O problema dos defesas-centrais
Sem Rúben Dias e Pepe para o play-off contra a Turquia, podemos todos discutir quem é que Fernando Santos vai usar no centro da defesa. Indiscutível é que já devíamos ter segundas linhas tarimbadas.
O teste positivo de Pepe à Covid19, somado à lesão de Rúben Dias, deixa Portugal sem um único dos titulares habituais na posição de defesa-central para o jogo fundamental contra a Turquia, na quinta-feira. Posto isto, há questões que são debatíveis, como quem devem ser os escolhidos para jogar ali na meia-final do play-off que pode ou não levar-nos ao Mundial de 2020. Mas há uma que é indiscutível, acerca da qual já tinha escrito no estudo quantitativo acerca da renovação da seleção nacional, que aqui publiquei ontem: não é boa ideia repetir escolhas à exaustão e não dar a necessária profundidade a setores específicos da equipa. E se na generalidade dos casos levantados tendo a achar que Fernando Santos até tem gerido bem a entrada de novos elementos na seleção, no caso dos defesas-centrais já me parece que tem confiado excessivamente na veterania e desconfiado em demasia de qualquer nova solução que se apresente.
O mais certo é que Portugal enfrente o jogo com a Turquia com Danilo e José Fonte à frente de Rui Patrício. Fonte raramente tem falhado quando é chamado à seleção e, apesar dos 38 anos, tem estado particularmente regular e seguro no comando da defesa do Lille OSC: foi, por exemplo, totalista em minutos na campanha que levou o campeão francês aos oitavos-de-final da Champions, com apenas três golos sofridos na fase de grupos, na qual defrontou o VfL Wolfsburgo, o RB Salzburgo e o Sevilha FC. Danilo pode jogar como defesa-central e até me parece que a ideia de Santos ao incluí-lo nesta lista já era essa, a de o médio do Paris Saint-Germain poder remendar o setor, que já estaria de qualquer modo privado de Rúben Dias, atualmente a principal referência portuguesa para a posição, mas que está lesionado. Foi no centro da defesa que Danilo jogou três das suas últimas quatro partidas pela seleção – as duas com o Qatar e uma contra a Irlanda em Dublin. Numa delas teve mesmo ao seu lado Fonte: o 3-0 aos qataris, no Algarve. Claro que isto pode servir para iludir e desdramatizar, para dizer que não há azar, que Pepe até poderá voltar para a final do play-off, assim a equipa consiga lá chegar, mas a verdade é que devia ter sido feito mais nos últimos anos para dar profundidade a esta função específica da equipa.
Ele próprio um antigo defesa-central, Fernando Santos parece estar a deixar que a tarimba lhe afete a capacidade para confiar em jovens talentos para a posição. Não lhe custa chamar e até apostar em jogadores mais jovens para outros lugares, mas quando a conversa chega aos defesas centrais, “alto e para o baile!” Porque esta questão em torno da veterania dos defesas-centrais não é exclusiva de agora. Portugal foi jogar o Europeu de 2016 com quatro defesas-centrais acima dos 30 anos – Ricardo Carvalho, de 38, Bruno Alves, de 34, Pepe, de 33, e Fonte, de 32. Dois anos depois, no Mundial, manteve Alves, Pepe e Fonte, que estavam, como é evidente, dois anos mais velhos, e lá chamou Rúben Dias, então com 21. No Europeu de 2020, que só se jogou em 2021 – portanto três anos depois do Mundial – voltou a levar Pepe, já com 38 anos, e Fonte, com 37, somando-lhes Dias, já com 24, mas não adicionando um quarto central, certamente confiante na possibilidade de Danilo (à data com 29) fazer o lugar. É certo que a função defesa-central costuma requerer alguma experiência – pelo menos de um dos dois jogadores –, mas creio Santos tem revelado relativamente aos jovens nesta posição uma desconfiança que não se lhe vê no resto da equipa.
Há assim tanto talento e segurança à disposição? Não, é verdade. Como é verdade que meia dúzia de jogos inspirados podem levar um jogador ofensivo à seleção, mas para um defesa-central a ficha se faz da repetição de performances seguras, o que leva mais tempo. Como é verdade ainda que o melhor de todos os jogadores revelados nesta posição ultimamente – à parte de Rúben Dias – não tem sido capaz de manter a consistência fora de campo e isso lhe tem afetado a regularidade de jogo. Falo de Rúben Semedo, veloz, ágil, possante, com tudo para ser o substituto de Pepe, menos eventualmente a parte social. É certo que Santos pode até apresentar em sua defesa o facto de Semedo ter “desistido” de ser futebolista profissional de nível internacional, de David Carmo se ter magoado com muita gravidade e de Diogo Leite e Diogo Queirós não terem confirmado nos graúdos aquilo que prometiam nos miúdos – a ponto de ter sido Tiago Djaló, suplente dos dois Diogos no último Europeu de sub21, quem foi agora chamado a substituir Pepe. Mas já é mais difícil de compreender o entra-e-sai de Domingos Duarte, que não tem nível para ser titular nem as caraterísticas de Rúben Semedo, mas devia ter hoje, aos 27 anos, bem mais do que as três internacionalizações que conta, ante “potências” como Andorra, Qatar e Azerbaijão. Tal como é difícil de entender que Gonçalo Inácio, titular na defesa menos batida do campeonato português há um ano e meio, não se tenha ainda estreado – e não tenha sido sequer opção para o último Europeu de sub21, aí já sem responsabilidade de Fernando Santos.
Portugal faz sempre entre dez e quinze jogos por ano, quase metade deles contra seleções que, não vamos dourar a pílula, são fracas. Esses são os jogos que têm de servir para dar a necessária tarimba e profundidade a uma posição que não pode ficar eternamente refém de gente que tem mais idade de treinador do que de jogador. Obviamente que ninguém de bom senso defenderá que essa retaguarda seja, de repente, titular de uma seleção que tem Pepe e Rúben Dias. Mas que dava um jeito dos diabos já os ter mais rodados para uma emergência como esta, isso é inegável.
Claramente, D.Duarte perdeu um pouco a corrida porque agora já vamos ter D.Carmo que vem de lesão e está a jogar bem, G.Inacio, Tiago Djaló, F.Cardoso se começar a jogar com mais regularização na próxima época será concerteza chamado também. Também acho que R.Semedo se se mantiver no Porto e se afirmar será sempre titular na seleção quando Pepe sair. Acho que podemos ter um bom futuro na nossa defesa mas eles têm que começar a ser chamados.
Há coisas incompreensíveis nas convocatórias, pelo menos para quem está de fora. E não são de agora. Convocar três defesas direitos e só três centrais, confiando na adaptação de um médio, é apenas uma delas. Já para não falar de convocar jogadores que são suplentes e não convocar outros em forma ou, convocando-os, não lhes dar qualquer oportunidade. Neste caso, foi gritante a não utilização do melhor marcador do campeonato um minuto que fosse no último europeu. Não alinho no coro dos que acusam que são os empresários que mandam na seleção. Claro que têm a sua influência, mas juntamente com uma série de outros fatores. Vou mais pelo facto do selecionador acreditar mesmo que tem um grupo, mais ou menos fechado, da sua confiança e que só entra alguém exterior com grande dificuldade. Não valorizo as muitas estreias promovidas por Santos. Meter jogadores para cinco minutos contra andorras e seleções que tais chega a ser apenas marketing. Na hora da verdade, são sempre os mesmos. O que nem faria mal, se não estivesse à vista de todos que a renovação do centro da defesa é urgente. O espírito de grupo é importante, mas se o grupo tiver os centrais todos com 50 anos... Não há espírito que aguente.
Outra coisa lateral, mas que se encaixa aqui, é a necessária mudança de atitude para quem questiona e critica algumas opções. Há sempre a mania de pensar "quem não está comigo, está contra mim" e um apelo patrioteiro em torno da seleção que só a prejudica. É possível questionar e continuar a apoiar a seleção. Sendo que, no caso particular dos jornalistas, nem têm que apoiar ou deixar de apoiar. Têm que fazer jornalismo.