O que muda na seleção com Diogo Jota
À sétima presença, com três golos, Jota ganhou direito a ser mais do que o substituto natural de Ronaldo. Ainda que ambos pareçam saídos do mesmo molde.
Os dois golos e a assistência de Jota nos 3-0 com que Portugal despachou a Suécia, mantendo-se no topo da classificação do seu grupo da Liga das Nações, podem ter servido para acordar a nação a propósito do substituto mais natural que a equipa tem para Cristiano Ronaldo, mas tem razão Fernando Santos para dizer que o jogador “não chegou agora”. Jota cumpriu ontem a sétima internacionalização, já se estreara em Novembro do ano passado, mas só depois de ontem, à segunda titularidade, terá mudado o ângulo da análise às ocasiões em que entra na equipa. Só depois de ontem as pessoas irão além do “o que muda sem Ronaldo”, alcançando o “o que muda com Jota”. Mais vertigem? Sim, até pode ser, mas os dois jogadores parecem ter saído do mesmo molde e, ontem, foram o jogo e a disposição do adversário que levaram a isso, ao desconforto permanente que Fernando Santos ia revelando no banco, mesmo a ganhar.
Não deixa de ser relevante realçar que Jota foi titular apenas duas vezes – e respondeu com três golos –, nas duas situações em que a seleção ultimamente se viu privada do seu capitão, os jogos com a Croácia, no Dragão, e a Suécia, em Alvalade. E que nos outros cinco jogos, só tenha privado em campo com Ronaldo durante 48 minutos, as pontas finais das partidas no Luxemburgo – em que assistiu o CR7 para um golo – e em França. É cada vez mais claro que Fernando Santos conta com o atacante recentemente transferido para o Liverpool FC como resposta óbvia para as ausências de Ronaldo, porque os dois partilham algumas caraterísticas, como a velocidade com bola, a capacidade de desmarcação para ir buscá-la atrás da última linha adversária e uma ótima relação com as redes. Esta última, aliás, Jota nem precisou de chegar a Inglaterra para a mostrar. Os 24 golos que fez em 73 desafios na Liga portuguesa, onde se estreou um par de meses depois de ter completado 18 anos, já tinham revelado um ratio de golo por jogo (0,32) notável para um miúdo que trocou Portugal por Inglaterra aos 20.
Claro que Jota não é Ronaldo. Não exerce tanta influência no jogo, a começar pelo facto de não a procurar tanto e a terminar na noção que os adversários têm dele. Com ele em campo, nem Portugal condiciona as suas movimentações coletivas à sua disposição do momento, nem os opositores se concentram tanto naquilo que ele pode fazer. Apesar de ter tido um João Félix de rendimento inferior ao que mostrara, por exemplo, no jogo com a Croácia, a seleção foi ontem, com Diogo Jota, um coletivo ofensivamente harmonioso e defensivamente empenhado, ainda que nem sempre bem organizado. Houve trocas posicionais entre os três da frente – Jota, Félix e Bernardo Silva – mas isso não deixou a equipa órfã em nenhum dos três corredores e se, defensivamente, Portugal sofreu e teve de andar muito atrás da bola, foi por causa do excesso de vertigem a que o 4x4x2 sueco convidava. Nada disso teve a ver com Jota, com a sua vontade de meter velocidade no jogo, ou sequer com William e o mito em torno da sua proverbial lentidão na recuperação defensiva. Aliás, Jota e William, seguidos de perto por Rui Patrício, Pepe e Cancelo, foram os dois melhores elementos de Portugal contra a Suécia.
A questão é que um jogo não é só uma equipa que o define e, ontem, os dois médios-ala suecos – Kulusevski e Claessen – iam sempre juntar-se aos atacantes em momento ofensivo e por lá ficavam em transição defensiva, procurando a pressão, mas geralmente de forma ineficaz, deixando dessa forma espaço nas costas para ser explorado pelos centrocampistas de Portugal, tanto em condução como em passe. Foi isso que gerou um jogo tão partido que, mesmo a ganhar, foi conduzindo ao desconforto permanente de Fernando Santos na linha lateral. O treinador de Portugal prefere jogos controlados a jogos de transição permanente e o de ontem não foi uma boa demonstração das suas preferências, com muitos duelos e muitas segundas bolas em disputa. A suspeita de que nada disso teve a ver com a vertigem de Jota face ao futebol mais habitual de Ronaldo baseia-se no que se passara, por exemplo, frente à Croácia, um jogo em que o onze de Portugal foi exatamente o mesmo, apenas com troca de guarda-redes (Lopes em vez de Patrício) e de um médio (Moutinho no lugar de William). E há um mês, no Dragão, Portugal teve esse jogo sempre controlado, porque o adversário também apostava num 4x2x3x1 com contenção dos extremos e num desafio mais seguro.
Ainda assim, o ataque de Portugal encontrou um ponto de equilíbrio, onde à partida só cabe um acelerador e onde há sempre um estabilizador, geralmente Bernardo, o extremo com quem Santos conta para gerir os ritmos do jogo com bola. Jota até pode jogar com Ronaldo, mas para isso acontecer, das duas uma: ou um dos dois terá de contrariar a sua natureza ou a equipa tem de mudar de identidade ofensiva. Porque os dois parecem ter saído do mesmo molde.