O Teatro dos Pesadelos
O que os adeptos querem, em qualquer clube, não é ganhar. É ganhar sempre. E a diferença entre o Teatro dos Sonhos e o Teatro dos Pesadelos que é hoje Old Trafford está na convicção e na indiferença.
Gerir uma equipa de futebol pode não ser um “trabalho dos infernos”, como afirmou ontem Erik Ten Hag, treinador do Manchester United, depois de perder em casa com o Brighton (1-2) na estreia na Premier League, mas é uma tarefa solitária que precisa de suporte superior e de uma boa dose de indiferença relativamente ao ambiente geral, quer ele seja favorável ou – sobretudo – desfavorável. Perder é sempre mau, mas pode ser ainda pior quando alguém tenta provar a sua razão, como fez o holandês ontem, por exemplo, relativamente a Ronaldo – é evidente que o atacante português não podia ser titular, não porque lhe faltasse forma, como foi dito, mas porque desertou na maior parte da pré-época e dar-lhe um lugar no onze seria passar a mensagem de que treinar ou não treinar com a equipa é igual. O problema é que isso deixa ainda mais a nu a falta de qualidade de um plantel no qual já foram investidos 600 milhões de euros nos últimos cinco anos e que foi ontem totalmente banalizado pela mais modesta equipa de Graham Potter.
A estreia do Manchester United na Premier League foi marcada por mais uma enorme vaga de protestos, que levou até ao encerramento da MegaStore do clube em Old Trafford. E, pelo menos diretamente, o mote nem são os maus resultados: é o afastamento da família Glazer, vista como rosto coletivo do insucesso que tem marcado o clube desde o último título na Premier League, ganho em 2013 ainda com Alex Ferguson aos comandos. “Queremos o nosso clube de volta”, gritavam os manifestantes, que ali preferem centrar-se mais acima, deixando os treinadores ou os jogadores para quem ganha a vida a comentar. David Moyes, Louis van Gaal, José Mourinho, Ole Gunnar Solskjaer ou Ralf Rangnick, os cinco sucessores mais ou menos duradouros de Ferguson, desde que este se reformou, há nove anos, logo após a última Premier League ganha, já foram todos pasto para os comentadores mais renomados, que lá se debruçaram ontem sobre a falta de qualidade de alguns integrantes do primeiro onze que Ten Hag apresentou – Fred e McTominay foram quem mais ficou com as orelhas a arder, mas Diogo Dalot também não escapou.
Os adeptos têm as suas próprias idiossincrasias e elas são diferentes em cada clube, quer se ganhe ou se perca. Isso viu-se, por exemplo, no caso do inaceitável abuso sofrido nas redes sociais por Ricardo Esgaio ontem, após o empate (3-3) do Sporting em Braga – e, antes que perguntem, a crónica do jogo há-de sair aqui ao final da manhã, antes do Futebol de Verdade. Ontem, o clima geral entre adeptos do Sporting no Twitter era o de que tudo o que está feito no clube é para arrasar – nem Rúben Amorim, que há menos de ano e meio deu aos leões o único título de campeão nacional das últimas 20 épocas, escapa à devastação pretendida. É a idiossincrasia própria dos adeptos do Sporting, que saem mais da toca quando perdem do que quando ganham – provavelmente porque nas últimas décadas têm perdido mais vezes do que as que ganham e é a perder que se sentem na sua zona de conforto. São diferentes os do Benfica, mais reservados quando perdem e sempre dados à bazófia, ao “Estamos a jogar o triplo!” e ao “Vamos arrasar!”, mesmo quando as vitórias de que podem vangloriar-se ainda não significam nada. Como são diferentes os do FC Porto, contestatários quer percam quer ganhem: se perdem é porque foram severamente prejudicados, se ganham é porque não lhes é devidamente reconhecido o mérito pelo centralismo.
Estes comportamentos – que não são universais mas são maioritários, pelo menos entre os mais ruidosos, nesta era de “democratização” da opinião e do insulto através das redes sociais – são fenómenos sociais e não futebolísticos, conjunturais e não próprios dos emblemas, criados em caldos de cultura muito próprios. O Sporting já foi vencedor, o FC Porto já foi submisso, o Benfica já foi humilde... O Manchester United também já anda de mãos dadas com o capitalismo mais feroz que é representado pelos Glazer desde muito antes do fim da era-Ferguson – e basta lembrar as confusões com um cavalo de corrida entre o treinador, JP McManus e John Magnier, que na altura tinham uma posição importante no tecido acionista do clube. Nessa altura os adeptos não protestavam a exigir a devolução do clube, tal como, mesmo antes das redes sociais lhes servirem de megafone, não deixaram de pedir em massa o despedimento de Alex Ferguson, em 1989, três anos e meio depois de ele lá ter chegado e outros três anos e meio antes de conquistar o primeiro título de campeão inglês. O United acabara o campeonato de 1989 em 11º lugar e seguia em 15º na nova época, dois míseros pontos acima da linha de água. E isso era inaceitável.
No fundo, os adeptos só estão satisfeitos de uma forma: a ganhar sempre. Só que ninguém ganha sempre. E a diferença entre um estádio ser o “Teatro dos Sonhos”, como é conhecido Old Trafford, ou o “Teatro dos Pesadelos”, como terá parecido ontem a Erik Ten Hag, está na forma mais ou menos convicta como é suportado pela gestão e na capacidade para ser indiferente ao ruído circundante. Os clubes devem ser dos adeptos, mas ai daqueles em que são eles que mandam na gestão.
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