O Sporting e os avançados
O Sporting fez cinco golos em 75 remates nos últimos quatro jogos - e quatro deles foram na tarde invulgar de acerto de Trincão. Chermiti é o rosto do problema, mas há que enquadrar melhor a situação.
O desacerto do Sporting em frente às balizas nas últimas partidas já terá levado Rúben Amorim a recuar no que tinha dito em Janeiro acerca dos avançados: não queria mais, mas já quer. Não há problema nenhum nisso, porque pior do que reconhecer um erro de apreciação é persistir nele. Mais: o projeto do Sporting passa por assumir este tipo de riscos e por se expor a este tipo de erros. “Se Chermiti renovar, não quero mais nenhum avançado. Ficamos com o Paulinho, o Chermiti e o Rodrigo Ribeiro”, disse o treinador em Janeiro, após a entrada do jovem na ponta final do jogo contra o Benfica, na Luz. Era mesmo a sério? Era para motivar o jogador? Era para dar o empurrão final no processo de renovação? Só Amorim saberá. No entanto, com Paulinho lesionado desde os 3-0 ao Santa Clara e Rodrigo na equipa B, também sem grande sucesso, Chermiti tem sido curto para as exigências de uma equipa que sofre cada vez mais para fazer golos: nos quatro jogos desde a lesão do titular, os leões remataram 75 vezes para fazerem cinco golos, quatro deles numa tarde de acerto invulgar de Trincão. O índice de golos esperados (xG) desses quatro jogos, com Gil Vicente, Casa Pia, Juventus e FC Arouca, foi de 8,73, o que significa que o problema não está na criação ou na competência defensiva dos adversários. É mesmo uma questão de desperdício – e Chermiti não é, de todo, o único culpado. Empurrado para cima pela tirada de Rúben Amorim, bem como mais tarde pela expressão de aprovação, polegar para cima, de Sérgio Conceição, quando o cumprimentou no final do clássico com o FC Porto, em Alvalade, ou ainda por declarações de Roberto Martínez, que o incluiu num lote de avançados de qualidade que tinha para escolher o seu primeiro lote de selecionados, Chermiti chegou a ser visto como um fenómeno, que não era, sendo agora olhado como um imprestável, que também não é. Tem caraterísticas físicas que podem fazer dele um atacante interessante, em rotura até com aquilo que se vê nos outros avançados ao dispor de Amorim, mas falta-lhe depois entendimento do jogo, que pode vir com o tempo, desde que jogue, bem como um reportório técnico ao nível do que se exige a quem faz todos os minutos num candidato ao título e a uma vaga nas meias-finais da Liga Europa. Amorim sabia que Chermiti podia ser interessante como complemento, mas depois percebeu às suas próprias custas que ele não basta como Plano A – e a gestão da escassez de que parte todo o projeto leonino é um convite permanente a que se ande no fio da navalha. Havendo Paulinho, Chermiti podia ir somando minutos aqui e acolá e fazer-se avançado de nível. Havendo Paulinho e outro jogador já feito, esses minutos ser-lhe-iam barrados e nunca se veria sequer se ele podia crescer como Inácio, Matheus Nunes ou Nuno Mendes. Não havendo nem Paulinho nem outro jogador feito, é a equipa que fica à mercê da incapacidade do miúdo que, vai-se a ver, foi lançado às feras com demasiada responsabilidade, demasiado cedo, forçando Amorim a voltar a colocar Coates na frente com uma regularidade que se viu no ano do título mas não na época passada. Dizem os jornais de hoje que afinal o Sporting já vai querer um avançado no mercado do próximo Verão. E a discussão mudará de nível, para se centrar nas caraterísticas desse avançado, entre os saudosos de Slimani ou Bas Dost, de um homem-golo que pouco mais faz no equilíbrio geral das coisas, e os que preferirão um jogador como Sarabia, que saía preferencialmente de uma das posições de atacante interior mas podia jogar ao meio. Todos podem ter razão, que a escolha depende da maneira como se joga. Mas no futebol do Sporting de Amorim, o que faz mais sentido é a segunda opção. Até para não bloquear Chermiti e Rodrigo Ribeiro. Ou já desistiram deles?
Os direitos de Boehly. No final do jogo contra o Brighton & Hove Albion, Todd Boehly baixou ao balneário de Stamford Bridge. A altura não podia ter sido mais mal escolhida: o Chelsea não só tinha perdido como tinha levado um chocolate de todo o tamanho, não refletido num 1-2 que foi lisonjeiro para aquilo que produzira. A ideia do dono do clube, posta em prática na antecâmera do decisivo desafio de hoje, contra o Real Madrid, na Liga dos Campeões, terá sido a de espicaçar a equipa na qual investiu 600 milhões de euros desde o Verão. E da boca saíram-lhe expressões como “campanha embaraçosa”, que até pareceram pouco gráficas para definir a desilusão que certamente estará a tomar conta de um homem que, há uma semana, antes do jogo em Madrid, vaticinara uma vitória por 3-0 contra os campeões europeus. Frank Lampard, o terceiro treinador em que Boehly apostou só nesta época, já veio desdramatizar a coisa, recusando ver na descida do dono ao balneário efeitos nefastos antes da segunda mão da eliminatória contra os madrilenos. “Quando um dono está investido no seu interesse na equipa e quer ajudar, está no direito de vir dar as opiniões que quer”, afirmou Lampard. Mas não é disso que se trata. Se quiser, Boehly tem o direito de dizer ao treinador que, dada a falta de golos da equipa, hoje quem joga no ataque é ele mesmo, em vez de Félix ou Havertz. Até pode impor a presença do seu sócio Behdad Eghbali como segundo ponta-de-lança. Do que se trata aqui, porém, não é de direitos. É de deveres. E o dever de Boehly começa por ser o de proteger o seu investimento, não criando este espetáculo lateral que certamente não vai ajudar em nada.
O clube de Franco. O “voyeur” que há em mim leva-me a continuar a ler os comentários aos posts que vou colocando nas redes sociais, mesmo que tenha voluntária e conscientemente decidido que ia deixar de responder-lhes e que o que lá apareça sejam quase sempre tiros ao lado do tema acerca do qual escrevo. Se escrevo acerca de centrocampistas, respondem-me com árbitros. Se escrevo a propósito de guarda-redes, respondem-me com investigações e processos judiciais. Se escrevo acerca de avançados, respondem-me com avençados. Na maior parte dos casos, as pessoas não têm noção disso, mas estão apenas a ser manipuladas pelas agendas propagandísticas dos seus próprios clubes. É aquilo que na gíria mais popular está consagrado como o “assobia e fala do tempo”. E foi isso que fez Joan Laporta quando falou, por fim, do escandaloso “caso Negreira”. Quer o presidente do FC Barcelona convencer toda a gente que o seu clube pagou 7,3 milhões de euros ao antigo vice-presidente do Comité Técnico Arbitral porque o filho deste elaborou 643 relatórios “muito bem redigidos” e alguns deles “até com ilustrações” acerca dos árbitros que o clube ia apanhar na Liga espanhola. E como sabe que a explicação não colhe – são 11 mil euros por relatório, caramba... – assobia e fala do tempo. Como? Prova que o Barça é impoluto alegando que o Real Madrid é que era o clube do ditador Francisco Franco. E se fosse? Na verdade nunca ninguém soube qual era o clube de Franco. Usou o FC Barcelona para consolidar o regime na Catalunha depois do fim da Guerra Civil, usou as vitórias internacionais do Real Madrid para incrementar a hispanidade na década de 60, mas sendo galego até podia muito bem gostar do Celta ou do Depor. Quando Franco morreu, de resto, Negreira ainda nem sequer era árbitro de I Divisão, quanto mais vice-presidente dos árbitros. Mas isso não impediu que nas redes sociais tenham surgido, desde ontem, muitas fotos de Franco, ora a entregar troféus a jogadores do Barça ora a tirar fotos com jogadores do Real Madrid. Isso na verdade não interessa um chavo, mas já não se fala de outra coisa. Lá como cá.
Uma coisa é gerir a escassez. Outra é gerir inexistência. Não se pode gerir o que não há. Para uma época inteira, o Sporting precisa de pelo menos mais um avançado além do Paulinho. Com tantos jogos, os miúdos terão sempre oportunidade de entrar. E sem o peso de serem a única alternativa. Porque ao falhar, em vez de estarem a ser potenciados, estão a ser queimados. E paradoxalmente, o projeto do Sporting, cujas linhas gerais até me parecem muito boas, prejudica-se a si mesmo.
Insisto na minha. O Sporting está neste estado por falta de Mateus Nunes que foi vendido tarde e a mas horas. Além de mal vendido. Isto principalmente na primeira metade da época. Se Pedro Gonçalves não andasse a jogar tão longe da baliza,ou se trincão fosse um sarabia às coisas eram, a meu ver, bem diferentes.