O Sporting e a mudança
A supensão de Coates pode ser encarada por Amorim de duas formas: ou muda o menos possível para manter rotinas ou aproveita para introduzir incerteza nos encaixes que os adversários vão fazendo.
A suspensão a Coates, por ter visto o quinto cartão amarelo no jogo com o CD Tondela, pode ser preparada por Rúben Amorim de várias formas, uma vez que tem Neto, Matheus Reis e Quaresma em lista de espera para entrar nos três de trás. Mas a partida com o Vitória SC, que o treinador terá de encarar sem o capitão e líder – e único jogador de campo totalista na Liga, já agora – servirá para se perceber, em termos de questões de fundo, como é que Amorim olha para as onze jornadas que restam na caminhada que pode levar o Sporting ao título de campeão nacional. Ou mexe o menos possível, valorizando as rotinas defensivas que têm permitido aos leões manter as redes de Adán a zeros com frequência e ter, assim, a defesa menos batida da prova; ou aproveita para baralhar o setor onde começa a sua organização ofensiva e provocar alguma incerteza no adversário, que certamente trará para Alvalade a lição tão bem estudada como o fizeram os últimos oponentes. A minha convicção é a de que o Sporting precisa de mudar alguma coisa.
Um estudo feito pelo jornal O Jogo, na edição de hoje, mostra que o Sporting é quem menos remata entre os quatro primeiros da Liga. A diferença não é muito grande – menos um remate por jogo, em média, do que o FC Porto, que é o que mais tentativas faz – nem sobre ela se constrói qualquer tipo de embaraço, uma vez que, ainda de acordo com o mesmo estudo, os leões superam esse problema maximizando os níveis de eficácia. No entanto, o jogo com o Vitória SC pode trazer com ele um dado relevante: foi precisamente em Guimarães, há meio campeonato, que os líderes da Liga marcaram pela última vez mais de dois golos num só dia. Em Guimarães, a equipa de Rúben Amorim ganhou por 4-0 e, desde então, começou a poupar nos golos. Percorrendo toda a tabela, só quatro equipas têm sido mais parcimoniosas do que o líder: B SAD e Moreirense ainda não foram uma única vez além do bis, o FC Famalicão não o faz desde a quarta jornada e o Nacional desde a primeira. O caso dos leões é sintomático, pois os 4-0 ao Vitória SC já tinham surgido na sequência de resultado idêntico ao CD Tondela, que agora, na partida da segunda volta, já foi batido com um golo solitário e arrancado a ferros nos últimos dez minutos.
O que este dado faz é confirmar as sensações deixadas pela observação dos jogos – é assim que devem ser encarados os números no futebol. O Sporting tem tido problemas crescentes para achar as balizas adversárias e, se é verdade que os tem resolvido mantendo a sua a zeros – foram dez balizas virgens nos 16 jogos desde Guimarães e apenas sete golos sofridos nesse meio campeonato – também deve ser reconhecido que eles não dependem apenas da lesão de Paulinho e da saída de Sporar. O problema atacante do Sporting tem sobretudo a ver com o facto de os adversários já terem percebido como o líder joga e estarem a começar a atrever-se a desmontá-lo. E isso só não teve ainda reflexo nos pontos porque, de facto, esta equipa tem um espírito extraordinário, acredita sempre até ao fim – isso da “estrelinha”, da sorte e do azar, não é coisa acerca da qual eu esteja preparado para escrever… – e porque a ponta final dos jogos que se põem complicados é a altura em que Amorim muda, introduzindo novos dados na questão e desfazendo os encaixes que os adversários tanto se esforçaram para tornar perfeitos.
Há vários aspetos que fazem parte da identidade de uma equipa cuja mudança não é, para mim, recomendável. Um deles é o sistema, são os posicionamentos. Amorim nunca muda o sistema e faz bem: por mais aflita que esteja, esta equipa joga sempre em 3x4x3. Outro é o modelo, são os princípios e a ideia de jogo. Amorim também nunca abdica das suas ideias e também faz bem: o jogo deste Sporting passa sempre por uma saída curta, de forma a atrair o adversário à pressão para depois lhe explorar as costas; por uma reação forte à perda, de modo a recuperar bolas na frente e entrar depressa em momentos de contra-transição; por variações súbitas de corredor, muitas vezes do central de um lado para o ala do outro, de forma a aproveitar uma menor concentração defensiva do adversário nessa área. O que este Sporting muda em momentos de maior aflição, quando luta contra o tempo para ir atrás do golo, são as caraterísticas individuais dos jogadores nas posições que os adversários já têm perfeitamente descodificadas. E é graças a isso também que tem acabado por ganhar os jogos.
Foi isso que aconteceu, por exemplo, com a colocação de Gonçalo Inácio, um esquerdino, como central pela direita – o Sporting ganhou logo uma nova saída de bola, com possibilidade de alongar de pé esquerdo para a ala direita. Esse foi o caso de uma alteração feita por causa de uma emergência – Neto teve Covid – que depois foi assimilada como permanente. Mas é isso que acontece também, por exemplo, quando os jogos se complicam e entra Bragança para o meio-campo: o líder ganha assim um jogador com centro de gravidade mais baixo, mais forte em espaços curtos e excelente na descoberta de espaço nos últimos 30 metros em ataque posicional. Ou com a colocação de Matheus Nunes no ataque, dando ao Sporting precisamente o oposto, uma maior capacidade de esticar o jogo e de ir em busca desse espaço através da passada larga. E certamente nem é preciso lembrar que o exemplo mais perfeito desta questão é a colocação de Coates como ponta-de-lança de emergência, nos instantes finais dos jogos, a dar à equipa um poder de choque na área adversária e uma solução no futebol aéreo que já lhe valeram as vitórias sobre o apito final em Barcelos e em casa contra o Santa Clara.
Sérgio Conceição disse há tempos que é fácil perceber como joga este Sporting, mas que o difícil é contrariá-lo. Ora a repetição excessiva tem começado a permitir algumas veleidades aos opositores na segunda parte do problema. Esta é a altura em que Rúben Amorim deve introduzir variantes, de forma a tornar a equipa menos previsível. E é assim que se ganha uma nova forma de olhar para a suspensão de Coates.