O que mudou no Sporting
Há mudanças no futebol do Sporting que tornam Palhinha ainda mais imprescindível à ideia de Rúben Amorim. Segurá-lo será a maior preocupação para as próximas duas semanas.
O mês de Agosto aproxima-se do final e o Sporting parece não ter perdido com a inclusão do símbolo de campeão nacional no peito o DNA que lhe permitiu vencer a última Liga. A equipa de Rúben Amorim mudou, como é natural, sobretudo pela saída de João Mário, mas as duas vitórias conseguidas sobre o SC Braga em três jogos oficiais esta época mostraram um onze ainda mais controlador do que o de 2020/21, ao qual só duas situações podem privar de voltar a lutar pelo título: o excesso de jogos enquanto andar metido na Champions, e a perda de mais titulares. A primeira é uma inevitabilidade, à qual falta ver a reação dos leões. A segunda vai ser o verdeiro teste à estrutura leonina.
Defendi na época passada que a ausência nas competições europeias foi fundamental para o sucesso do Sporting, não sobretudo por daí não ter vindo cansaço acumulado para um grupo que não tinha assim tantas alternativas, mas sobretudo por ter dado ao treinador o tempo para aperfeiçoar comportamentos. Esse tempo ajudou a construir uma organização defensiva imaculada e uma transição ofensiva temível. A base de tudo eram – e ainda são – os dois médios, que este ano são ainda mais fortes defensivamente, permitindo à equipa um maior atrevimento na colocação dos três da frente em momentos defensivos e tornando-a dessa forma ainda mais forte em contra-ataque. Foi muito por aí, pela troca de João Mário por Matheus Nunes, que o Sporting mudou, tornando-se depois a inclusão de Jovane em vez de Nuno Santos no onze-ideal uma particularidade ditada pela necessidade de ter mais jogo interior e ligação entrelinhas. Neste aspeto, as trocas de Porro e Nuno Mendes (lesionados) por Esgaio e Vinagre foram mais ou menos irrelevantes – o que é uma boa notícia, pois diz do acerto dos substitutos.
As equipas são organismos vivos, que se adaptam e crescem em função da realidade. Se, em função de uma substituição, uma equipa deixa de precisar de uma coisa e começa a precisar de outra, é natural que os seus membros evoluam para essa nova realidade e gradualmente passem a satisfazer essa necessidade. No caso da perda de João Mário, o treinador resolveu dar uma ajuda. O mais natural teria sido a entrada de Bragança ou até Tabata no onze, mas Rúben Amorim pensou diferente e evoluiu no sentido de um futebol mais retilíneo. Sem o médio que agora representa o Benfica, o Sporting perdeu filigrana, capacidade de pausar o jogo e de o ligar por dentro – e foi muito para compensar isso que Jovane surgiu em vez de Nuno Santos. Com Matheus Nunes ao lado de Palhinha – e Ugarte como primeiro clone – a equipa ganha imponência nos duelos, vantagem física, cobertura de espaço sem bola e fulgor a carregá-la. Com Jovane em vez de Nuno Santos, perde capacidade de abrir o jogo na linha e velocidade de transição, mas vai buscar essa criatividade no espaço interior – além de dar ao jogador a possibilidade de afirmar o talento inconstante que vem mostrando há já alguns anos.
Este é, por isso, um Sporting diferente, talvez até pensado assim em função da noção de que vai ter mais jogos de exigência máxima, devido à presença assegurada na fase de grupos da Liga dos Campeões. Na época passada, o Sporting venceu uma vez e empatou duas com o FC Porto, ganhou e perdeu com o Benfica e bateu três vezes o SC Braga. O grau de controlo sobre os jogos foi crescendo à medida que a época avançava, o que é prova de trabalho do treinador – o primeiro empate com o FC Porto foi bem mais descontrolado do que o segundo, a primeira vitória ante o SC Braga foi aquela em que os leões deixaram mais pormenores ao acaso e a derrota com o Benfica surgiu em contraciclo, mas com a nuance de ter sido o único destes oito jogos feito depois da festa da conquista do título. Esta época ainda vai em Agosto e os leões já tiveram de jogar duas vezes com o SC Braga, sendo que aos compromissos nacionais se somarão pelo menos mais seis desafios de exigência máxima, correspondentes à fase de grupos da Liga dos Campeões. E nem o estatuto de cabeça-de-série no sorteio livrará o campeão nacional de pelo menos dois tubarões.
Será o confronto com a Champions a dizer-nos se o Sporting tirará bons resultados desta sua tentativa de ser mais cínico. O que a época nos mostrou até agora, com dois jogos de alta exigência, contra o SC Braga, e um outro perante um adversário mais frágil, o FC Vizela – que pediu argumentos diferentes do tal futebol mais retilíneo – foi positivo, mas falta ver o que sucede quando o calendário começar a apertar. Além de já ter o modelo mais trabalhado – e de, por isso, talvez não necessitar de tanto tempo de aperfeiçoamento no campo de treinos – Rúben Amorim tem esta época mais opções: tem dois alas válidos para cada lado, por exemplo, e não lhe faltam alternativas aos três da frente. O problema é que o mercado não deu aos leões o que eles queriam em termos de saídas. Ainda falta a grande venda que sirva para equilibrar as contas. A questão é: quem pode sair? O melhor jogador do Sporting é Pedro Gonçalves, mas isso não quer dizer que ele seja o mais difícil de substituir. Este Sporting tem, neste momento, três jogadores imprescindíveis, por não se lhes ver alternativa à altura no grupo: Adán, Coates e Palhinha.
Rúben Amorim disse a brincar que todos os dias pede ao presidente e ao diretor desportivo que não lhe vendam ninguém e bem pode reforçar esse pedido quando se trata destes três jogadores. Adán e Coates não estão na linha de saída, mas Palhinha é notícia quase diária – e se não saiu ainda foi porque o mercado não está a oferecer nada próximo dos valores em que os leões o avaliam. Até final do mês, a luta será quase diária. Por um lado, a noção de que uma venda do médio vai deitar muito trabalho a perder – pode ter sido coincidência, mas viu-se o que aconteceu em Braga, quando ele saiu, ou o que sucedera na Luz, no final da época passada, sem ele em campo. Por outro, uma eventual necessidade de liquidez. Tudo somado, eis a questão da qual depende o futuro imediato deste Sporting.