fazer ele próprio o 4-1, aos 60’, mais uma vez com a mesma jogada de envolvimento. A equipa melhorou com a entrada de João Moutinho (saiu Bruno Fernandes, aos 64’), mas sobretudo com a descompressão alemã e a passagem para 4x3x3. Jota ainda reduziu, Renato Sanches acertou uma bomba no poste, mas o jogo estava perdido. A altura é de lamber feridas e encarar o jogo que aí vem com uma certeza e uma suspeição. A suspeição de que (e nessa altura já se saberá com certeza) mesmo uma derrota pela margem mínima pode chegar para seguir em prova. E a certeza de que Renato Sanches tem de entrar neste onze, preferencialmente em 4x3x3, com o triângulo de meio-campo invertido – é neste momento o médio português mais capaz de aguentar as altas intensidades que este campeonato exige.