O paradoxo do Tottenham e o mercado português
O Tottenham não consegue um avançado, mas em Portugal parece que há sempre milhões a entrar e a sair. É que por cá todos querem o mesmo: mover o dinheiro. Mas não se iludam, que não fica cá nenhum.
Não vos faz confusão que o Tottenham não seja capaz de achar no mercado meios de dar a José Mourinho uma equipa minimamente competitiva no panorama inglês? Que há meio ano se tenha sujeitado à derrota que foi ver Bruno Fernandes seguir o caminho de Old Trafford, depois de meses a negociar? Que agora se limite a contratar Reguillon, Doherty e Höjbjerg, recebendo Bale num empréstimo que de facto pode ajudar as três partes, mas não consiga achar um avançado para rivalizar e dar repouso a Kane? Que fracasse nas negociações com o Trabzonspor por Sorloth, que seja impotente na tentativa de convencer o Eintracht Frankfurt a ceder-lhe Bas Dost, que ouça um “nem pensar” quando fala ao Southampton em Danny Ings e que nem o Newcastle United aceite transferir Callum Wilson? E que depois acabe a pensar no empréstimo de Seferovic, que apesar de ter sido titular no primeiro jogo da época, é uma espécie de última alternativa para a posição no Benfica? A mim faz. Muita confusão. Será o Tottenham o paradoxo ou a explicação do mercado?
O que é que nos diz o mercado? Ou melhor: o que é que nos dizem acerca do mercado? Primeiro: que é impossível a um clube menos poderoso resistir às ofensivas dos mais fortes financeiramente. Depois: que todos os jogadores têm o sonho de ir para a Premier League. Mas será isto verdade? Então, se nos fazem crer que um clube como o Southampton anda por aí com notas a sair da carteira a ponto de tentar convencer o Benfica a vender Florentino e o Sporting a abrir mão de Jovane, como é que o Tottenham, que ainda há um ano – antes de Mourinho – estoirou 60 milhões em Ndombelé, não consegue agora um ponta-de-lança de 20 milhões? A questão é que o mercado é também muito aquilo em que nos fazem acreditar. E é falso que os clubes potencialmente vendedores não tenham poder na equação. Aliás, é no mínimo curioso verificar aquilo que chega ao público em Portugal, sempre veiculado por fontes que acredito serem cruzadas. Já lá andei e sei que os jornalistas fazem o seu trabalho: falam com os clubes, falam com os empresários, até falam com os jogadores. E a única coisa com que não contam é que todos estejam do mesmo lado da negociação. É que, infelizmente, no mercado português, esteja tudo a puxar para o mesmo lado: o lado que só quer mover o dinheiro.
Ora reparem nos exemplos, que são apenas de hoje. Diz O Jogo que a eventual saída de Alex Telles para o Manchester United – que aceita pagar 25 milhões de euros por um jogador que o Transfermarkt avalia em 40 milhões mas que, OK, até pode sair a custo zero no fim da época e por isso desvalorizou – pode permitir ao FC Porto ir buscar mais um lateral e mais um extremo. Acrescenta o Record que o Southampton admite chegar aos 20 milhões de euros por Jovane e que, se fizer negócio, o Sporting poderá dar a Rúben Amorim mais um defesa-central e um avançado. Não deixa de ser curioso que, além de admitir gastar 20 milhões em Jovane, o Southampton ainda ande à procura de um substituto para Höjbjerg, que saiu para o Tottenham por 16 milhões de euros (isto numa transferência entre clubes da tão poderosa Premier League), e por isso mesmo, de acordo com A Bola, agora se tenha juntado a Fulham e AS Mónaco na luta por Florentino, por quem o Benfica pede 45 milhões. Três Höjbjergs. Ou isto é tudo uma quimera ou, afinal, o que está errado nem são os processos que envolvem o Tottenham.
A questão é relativamente fácil de explicar e tem a ver com perceção. Os empresários querem fazer negócios. Os jogadores querem ganhar mais dinheiro. Dos interesses desses dois grupos ninguém duvida. Os clubes sabem que vender os melhores jogadores não é medida popular – sobretudo se as vendas não forem incluídas numa qualquer bolha de aumentar que permita ganhar campeonatos de mercado aos olhos dos adeptos – e por isso mesmo tentam dourar a pílula. Mal comparado, é como se alguém lhe propuser vender a cama que tem no quarto, que até lhe consegue bom dinheiro por ela, mas que em contrapartida você tem de gastar esse dinheiro em mais um sofá e noutra mesa para a sala. O que lhe cria a si dois problemas: fica sem cama para dormir e sem espaço para pôr dois sofás e duas mesas na sala. É certo que você não tem adeptos a discutir nos cafés se a sua casa está bem ou mal mobilada, se tem condições de conforto pelo menos idênticas à do seu vizinho de cima, que não tem de se preocupar com a perceção que a malta do bairro tem acerca do recheio do seu apartamento, e por isso o mais certo é rejeitar o negócio. A não ser que esteja atolado em dívidas e a operação lhe permita empurrá-las com a barriga.
Infelizmente, os clubes portugueses não só estão neste momento reféns desse campeonato das perceções, prisioneiros de interesses que os impedem de guardar e rentabilizar os seus jovens do ponto de vista desportivo, como têm uma dívida avassaladora que há muito lhes retirou a independência de decisão. Estas operações vão-lhes permitindo relatórios e contas anuais com lucro e a sobrevivência enquanto sociedades. A resposta que dão, na maior parte das vezes, é alinhar no jogo. O dinheiro vai-se movendo. Mas não se iludam: por cá não fica nenhum.