O tempo da justiça
Muita coisa já devia ter sido feita para acelerar processos, mas o problema da justiça não é exclusivo do futebol e seria irreal esperar que fosse o futebol a resolver o que a sociedade não consegue.
A prescrição de 13 processos disciplinares nas mãos da Comissão de Instrutores da Liga, antes de voltarem ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, é bastante grave e motivará as guerras de bastidores já habituais entre as instituições do futebol nacional, mas é o castigo a Fábio Coentrão, conhecido 16 meses após os factos e já com o ex-internacional mais preocupado com a sua frota pesqueira do que com futebóis, que atinge o cúmulo do ridículo e levará os adeptos a rirem-se da justiça desportiva. No mesmo dia em que anunciou – finalmente – a intenção de ter uma Comissão de Instrutores exclusivamente dedicada aos seus processos, Pedro Proença, o presidente da Liga, pediu ao Governo a extinção do TAD, o Tribunal Arbitral do Desporto, e a sua substituição por um tribunal desportivo definitivo, do qual não haja recursos. Dias depois, João Paulo Correia, o secretário de estado do desporto, lá lhe respondeu que até está disponível para pensar nisso “se todas as entidades direta ou indiretamente envolvidas se pronunciarem nesse sentido”. Que é a forma política de dizer: “Esqueça lá isso!”
Isto é clarificador porque nos acorda para uma realidade que muitos não querem ver. Se a justiça em si é por definição lenta e sinuosa, por que razão é que a vertente desportiva haveria de ser cristalina e veloz? Podemos olhar para a coisa e ver o copo meio cheio, achar que esta lentidão criada pela colocação de tantas barreiras legais entre a abertura de um processo e uma eventual condenação é simplesmente uma forma de defender os direitos dos acusados. O que não podemos é depois vir criticar as coisas por serem lentas. É claro que a Liga já devia ter uma Comissão de Instrutores 100 por cento dedicada aos seus processos, porque há muito tempo se sabe que passam meses desde o momento em que estes saem do Conselho de Disciplina da FPF até que alguém lhes pegue e comece a ouvir as partes implicadas. Aliás, a própria FPF também não se coíbe de o fazer saber, razão pela qual foi agora criticada pela Comissão de Instrutores da Liga, que não gostou de ser colocada sob escrutínio público pela denúncia feita pelo CD acerca das prescrições. De qualquer modo, a lista de processos em instrução, a aguardar audiência disciplinar ou conclusão é pública há muito tempo e alvo de atualizações semanais no site da FPF (pode consultá-la aqui). Só ficou surpreendido quem anda muito desatento.
Tendo em conta os interesses do futebol e as verbas com que eles mexem, o investimento na exclusividade de uma Comissão de Instrutores já devia ter sido feito há muito tempo pela Liga, mas essa é a única parte que depende do regulador. E francamente não creio que, por si só, isso possa vir a resolver o problema da inaceitável acumulação de pastas em cima das secretárias dos instrutores e das inevitáveis prescrições. Porque estas resultam em grande parte também dos expedientes encontrados pelos litigantes – e não é só no futebol que isso acontece. Depois de todo o futebol ter criticado a providência cautelar interposta no Tribunal Central Administrativo do Sul para permitir a Palhinha jogar um Sporting-Benfica do qual tinha sido afastado por um quinto cartão amarelo – alvo de recurso para o TAD – já se contarão pelos dedos de uma mão os clubes que depois disso não utilizaram o mesmo estratagema de forma a fugir a castigos, justos ou injustos, mas decretados pelas instâncias competentes para tal. Há duas dimensões na coisa. Primeiro pensa-se na dimensão moral, mas depois entra-se na prática. “Funciona? Então vamos a isso!”
O futebol, neste aspeto como em muitos outros, é um espelho da sociedade. E, tal como o fazem os cidadãos em geral, clubes, jogadores, treinadores e dirigentes também recorrem a este tipo de expedientes legais para atrasar, complicar ou até fugir ao cumprimento de penas. Aos olhos da lei, aliás, nem será correto chamar a estas manobras “expedientes” – a defesa dos direitos de quem é acusado está constitucionalmente consagrada e deve ser defendida no âmbito do estado de direito. O problema da justiça – e é-o tanto da desportiva como da civil – é que estes expedientes resultam melhor ou pior quanto mais ou menos poderosos são os cidadãos – ou os agentes desportivos – e consoante melhores ou piores advogados podem contratar. Aos olhos da lei, os cidadãos – e os agentes desportivos – são todos iguais, mas a realidade depressa se encarrega de os distinguir. Complicado é esperarmos que sejam depois as instituições a voltar a unir aquilo que a sociedade separou. É no âmbito desse pensamento conformista que deve ser lida a intervenção do secretário de estado do desporto: “Temos de falar disso lá mais para a frente”. Poderíamos fazer mais? Seguramente que sim. A questão é que isso não interessa a muita gente. E definitivamente não interessa a quem anda no futebol e pode ser confrontado com castigos.
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