O que tem de mudar no Benfica
Dias depois de defender que se devia olhar mais para o que se está a fazer bem, Bruno Lage proclamou que há coisas que é preciso mudar “de forma radical”. Não disse quais, mas aqui fica uma ajuda.

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O fim da aventura do Benfica no Mundial de clubes, naquele intolerável episódio de joga-troveja-suspende-volta-a-trovejar-volta-a-parar até se jogar outra vez, duas horas depois, fica marcado pelo aviso final feito por Bruno Lage. “Há coisas que têm de mudar. Umas de forma radical, outras para melhorar a nossa qualidade de jogo”, disse o treinador que, tendo aqui cumprido os objetivos mínimos para a prova, terá assegurado a continuidade no cargo para a próxima época. Que coisas têm de mudar? Pois, isso Lage já não disse. Nunca diz, que não é da escola de pensamento dos que entendem que os jornalistas estão preparados para ouvir e assimilar essas minudências. Nem os adeptos cuja curiosidade eles satisfazem – só os que lhe gravam os desabafos feitos em parques de estacionamento. Para não termos de ficar à espera do próximo “parking-leaks”, mais vale pensar. Afinal de contas, o que é que tem de mudar no Benfica? E a conclusão, a minha, pelo menos, é que são coisas que interferem com o processo eleitoral, que vai marcar profundamente a atualidade do clube nos meses que aí vêm. E que, portanto, dificilmente mudarão.
Uma coisa este Benfica tem sempre – e o Sporting, bicampeão nacional, por exemplo, não consegue ainda ter. É pedigree. O Benfica consegue ser competitivo face a grandes montanhas, não lhe importando a dimensão da tarefa que tem pela frente. A equipa perdeu onze dos 60 jogos que fez esta época, três com o FC Barcelona, dois com o Sporting, um com o Chelsea e outro com o Bayern, mas tem tantas derrotas por mais de um golo em 90 minutos contra adversários mais frágeis (FC Famalicão e Casa Pia) como contra equipas de Liga dos Campeões (Feyenoord e FC Barcelona). As “camisolas berrantes”, como cantava Luís Piçarra, já fazem essa parte de se agigantarem contra os colossos, como se isso lhes fosse garantido pela história secular que transportam no escudo. O que lhes falta é a outra metade da equação, a que estipula que não se facilita contra adversários menos poderosos. Essa será, portanto, uma das coisas a mudar e será muito mais do domínio da liderança, do efeito que ela tem na psique coletiva, de uma capacidade para adicionar às qualidades que já lá moram sob um prisma estritamente técnico-tático mais umas quantas relacionadas com a sede de vencer. Ora a liderança, aparentemente, não vai mudar – nem faria sentido que fosse Lage a reclamar que mudasse, mais ainda dias depois de ter exigido que se olhasse mais para a qualidade do trabalho que todos, ele incluído, estavam a fazer. E, embora a presença de Di María em campo possa influenciar positivamente a capacidade para meter até os adversários mais credenciados em sentido, esta ideia dos regressos movidos a gratidão, que tanto mobiliza os adeptos e os sócios votantes, e que por isso mesmo é programática para a direção, talvez não seja também tão boa como seria a de garantir espaço de crescimento a jovens valores de cuja ambição e afirmação depende o futuro do clube. A correlação é fácil de estabelecer: o regresso ao passado adia o futuro, por mais popular que se revele.
Confunde-me a diferença entre o Bruno Lage de 2019, o Bruno Lage que foi campeão depois de lançar Florentino e João Félix, mas em cuja equipa tiveram igualmente peso jogadores como Ferro e Gedson, e o Bruno Lage de hoje, que confia apenas e só num núcleo duro de consagrados, reduzindo a margem de afirmação de quem estiver fora desse seleto grupo. Foi a ponto de ter utilizado o sobrecarregado Otamendi em todos os 390 minutos do Benfica no Mundial. Ou de só ter poupado Di María a 17 desses minutos, depois de lhe ter ofuscado a saída dos relvados nacionais com a rábula da final da Taça de Portugal – e no sábado, por exemplo, via-se que ele já estava por arames. Ou, ainda, de ter criado um caso-Carreras. Tendo o espanhol visto um amarelo na estreia, o mais básico bom-senso mandaria que ele ficasse fora do jogo de opereta contra o Auckland City. Mas não: Carreras voltou aí a ser titular. E, tenha sido por casualidade, birra ou por já ter a cabeça mais no Real Madrid, para onde se espera que se transfira no Verão, do que neste Mundial, viu mais um amarelo, ficando desde logo suspenso para o desafio de vida-ou-morte, que era o terceiro, contra o Bayern. A sucessão de eventos bastou para que Bruno Lage já não o tenha utilizado no sábado, contra o Chelsea, nos oitavos-de-final, por não o achar suficientemente comprometido. Foi o treinador que o disse, que só “um jogador comprometido como Dahl podia fazer um jogo destes”. E não faltará quem diga que é assim que tem de ser. Se Carreras vai sair no final da época, mais vale apostar desde já em quem fica, naquele jogador no qual o Benfica poderá basear o seu futuro. Eu próprio seria capaz de assinar por baixo essa proposta – nem que fosse para depois ser contraditado pelas apostas fixas em gente como Di María, que vai sair, ou Renato Sanches, cuja continuidade está longe de ser um dado adquirido.
Este Mundial serviu ao Benfica para ganhar dinheiro – e dinheiro não se deita fora. Serviu para reafirmar António Silva como defesa-central de classe internacional, que ele foi o melhor dos encarnados, contrariando um ano em quebra até de valorização de mercado – o que não quer dizer que possa sair, que o grupo continua curto na posição, mesmo com o regresso de Tomás Araújo e a manutenção de Otamendi. Teria servido para colocar Trubin igualmente na montra, não tivesse ele sofrido de inconsistência flagrante, que o levou a fazer suceder ao brilhantismo exibido na vitória sobre o Bayern dois erros crassos nos dois primeiros golos do Chelsea, no sábado. Deu para ver que Otamendi rende sempre ao mesmo nível, mesmo sem férias desde que fez a Primeira Comunhão. Que Pavlidis, ao invés, está rebentado e, sabem os que o viram antes, vale mais do que mostrou. Que Kökçu continua a encolher-se nos grandes jogos, como já se encolhera durante estes dois anos, que Florentino é inseguro quando tem a bola e é pressionado, que Aursnes sofre com a necessidade de ser uma espécie de tapa-buracos que aparece onde falta alguém, que Aktürcoglu tem limitações em ataque continuado e que, por fim, Prestianni e Schjelderup não têm a regularidade que lhes permita ser mais fiáveis – e quem sabe se a resolução desta questão não passará por lhes darem a entender que contam sempre e não só quando não há mais ninguém ou é preciso agitar mais alto a bandeira da juventude.
O Mundial continuou a mostrar um Benfica melhor em transição ofensiva do que em ataque posicional, mas com uma atenção certa à dimensão estratégica do jogo. Um e o outro facto são marcas de Lage, que quando tem de atacar tende muito a acumular cruzamentos, mas que antes dos jogos mostra sempre a sagacidade para perceber onde pode ferir os adversários e como melhor pode travá-los. Lage é muito melhor a preparar os jogos do que a geri-los, mas o que este Mundial nos disse foi que, apesar das suas lacunas, ele está longe de ser o problema do Benfica. Só o será na medida em que parece sujeitar-se em demasia a uma política difícil de compreender e mais difícil ainda de justificar, em última análise a maior responsável pelas lacunas do plantel e pela persistência em opções mais populares do que realmente efetivas. São essas opções que têm de mudar – e “de forma radical”. Como? À partida, enunciando-as, para evitar que se repitam os mesmos erros uma e outra vez. Isso, Lage não fez. Pelo menos até à próxima gravação num parque de estacionamento.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira (excetuando feriados) até 14 de Julho, um dia depois da final do Mundial de clubes. A 15, o primeiro dia útil de defeso, sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia, numa periodicidade que eu gostava que fosse diária mas que ainda não sei se conseguirei manter tão frequente - até porque há um livro novo em fase de conclusão e me atrasei com a fase de escrita... A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h), eventualmente não diária. A min ha crónica de opinião será um dos conteúdos, esses sim diários, oferecidos apenas a subscritores Premium, mas poderá alternar com outros textos. A partir de 4 de Agosto, também, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que este será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.
Porque nao voltar ao 442, aproveitando a saida de Di Maria? Aursnes como interior direito (qual Ramires de 2009/2010), Tino a 6, Kokcu (se ficar) a 10, e na esquerda varias opcoes entre Bruma/Akturkoglu/Schedrup/Prestiniani...Uma dupla grega na frente Pavlidis/Ionnidis era uma "facadinha" no Sporting e um upgrade claro, tendo em conta as caracteristicas dos dois a jogar entre linhas e que podiam perfeitamente encaixar. Cabe a Lage a ultima palavra e alguma visao de mercado...