O TAD e a confusão no futebol português
O Olhanense tem razão para reclamar o direito a lutar pela subida? Sim. E a FPF? Teve razão em decidir como decidiu? Também. Caberá ao TAD decidir se quem não teve razão foi o governo.
Para tempos excecionais, adotam-se medidas excecionais, certo? Talvez. A coisa não é clara – e ainda bem – pelo menos na sociedade atual, em que ao cidadão ou às instituições resta sempre o direito de recorrer aos tribunais. O decreto lei 18-A/2020, que dava à Federação Portuguesa de Futebol a possibilidade de assumir medidas excecionais para fazer face à situação de pandemia, corre sérios riscos de ser contrariado pela decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, que aceitou a providência cautelar do Olhanense e, quando as equipas já se preparam para a nova época, congelou os quadros competitivos da II Liga e do Campeonato de Portugal. Os algarvios – bem como o Casa Pia – têm razão? Têm. E a FPF? Também. E o governo, que assumiu a excecionalidade do momento ao emitir o tal decreto que incentivava as decisões? Também. Sei que isto pode ser difícil de aceitar para mentes mais maniqueístas, mas há casos assim, em que não há bons e maus e em que nem a malha conturbada da lei defende os direitos de todos.
O imbróglio explica-se muito rapidamente. Quando foi decretado o estado de emergência, as autoridades desportivas decidiram suspender a II Liga e o Campeonato de Portugal. Logo na altura achei que pelo menos a II Liga devia ter continuado, pois é, no papel, tão profissional como a primeira. E isso teria desde logo anulado um dos problemas, nascido do protesto do Casa Pia, que foi condenado com o CD Cova da Piedade a descer do segundo ao terceiro escalão sem poder jogar a prova até ao fim e que também já viu o TAD aceitar julgar a ação a pedir a suspensão das descidas. Também alertei para o perigo de protestos vindos de quem se sentiria prejudicado: os que iriam ser condenados à descida sem terem direito de se defenderem em campo até ao fim e os que se veriam privados de continuar a lutar pela subida até à última gota de suor. O facto de a distância pontual de Nacional e Farense para as equipas que os seguiam no segundo escalão ser ampla – eram seis pontos para o Feirense e nove para o CD Mafra e o Estoril – levou a que não houvesse barulho por ali, mas o mesmo já não pode dizer-se do que acontecia no Campeonato de Portugal, onde tudo estava em aberto, pois o regulamento previa uma fase final entre os dois primeiros de cada uma das quatro séries para decidir as subidas.
E a questão é que, qualquer que fosse a decisão tomada face à impossibilidade de se jogar, ela violaria sempre alguns direitos. Seguindo diretivas internacionais, que mandavam decidir com base no mérito desportivo, entendeu a FPF promover os dois líderes que, nas quatro séries, tinham feito mais pontos, FC Vizela e FC Arouca. Protestou o Olhanense, como podia ter protestado o Praiense, que até era a equipa com mais vantagem sobre o segundo colocado à data da interrupção (onze pontos) e por isso também podia ter cabido debaixo do chapéu do “mérito desportivo”. Algarvios e açorianos também comandavam as suas séries e julgar-se-ão no direito a subir. Mas assim sendo também podia ter protestado o Real SC, que tinha tantos pontos como o Olhanense na Série D (e desvantagem no confronto direto mas melhor diferença de golos). Ou a AD Fafe, o Lusitânia de Lourosa e o Benfica de Castelo Branco, que seguiam nas segundas posições das outras séries, portanto com direito a jogar o playoff de subida.
Agora imaginemos que a FPF decretava, como medida excecional, que iam jogar um playoff os dois primeiros classificados de cada série. Para mim, teria sido a medida mais justa. Mas não seria uma decisão à prova de bala. O que diria o Anadia FC, que seguia a um ponto do Benfica de Castelo Branco na Série C, tendo vantagem no desempate? Ou até o Vitória SC B, o SC Espinho e o FC Alverca, terceiros colocados nas outras séries e com hipóteses claras de atacar a subida nas nove jornadas que faltavam? Na verdade, a situação em que foi posto o futebol português não tinha saída regulamentar. Nem um alargamento resolveria, porque há sempre um local em que se traça a linha e quem estiver do lado errado fica apeado e com direito a gritar: “Porquê aqui? Porque não depois de mim?”. Estão a ver a fila para renovar o cartão de cidadão e a última senha a ser atendida ser precisamente a da pessoa que está à nossa frente? É isso mesmo. Revoltante, não é? Mas injusto? Talvez não. A única hipótese de evitar problemas era mesmo a instituição de uma solução negociada entre todos os clubes, o que, é bom de ver, seria certamente impossível, pois os interesses de cada um são seriamente conflituantes. É por isso que, não querendo substituir-me ao coletivo de juízes, até por ser coisa para a qual não tenho jeito nenhum, creio que será difícil o Olhanense ver o TAD decidir a seu favor. Mesmo tendo razão. Porque a verdade é que a FPF está respaldada no tal decreto lei, que lhe dava o direito a decidir e, por isso, também tem razão.
A única coisa desenquadrada foi o tal decreto que veio incentivar a tomada de decisões. Mas, lá está: para tempos excecionais, adotam-se medidas excecionais. Tem a palavra o TAD.