O tribunal onde Vieira e o Benfica já perderam
Luís Filipe Vieira e o Benfica até podem escapar à acusação na sucessão de processos que tem levado a várias buscas na Luz. Mas na opinião pública já perderam. E dessa derrota não há recurso.
As recentes eleições do Benfica trouxeram com frequência para a agenda noticiosa os “danos reputacionais” acarretados pela alta frequência das buscas efetuadas pelas autoridades à SAD e ao clube durante os mandatos de Luís Filipe Vieira. Aliás, é curioso que seja disso que hoje, na sequência de mais um round de investigações na Luz, tentando provar malfeitorias várias, falam os adeptos notáveis ouvidos pelos jornais a este propósito. E que disso se queixe igualmente, por exemplo, Bruno de Carvalho, o ex-presidente do Sporting que chegou a ser detido no âmbito do processo de invasão à Academia de Alcochete: tendo o Ministério Público desistido da acusação de “terrorismo”, sobrou-lhe o peso mediático da operação. Ora eu posso ter uma opinião acerca da influência excessiva de Vieira e do Benfica na diplomacia e na ‘realpolitik’ do futebol nacional, como posso tê-la tido no passado acerca da influência das intolerâncias manifestadas de forma repetida por Bruno de Carvalho ou das relações estabelecidas entre Pinto da Costa e os árbitros envolvidos no processo Apito Dourado, mas isso não me chega – nunca me chegou – para acusar, muito menos condenar ninguém. O que não quer dizer que os envolvidos passem por tudo isto sem danos. Não passam. E nessa batalha são sempre perdedores sem recurso.
Relativamente às buscas de ontem, portanto, só tenho um desejo: investiguem. Investiguem bem, sem fazer asneira que deite a investigação judicial por terra, porque ao mesmo tempo corre sempre uma acusação no tribunal popular. E a questão que se coloca nestes processos é sempre a mesma: onde é mais importante ganhar? Nos tribunais ou na opinião pública? Porque as duas coisas raramente andam ligadas. Até porque se sabe que os processos são sempre altamente polarizados nas bolhas criadas e amplificadas pelas redes sociais. O surgimento e o sucesso de programas televisivos como o Polígrafo ou a Hora da Verdade e a constante avaliação que eles fazem de notícias saídas nas redes mostram que uma coisa é a realidade e outra a perceção que dela vamos sendo impelidos a ter. E atenção, que estas bolhas nem têm necessariamente que ver com a afiliação clubística de cada um: mesmo no interior de clubes tão grandes como os nossos maiores há variadíssimas correntes, consoante se é situação ou oposição. E são muitas vezes estas correntes radicalizadas que mais contribuem para o alastrar destas notícias, que fazem sucesso entre os adeptos, sempre sedentos de uma realidade maniqueísta, na qual as coisas são sempre pretas ou brancas, mas nunca cinzentas.
Teríamos nós, os que nos presumimos observadores independentes, as mesmas opiniões e perceções acerca dos dirigentes envolvidos sem sabermos da existência das buscas, sem a divulgação pública de escutas, sem fugas de informação acerca de investigações? Quero crer que sim, que as evidências podem nem sempre ser suficientes para se condenar alguém em tribunal, mas só porque – e ainda bem que assim é… – o estado de direito assume sempre como seu o alto peso da responsabilidade presente numa condenação e, sobretudo quando se trata de pessoas com influência – e isto já é uma diferença de tratamento que compreendo mas lamento – é cauteloso e faz valer a precaução antes de avançar. No máximo, poderíamos coibir-nos de expressar essas dúvidas, de manifestar essas opiniões. Porque as buscas, as investigações oficiais, aqui, funcionam sobretudo como justificação, como defesa de quem já suspeita mas sente que não tem chão para avançar com a expressão pública dessa suspeita. E isso, de facto, é um peso a pagar pela procura de justiça.
As buscas feitas ontem ao Benfica e ao Santa Clara até podem não dar em nada. O Ministério Público até pode chegar à conclusão de que não tem provas para uma acusação, quanto mais para conseguir uma condenação em tribunal. E nesse caso tudo isto terá acabado apenas por sujar o nome e a reputação de quem foi visado. Mas o que já se conhece em torno dos casos dos emails, dos “padres” e das “missas”, dos vouchers, da promiscuidade com magistrados, do inflacionamento nos passes de jogadores a entrar ou a sair e de denúncias relativas ao processo Mala Ciao, bem como a coincidência de tantos casos e processos no mesmo local, leva-me a uma conclusão: no tribunal da opinião pública, Vieira e o Benfica já perderam. Por mais que evitem um dia sentar-se no banco dos réus, sendo, portanto, inocentes de facto, e por mais que os dois terços de benfiquistas que há semanas elegeram o presidente para mais um mandato insistam que tudo não passa de uma maquinação para impedir a hegemonia que conquistaram, esta derrota não é reversível nem passível de recurso.