O Mundial que importa
O Portugal sentado e dos gabinetes uniu-se para celebrar o plebiscito que nos trará uma parcela do Mundial de 2030, mas a verdade é que ninguém quer saber. O Mundial que conta é o de 2034.
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A atribuição do Mundial de 2030 à candidatura conjunta de Espanha, Marrocos e Portugal, no bizarro congresso online com que a FIFA arrematou as próximas duas edições da sua galinha dos ovos de ouro, não nos deu um momento digno de memes, como aquele em que Marcelo Rebelo de Sousa festejou as Jornadas Mundiais da Juventude, mas não deixou de concentrar as vaidades do poder político e desportivo. Tivemos reações do governo, da presidência e uma festa na Cidade do Futebol, em Oeiras, à conta da passagem por três dos nossos estádios – Luz, Dragão e Alvalade – de um campeonato do Mundo acerca do qual pouco mais se sabe ainda, mas que vai ter abertura na América do Sul e depois decorrerá fundamentalmente em Espanha e em Marrocos. Em condições normais, toda a gente quereria saber mais. Quanto vai custar? Qual é o retorno esperado? Que obras vão ser feitas? Onde se jogará a final? Teremos ou não o direito a uma meia-final? Estas, porém, não são condições normais. A semana ficou marcada pelo plebiscito, um simples voto por aclamação a que só a Noruega teve a coragem e a lucidez de se esquivar, que foi a entrega do Mundial de 2034 à Arábia Saudita, uma monarquia absolutista que proíbe os partidos políticos, prende as ativistas dos direitos das mulheres e os homossexuais, atropela gravemente os direitos dos trabalhadores migrantes de que vai precisar para construir os estádios, que só este ano já ordenou mais de 200 execuções e foi culpada do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, morto e depois amputado com uma serra no interior do consulado saudita em Istambul. A Entrelinhas desta semana não vos trará grandes novidades sobre o nosso Mundial mas, antes de passar ao futebol que se jogou e se vai jogar, passará em revista o processo de atribuição do Mundial que conta, que é o de 2034, à Arábia Saudita e tentará fazer-vos ver que nada nele é minimamente razoável e que o caminho não passa apenas por encolher os ombros e seguir em frente.