O teatrinho da ambulância e do orçamento
O FC Porto apurou-se para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, onde 81% das equipas chegam dos Big Five. E metade das outras são portuguesas. Já deixávamos de achar que somos os pobrezinhos.
O apuramento do FC Porto para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões é um feito digno de registo, porque assegura a nona presença de um clube nacional (seis dos dragões e três do Benfica) nos últimos dez anos nesta fase da prova, que parece cada vez mais destinada aos clubes que vêm dos Big Five. O FC Porto é, aliás, em oito equipas já apuradas, a única que não chega dos cinco campeonatos que, por exemplo, monopolizaram as 16 vagas na edição do ano passado. E, tendo em conta a forma como despachou o Ol. Marselha e o Olympiakos com três vitórias, é até pouco relevante que os portistas tenham consumado matematicamente o apuramento num jogo em que fizeram de pobrezinhos na enésima repetição das acusações e das piadas que se ouvem sempre quando se defrontam potências tão desiguais. A ouvir as declarações das duas partes no final da partida, parecia estar a repetir o guião do Marítimo-Benfica. Só faltou Pep Guardiola virar-se para Sérgio Conceição e gritar-lhe “Vai mas é treinar para Coimbra”, naquele breve instante entre a marcação do golo de Gabriel Jesus e a sua anulação pelo VAR.
Da mesma forma que ontem Fernandinho acusou os jogadores do FC Porto de excesso de teatralidade – “Caem em todas as faltas e parece que precisam de chamar a ambulância”, disse o médio do Manchester City – já Sérgio Conceição se tinha queixado de antijogo de adversários menos poderosos, como por exemplo o Marítimo. Era, aliás, às palavras do treinador do FC Porto que Jorge Jesus se referia no final do jogo de segunda-feira, quando disse que “aquilo que tinham falado da equipa do Marítimo é verdade: só quer jogar quando já está a perder”. E da mesma forma que ontem Sérgio Conceição rebateu as críticas com alusão à desigualdade de orçamentos – “Guardiola ficou chateado? Também eu ficaria se não conseguisse ganhar com a equipa e o orçamento que ele tem” – também Lito Vidigal já usou esse mesmo argumento vezes sem conta. Basta ir ao Google para encontrar uma. “Temos muitos constrangimentos e o orçamento mais baixo da Liga”, dizia o treinador angolano, por exemplo, a justificar o futebol que apresentava a equipa do Vitória FC que dirigia, em Janeiro de 2019.
Claro que a questão dos orçamentos conta. Basta olhar para os últimos dez anos de Liga dos Campeões – ainda sem contar a edição atual. Em 160 vagas nos oitavos-de-final, a Inglaterra preencheu 34 (21%), a Espanha 32 (20%), a Alemanha 27 (16%), a Itália 21 (13%) e a França 16 (10%). Os cinco campeonatos mais ricos da Europa obtiveram, assim, 130 das 160 vagas nos oitavos-de-final. São 81%, que é como quem diz quatro equipas em cada cinco. Portugal, com oito vagas (uns ainda assim muito honrosos 5%) é quem mais se aproxima. Seguem-se a Ucrânia, com cinco (e o Shakthar de Luís Castro está bem lançado para conseguir mais uma), a Rússia com quatro, a Suíça e a Turquia com três, a Holanda com duas, e Dinamarca, Chipre, Escócia, Grécia e Bélgica com uma cada. A primeira explicação para esta enorme desigualdade está, como é evidente, no dinheiro. Mas o dinheiro, como já tive oportunidade de explicar em numerosas ocasiões (por exemplo aqui) não vai começar a aparecer enquanto as equipas portuguesas não partilharem mercados com as que jogam os grandes campeonatos. Resta-nos trabalhar as outras variáveis, as que podemos controlar.
E um dos exemplos de uma variável que podemos controlar é o comportamento das nossas equipas em campo. Porque continuamos a privilegiar a chico-espertice, mesmo quando nos chegam provas consecutivas e irrefutáveis de que ela não rende. Reparem no exemplo de segunda-feira: o Marítimo sofreu os dois golos da reviravolta do jogo com o Benfica com dois jogadores ultrapassados porque estavam no chão, de acordo com as palavras de Fernandinho provavelmente “à espera da ambulância”. No primeiro golo foi Pelágio quem ficou deitado, depois de um choque com o companheiro Hermes; no segundo foi Jean Irmer, este após uma falta que (sim) o árbitro marcou ao contrário. Mas isso, para este raciocínio, nem importa. O que importa é a forma de pensar, é o princípio segundo o qual, em primeiro lugar, se deve sempre cair e, em segundo, se deve lá ficar para quebrar o jogo, sobretudo se o resultado nos for favorável. O que importa é se pensamos grande ou se pensamos pequeno. E na Liga portuguesa há muita gente a pensar pequeno – até os grandes, cujos jogadores caem ao mais pequeno contacto, viciados na ideia de grandeza que leva sempre os árbitros a marcar faltas, quanto mais não seja por deslocação do ar.
Esta é a questão mais fácil de mudar. Basta que quem manda assim o queira.