O SC Braga e a vontade de ser grande
Ao ganhar a Taça de Portugal, o SC Braga assegurou que em Agosto vai jogar a décima final numa década. Chegará isso para ser o quarto grande? E, se não chega, o que falta?
Tanto como a vitória sobre o Benfica na decisão da Taça de Portugal, ontem, merece realce o facto de o SC Braga ter assegurado a presença na décima final da década, a Supertaça, na abertura oficial da próxima época. Claro que o que fica nos museus são as taças e o clube minhoto já levou quatro para casa desde que conquistou a Taça da Liga de 2013, derrotando por três vezes o FC Porto nos jogos decisivos. Sinal de que a batalha pela grandiosidade está a caminho de ser ganha no campo de jogo – e isso é tudo aquilo que pode ser feito pelos homens, de António Salvador a Carlos Carvalhal. O resto é bastante mais complicado. Falta aos minhotos ganhar a guerra pelos corações dos fiéis, falta ganhar a guerra no campo social, de maneira a impedir que os seus próprios soldados olhem para os rivais de baixo para cima, ansiando pela chamada para mudar de campo. E isso não só leva muito tempo como consome uma paixão difícil de encontrar.
Nunca um clube à exceção dos três grandes esteve em tantas finais em tão pouco tempo – e é claro que a institucionalização da Supertaça e da Taça da Liga ajudou os bracarenses a somar decisões para lá dos limites atingidos pelo Belenenses da década de 50, do Vitória FC dos anos 60 e 70 ou do Boavista dos idos de 70, 80 e 90. Os axadrezados, que já tiveram a sorte de ter a Supertaça a dar-lhes alguma consistência no período dourado, para poderem acumular grandes jogos, precisaram de mais de duas décadas para jogar nove finais. Da primeira, a Taça de Portugal ganha ao Benfica, com José Maria Pedroto aos comandos, em 1975, à última, a Supertaça conquistada frente ao FC Porto, com Mário Reis no banco, em 1997, passaram 22 anos. Quatro épocas depois, Jaime Pacheco levou a equipa da família Loureiro ao título de campeã nacional, mas mais 20 anos transcorridos e pouco resta desses tempos: o Boavista andou pelas divisões secundárias e ainda esta época festejou com emoção a permanência que obteve nos últimos instantes de uma Liga com 34 jornadas.
A história dos desafiantes no tricéfalo futebol português vai-se repetindo e será necessária uma dose até hoje por encontrar de resiliência para a desafiar. Nesse Boavistão da década de 70, um Boavistão que Pedroto começou a montar como projeto de contra-poder ao FC Porto que o afastara, está um bom exemplo. Veja-se quem foram os treinadores do sucesso. José Maria Pedroto ganhou as Taças de Portugal de 1975 e 1976, mas dali saiu para interromper o jejum do FC Porto – era esse o seu propósito. Jimmy Hagan, ex-campeão pelo Benfica, e Mário Lino, antigo campeão no Sporting, estiveram na Taça de Portugal e na Supertaça de 1979, duas finais que já foram de transição antes de o Boavista reencontrar a pujança com Manuel José. O ex-treinador do Sporting esteve nas três finais de 1992 e 1993, antes de voltar a treinar um grande e de estar no lado derrotado da final de 1997, ganha ao Benfica pelo Boavista de Mário Reis. Ora o trajeto deste SC Braga acaba por ser muito semelhante. Quem foram os treinadores das finais? José Peseiro em 2013 e 2016, Sérgio Conceição em 2015, Paulo Fonseca em 2016, Jorge Simão em 2017, Rúben Amorim em 2020 e Carlos Carvalhal nas duas de 2021.
Ao lote de excelentes técnicos que passaram por Braga nos últimos anos poderíamos ainda juntar Jorge Jesus, que ontem perdeu a final pelo Benfica, Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim, Abel Ferreira, Domingos Paciência ou Ricardo Sá Pinto. Com uns, é verdade, foi Salvador a perder a paciência, mas a generalidade acabou por sair em busca de desafios como o que há pouco mais de um ano levou Amorim a acionar a cláusula de rescisão de forma a acalentar o sonho de ser campeão no Sporting, que até estava atrás dos bracarenses na classificação da Liga. Como o fazem frequentemente jogadores – e o exemplo mais recente é o de Paulinho, que saiu para os leões em Janeiro. Dez anos depois de ter marcado presença na final da Liga Europa – a primeira das dez finais da presidência de Salvador… – o SC Braga enfrenta um momento definidor.
Para ser mesmo o quarto grande não lhe chega jogar e ganhar finais de forma consolidada ou até a eventualidade de, como o Belenenses e o Boavista fizeram em tempos, vir um dia a interromper este aborrecido monopólio de três clubes na nossa Liga. Para ser mesmo o quarto grande, o SC Braga precisa de convencer adeptos a defenderem-no à frente de um dos três de sempre – e isso até parece estar a caminho de conseguir. E precisa sobretudo de fazer aquilo que nunca ninguém conseguiu no futebol português da era moderna: que treinadores e jogadores olhem para o clube como um fim em si. Foi nisso que pensei quando ouvi Carlos Carvalhal dizer que estava a ganhar um troféu com o clube da sua terra. “Da minha freguesia, mesmo”, precisou. Para ser mesmo o quarto grande, é disto que o SC Braga precisa. Precisa de mais gente a pensar assim. E que o próprio Carvalhal continue a pensar assim.