O paradigma da formação
Ter a equipa B na II Liga não é o mesmo que tê-la na Liga 3. O Sporting vai aperceber-se disso e terá de mudar o paradigma da sua formação no que respeita à retenção de talento não fundamental.

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Da leitura do Último Passe de ontem (aqui) podia ficar a ideia de que o Sporting está a fazer tudo bem na articulação da formação com a alta competição. Gosto do modelo de plantel curto, por mais que de Alvalade venham agora indicações de que esse será para alterar, mas não creio que os leões estejam a fazer tudo bem, por exemplo, no plano da retenção de talento. E, mais à tardinha, a ver o Portugal-Geórgia em sub21, fiquei com mais razões para dirigir perguntas à planificação leonina, que terá necessariamente de ser reequacionada devido à subida da equipa B à II Liga. Nem de propósito, ontem o L’Équipe noticiou o interesse, aparentemente prestes a ser concretizado em transferência, do Olympique Lyon em Afonso Moreira, jogador que foi fulcral na promoção obtida pelos jovens leões ao segundo escalão nacional. A questão a pôr aqui é diferente das que se colocam ao que tem vindo a ser feito pelo Benfica e tem mais que ver com o momento em que o Sporting se separa dos seus jovens jogadores.
Salvaguardadas as devidas distâncias, sobretudo relacionadas com a época histórica em que as coisas aconteceram – dez anos em mercado do futebol são muito tempo e os últimos dez, então, mudaram demasiadas coisas... –, o Sporting de hoje está a fazer algo parecido com o que fazia o Benfica de Luís Filipe Vieira em meados da década anterior: deixa sair as jovens promessas para pagar a manutenção de um núcleo duro que lhe garanta a competitividade mais acima. Ontem, nos 4-0 à Geórgia, a garantir o primeiro lugar do grupo no Europeu de sub21, seis dos onze titulares da seleção de Rui Jorge fizeram formação no Sporting. Falo dos dois defesas-centrais, Chico Lamba e João Muniz, do lateral esquerdo, Nazinho, do médio Mateus Fernandes, do extremo Geovany Quenda e do ponta-de-lança Tiago Tomás. Dos seis, contudo, o Sporting já só tem o passe de um, que é Muniz. Os outros foram todos transferidos, quiçá prematuramente.
Lamba saiu a custo zero para o FC Arouca há um ano e Nazinho foi na mesma altura, por um milhão de euros, para o Cercle Bruges, depois de lá ter estado emprestado. Mateus Fernandes foi vendido depois do início desta época, por 15 milhões de euros, para o Southampton FC. Quenda saiu já em Março, para o Chelsea, por 52 milhões, em operação que incluiu também a venda de Essugo – que não está neste Europeu por estar a jogar o Mundial de clubes – por mais 22 milhões. E Tiago Tomás foi uma espécie de precursor desta política, saindo há dois anos para o VfL Wolfsburgo, por oito milhões. A estes nomes podem juntar-se outros, também transferidos antes de se afirmarem de forma consolidada ao mais alto nível, como Fatawu ou Chermiti, que os dois juntos deram mais 29 milhões de euros. Todos somados, valeram 127 milhões de euros. E estamos a falar de jogadores que, à exceção de Quenda, titular durante toda esta época, e eventualmente de Tiago Tomás, que safou as coisas na frente antes da chegada de Paulinho, no ano do primeiro título de Amorim, não se afirmaram na primeira equipa leonina. Porque se formos a somar aqui os valores obtidos com as vendas de gente como Nuno Mendes, João Palhinha ou Matheus Nunes, chegamos aos 200 milhões de euros de receita, quase toda transformada em mais-valia financeira.
A motivação destas saídas foi mais ou menos clara. “Se me perguntam se podemos perder o Inácio, eu digo que não. Se podemos perder o Morten [Hjulmand], eu digo que não. Quando me perguntam se temos de aguentar o Viktor [Gyökeres], eu digo que temos de aguentar o Viktor. Depois temos de vender. Queríamos muito ficar com o Mateus, mas temos de fazer opções”, explicou Ruben Amorim após a saída de Mateus Fernandes, já com o campeonato em curso. Os valores, nem de propósito os 15 milhões que foram a bitola benfiquista para as saídas de Bernardo Silva e Cancelo, mas também de Ivan Cavaleiro ou Hélder Costa, explicam o negócio e permitem que se abra aqui uma encruzilhada e se questionem as operações sob dois prismas. Primeiro, o da perda de talentos, algo que como se vê pelos exemplos dados acima para o Benfica não é possível avaliar antecipadamente com 100 por cento de certeza. Depois, o do financiamento não só do setor de formação mas da própria equipa maior. Vale portanto a pena olhar para estas transferências de dois ângulos diferentes. Os jogadores podiam vir a ser úteis à equipa principal? E o dinheiro que renderam torna essa separação rentável?
Claro que nenhum clube português estará em condições de recusar 15 milhões de euros por um jogador que servia apenas para rotação no plantel, por mais que ele pudesse vir a ser útil num futuro próximo. Ou 22 por outro que anda de empréstimo em empréstimo. Já pode ser questionável que se aceite vender um miúdo de 18 anos, que aos 17 já é titular indiscutível da equipa principal e que entra pelos olhos dentro que vai ser um fenómeno da próxima década. Podia valorizar muito mais em breve, portanto. A saída de Quenda já me pareceu algo precipitada, mesmo que ele fique em Alvalade por mais um ano, emprestado, e só consigo justificá-la com a necessidade de apresentar resultados financeiros positivos em 2024/25. Mas são as saídas por valores mais irrisórios que me parecem difíceis de explicar – e mais o serão com a equipa B na II Liga. Aliás, foi à luz desta contradição que por muito tempo achei que o Sporting não queria sequer subir de divisão. Porque na Liga 3 dá para competir e manter ativos miúdos como os que foram chamados ao grupo principal, em momento de emergência relacionado com lesões, por João Pereira e Rui Borges, mas na II Liga já vai ser exigida mais alguma tarimba à equipa.
Se olharmos para os onze mais utilizados pelo Sporting na Liga 3, encontramos sete miúdos ainda com idade de júnior (Rodrigo Dias, Taibo, Mauro Couto, Felicíssimo, Arreiol, Manuel Mendonça e Afonso Moreira). A idade média deste onze é de 19 anos e oito meses. O mais velho deste lote de jogadores, que é Rafael Besugo (fez 21 anos em Março), é mais novo do que cinco dos integrantes do onze mais utilizado pelo Benfica B na II Liga. Nos encarnados, é certo que ainda se encontram quatro juniores (André Gomes, Wynder, Rafael Luís e Gustavo Varela), mas a idade média da equipa sobe para os 21 anos e um mês, por força da inclusão de alguns elementos mais experientes, como Gustavo Marques, Francisco Domingues ou Luan Farias. E isto não é algo que os clubes possam definir, tem a ver com o nível de exigência do escalão.
Porque se é certo que dificilmente jogadores que chegaram aos 22 ou 23 anos nas equipas B sem terem tido oportunidades acima as vão justificar depois disso, não é menos verdade que sem eles pode tornar-se complicado sobreviver ao nível da II Liga. E é isso que possivelmente o Sporting terá de alterar em 2025/26, porque vem mudar o local onde se coloca o risco no chão na avaliação do talento jovem. Jogadores como Lamba ou Nazinho passarão a fazer todo o sentido no projeto de equipa B, mesmo que já tenham, como eles têm, 22 ou 21 anos. Um jogador como Afonso Moreira, que fez 20 em Março, teve uma lesão complicada e mesmo assim já tem experiência de primeira equipa, tendo sido fulcral na subida dos B, fará muito mais. A ponto de as notícias acerca da alienação do passe dele ao Lyon por dois milhões de euros serem das coisas mais estapafúrdias destes últimos dias.
Nota: O Último Passe vai estar aqui de segunda a sexta-feira (excetuando feriados) enquanto houver equipas portuguesas no Mundial de clubes. No dia do derradeiro Último Passe de 2024/25 sairá a primeira edição dos Reis da Europa, que depois seguirão a correnteza normal, com todos os campeões nacionais desta época, da Albânia à Ucrânia. A 4 de Agosto, com o início de 2025/26, voltará o Último Passe, mas em versão vespertina (às 19h) e apenas para subscritores Premium. A partir daí, mas logo pela manhã, terei para vós (para todos, que será conteúdo gratuito) a Entrelinhas diária, uma leitura de cinco minutos com tudo aquilo que precisam de saber para manter as conversas sobre futebol nas pausas para café no trabalho.
Vender o Afonso Moreira por míseros 2M é uma aberração sem explicação. E nao estou a colocar em causa que ele valha mais, estou mesmo a pensar em qual é a necessidade da entrada desses 2M para a mais valia que o jogador podia trazer para o que aí vem na Segunda Liga. Parecida com esta aberração só a compra do Biel.