O “presente” de Jesus à formação
Em Paredes, o treinador do Benfica ganhou em toda a linha. Ganhou o jogo, repousou os titulares e ainda marcou pontos junto dos mais desatentos com um presente envenenado na guerra acerca da formação
Jorge Jesus não disse nenhuma falsidade no final do jogo do Benfica com o USC Paredes, pelo menos no que respeita à realidade dos jovens formandos do Seixal. Gonçalo Ramos, que foi o mais visado, não fez um bom jogo e é evidente que para um treinador poder lançar jovens “eles têm de ter qualidade”. Aliás, sempre me recusei a olhar para a questão de Jorge Jesus versus formação sob o prisma do “ele quer é jogadores feitos” – até porque essa terá sido a razão fundamental para o Benfica o fazer regressar. Mas será necessária uma grande dose de desonestidade intelectual para achar que o que se passou ali era um teste relativamente à inserção dos miúdos numa equipa, também ela, de qualidade. Porque não era. E Jesus sabe-o muito bem.
A desilusão expressa por Jesus acerca de Gonçalo Ramos foi uma espécie de versão polida e simpática do “têm de nascer dez vezes” com que o treinador visou a geração-Bernardo Silva, em 2013/14. Mas atrás dela está o mesmo racional. Jesus quer jogadores que garantam os resultados já e não tanto no ano que vem ou daqui a uns três ou quatro campeonatos, que nessa altura ele não sabe se ainda será o treinador da equipa. E se convence as administrações a dar-lhe esses jogadores no mercado, não está assim tão focado no Seixal como estavam Rui Vitória ou Bruno Lage antes dele. Aliás, isto é uma espécie de pescadinha de rabo na boca, porque a própria administração foi a correr recuperar Jesus no Rio de Janeiro por saber que ele lhe meteria em cima essa pressão de garantir os melhores no mercado em vez de ceder à tentação da operação contabilística que é promover miúdos para vender já e ficar à espera de ver se os campeonatos continuavam a pingar ou não. Portanto, não se façam agora de escandalizados.
O problema é que isto pode gerar no conjunto treinador-administração uma desconfiança na miudagem que é generalizada e talvez um pouco injusta. Porque no meio de muito joio haverá seguramente algum trigo. O percurso de Gonçalo Ramos no início desta época leva a que ele possa reclamar outro tipo de oportunidade. Entre 13 e 27 de Setembro, o miúdo (19 anos) jogou as primeiras quatro jornadas da II Liga pelo Benfica B, marcando sete golos e fazendo três assistências – teve, portanto, participação direta em dez dos 13 golos da equipa nesse período. Nessa altura, foi promovido à equipa A – e os B perderam todos os jogos desde esse dia – mas só jogou dez minutos, contra o Standard Liège, com a particularidade de ter entrado já com o jogo nos 3-0 e com o resto da equipa a gerir fadiga e intensidade, o que não costuma favorecer a afirmação de um avançado. Saiu também, agora, do banco, nos jogos da seleção de sub21 contra a Bielorrússia, Chipre e a Holanda, fazendo um golo, de penalti, na primeira dessas partidas.
Como vinha com ritmo da seleção e no sábado enfrentava uma equipa de um escalão abaixo daquele em que brilhou – o USC Paredes é do Campeonato de Portugal e ambiciona subir à II Liga – teria Gonçalo Ramos a obrigação de voltar aos registos de Setembro? Calma aí. Porque há uma outra dimensão a introduzir aqui: a da equipa. O verdadeiro teste aos miúdos é feito dentro da equipa principal em que eles são o corpo estranho mas podem perceber o que é estar ali – ao mesmo tempo que os outros titulares percebem o que eles terão para dar ao coletivo. O verdadeiro teste seria com Darwin, Pizzi e Everton e não com Ferreyra, Pizzi e Cervi, que provavelmente nem nos treinos teriam partilhado onze até esta semana. A equipa que o Benfica apresentou em Paredes era de tal modo alternativa que não pode servir de teste a ninguém. Já na quinta-feira eu tinha escrito aqui contra este tipo de rotatividade, em que se colocam lado a lado onze jogadores que nunca competiram juntos, onze jogadores que, regra geral, até aparecem com falta de ritmo, e se espera rendimento top. Isso nunca vai acontecer.
Jesus também sabia que isso nunca iria acontecer. Que, por muita qualidade que haja, aquele não seria o contexto para ela se mostrar. Aliás, Jesus sabe tanto de futebol que até parece estranho ele ignorar este princípio que é básico. O que me leva à dimensão da comunicação: em Paredes, o treinador do Benfica ganhou em todos os parâmetros. Ganhou o jogo, seguiu em frente na Taça de Portugal, poupou a maior parte dos titulares e ainda meteu uma lança em África na longa guerra de perceção que trava no clube por causa do peso da formação e da sua renitência em lançar jovens. Desde sábado, Jesus pode dizer com propriedade que até lhes deu uma oportunidade. Eles é que não aproveitaram.