O que quer Sérgio Conceição
Sérgio Conceição revela entre hoje e amanhã se fica no FC Porto. E, mais do que mimetizarem-lhe a revolta, o que o treinador quer ver da parte do clube é a busca solidária de objetivos comuns.
Sérgio Conceição deve revelar entre hoje e amanhã o seu futuro próximo: se renova contrato com o FC Porto, se vai trabalhar no estrangeiro ou se opta por um período sabático. As três hipóteses são válidas e, do que conheço do treinador que ganhou duas das últimas quatro Ligas, acredito que a decisão não tenha em conta o dinheiro mas sim valores que lhe são bem mais importantes, como a coerência e a solidariedade. Conceição fez, em quatro anos, um trabalho notável no Dragão, à custa de um desgaste igualmente extraordinário, que lhe vem do temperamento sanguíneo e irascível, mas também, seguramente, de não ver a sua luta igualmente abraçada por todos os que, no entendimento dele, deviam travá-la. Se optar por deixar o Dragão não será pelos milhões de um clube estrangeiro ou por não lhe darem os jogadores que ele quer – será, quanto muito, por não quererem dar-lhe os jogadores que ele quer, podendo fazê-lo.
Quando se fala de Sérgio Conceição, a tentação natural é a de começar a debater o conflito, a guerra permanente, o sobrolho franzido, os impropérios lançados aos árbitros. No fundo, é falar de um indivíduo emocionalmente descontrolado, que existe nele e que, para se tornar melhor, ele devia enjaular. Isso é incontestável. O Sérgio Conceição treinador é, neste aspeto particular, a continuação do Sérgio Conceição jogador. E, sendo verdadeiro, este defeito não esgota o tema mas ajudar-nos-á a entender a opção que ele tomar. Como todos os indivíduos com este temperamento sanguíneo, Sérgio Conceição é capaz de perdoar a falha, fá-lo sem dificuldade se vir que do outro lado houve esforço e compreensão do objetivo comum, mas não quer desgastar-se a remar em sentido contrário ao de quem está ao seu nível na estrutura e pensa de forma diferente ou age de acordo com interesses que, para ele, não são os mais importantes.
E aqui, o fundamental não são os foguetes lançados para o ar de forma mimética. Ser solidário com a ideia do treinador é muito mais do que ser mal-educado ou mostrar mau perder quando ele é mal-educado e mostra mau-perder. É muito mais do que chamar nomes aos árbitros porque ele chama nomes aos árbitros. É muito mais do que fazer cara de mau e dar uns encontrões nos jornalistas se ele se queixa de diferenças de tratamento por parte da comunicação social. Ser solidário com a ideia do treinador é fazer como ele fez quando aceitou pegar numa equipa impedida de contratar reforços por estar debaixo das restrições do Fair-Play Financeiro da UEFA. É desenhar um plano a pensar no bem de toda a estrutura e segui-lo, mesmo que isso implique algum sacrifício pessoal. Porque Sérgio Conceição pode ter – e tem – aquilo a que no FC Porto chamam DNA de Dragão, a tal revolta permanente contra o centralismo, mas também tem Mundo, porque já trabalhou em muitos sítios, é financeiramente independente e não faz a felicidade depender do dinheiro que vai ganhar no próximo contrato.
Quando Sérgio Conceição trocou o FC Nantes pelo FC Porto, em 2017, o clube vinha de quatro anos seguidos sem ganhar o campeonato, algo de absolutamente inédito desde que Pinto da Costa assumiu a presidência, em 1982 – a única aproximação tinham sido os três anos entre 1999 e 2002, interrompidos com a chegada de Mourinho. Mais ainda, tinham sido quatro anos de avultados e nem sempre avisados investimentos, que deixaram a SAD em problemas com a UEFA e impediram a contratação de reforços: nesse primeiro ano, chegou Óliver Torres, que já estava negociado antes das restrições, tendo o treinador composto o plantel com o regresso de vários jogadores que estavam emprestados. Mesmo assim, veio. E o FC Porto ganhou a Liga e chegou aos oitavos-de-final da Champions. Na segunda época, perdeu o campeonato de forma surpreendente para o Benfica de Bruno Lage, mas ganhou a Supertaça e esteve nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Na terceira falhou a presença na Champions – foi eliminado pelos russos do FK Krasnodar – mas compensou com a dobradinha campeonato-Taça de Portugal. E na quarta, mesmo perdendo a Liga para o Sporting de Rúben Amorim, voltou a ganhar a Supertaça e a marcar presença entre as oito melhores equipas da Europa. O saldo é francamente positivo.
E agora? Bom, agora que o FC Porto saiu debaixo das restrições do Fair-Play Finaceiro, que vai ter alguma folga orçamental, não só devido à entrada do dinheiro das transferências de Danilo e Vitinha como também graças ao empréstimo obrigacionista ontem lançado, achará Sérgio Conceição que o clube pode abalançar-se a mais. É minha convicção que Conceição ficará no FC Porto se no FC Porto pensarem como ele e quiserem mais como ele. E atenção: querer mais não é querer chamar mais nomes aos árbitros, dar mais encontrões a jornalistas ou fazer mais ironias finas e caras de mau, por muito que achem que isso é o fulcro do técnico portista. É, agora que podem fazê-lo, em vez de repetirem investimentos feitos a pensar sabe Deus em quê, como os que levaram à intervenção da UEFA, dotar a equipa de mais recursos, de recursos que permitam ao treinador conseguir aquilo de que depende mesmo a sua felicidade: sucesso.