O Mundial e a nova Champions
A FIFA vai alargar o Mundial de clubes e a UEFA vai anunciar a reformulação da Champions para 2024. Tudo faz sentido. Mas o elefante continua ali, na sala, parado, sem que olhem para ele.
Começou ontem o Mundial de clubes, com dois jogos interessantes, e as ideias que me ficam sempre que comento esta prova na RTP são a de que há ali muito terreno por explorar e a de que a competição faz todo o sentido no calendário do futebol mundial – e mais ainda faria se fosse alargada a mais equipas, para que nela pudessem caber mais dos melhores jogadores do Mundo. Hoje, entretanto, na Gazzetta dello Sport, o jornalista Fabio Licari desvendou os planos da UEFA para a nova Liga dos Campeões, que a partir de 2024 vai ter 36 equipas, em grupo único, de forma a que cada uma assegure dez jogos – em vez dos atuais seis – até à mudança de ano civil, quase duplicando o total de partidas da primeira fase. Em cima da mesa está a mesma motivação de sempre: o dinheiro. Mas se há dinheiro é porque é isso que as pessoas querem ver e, sobretudo, porque é isso que as pessoas pagam para ver. A questão vai ser encontrar tempo.
Cresci fascinado com a ideia do Mundial, na altura de seleções. A televisão não era o que é hoje e cada coleção de cromos acerca dos Mundiais me garantia quatro anos de admiração, a decorar os traços do rosto dos jogadores estrangeiros e o estilo que mostravam a pontapear a bola ou a desarmar adversários em carrinho. Hoje já conseguimos ver quase todos os jogos de quase todas as latitudes, mas a verdade é que geralmente temos mais que fazer – e ainda ontem fiquei mais rico, quando o Mundial de clubes me permitiu ficar a conhecer gente como o mexicano Aquino, o coreano Yoon Bitgaram, o egípcio Magdi Afsha ou o catari Al Moez, para citar um de cada uma das quatro equipas envolvidas naquele simulacro de quartos-de-final. O Mundial faz todo o sentido, ainda que talvez este Mundial seja desprovido de grande justiça ou até mesmo de interesse, para quem não partilha comigo este entusiasmo pelo diferente e pelo desconhecido. Não é justo porque, em termos competitivos, se destina a garantir que a Taça Intercontinental, entre o vencedor da Liga dos Campeões e o ganhador da Copa Libertadores, continua a ter lugar anualmente – ainda que disfarçada com um período de aquecimento – e não é tão interessante como seria se lá tivesse Ronaldo, Messi, Neymar ou outros craques que ficam de fora devido à limitação a um participante por continente.
A FIFA já anunciou, há quase dois anos, que tenciona fazer jogar um Mundial de clubes com 24 equipas a cada quatro épocas, e só a pandemia impediu a concretização desses planos no curto prazo. Mas o tempo desse Mundial chegará. Dará dinheiro? Sem dúvida. Mas prefiro concentrar-me no buzz que criará em torno de confrontos pouco habituais e, por isso mesmo, mais apelativos. Esse não será o principal foco da reforma da Liga dos Campeões que a UEFA pretende levar a cabo – aqui trata-se, como se tratou na criação da prova em primeiro lugar, de manter os grandes satisfeitos e impedir que eles pensem em ir governar a vidinha deles de outra forma. Ainda há dias ouvia um dirigente do Real Madrid queixar-se que de que o clube ganhava mais em direitos televisivos na Liga espanhola do que na Liga dos Campeões e que isso não estava certo nem podia continuar. Agora pensem nisso e na guerra que se gera em Portugal, por exemplo, entre os clubes interessados em ir buscar os milhões da Liga dos Campeões: esta Champions, que para os nossos grandes é uma salvação, para os grandes de Espanha, Inglaterra e até Alemanha ou Itália, está a transformar-se numa gigantesca perda de tempo. E por isso vai mudar.
Os planos da UEFA passam pelo alargamento de 32 para 36 equipas na fase de grupos. Depois, diz a Gazzetta, está previsto que as equipas continuem a ser divididas em quatro potes para efeitos de sorteio, mas colocadas num grupo único, assegurando dez jogos – em vez dos atuais seis – a cada uma, antes dos oitavos-de-final. Para quê os potes, então? Para garantir que uma equipa do Pote 1, por exemplo, fará dois jogos contra adversários do seu pote, três face a equipas do Pote 2, três ante clubes do Pote 3 e outros dois com opositores vindos do Pote 4. E depois? Os oito primeiros deste grupo único asseguram desde logo a presença nos oitavos-de-final, ficando as equipas classificadas entre o 9º e o 24º lugar de se enfrentarem numa eliminatória seguindo os preceitos de um play-off – nono com 24º, décimo com 23º, 11º com 22º e assim sucessivamente… – pelas vagas restantes. Tudo isto até ao recomeço das competições, em Fevereiro, já que se os oito aí apurados seguiriam para os oitavos-de-final, os oito derrotados baixariam à Liga Europa.
A competição será indiscutivelmente interessante e, sobretudo, garante mais jogos: só na fase inicial serão 180 em vez dos atuais 96. A guerra de influências agora terá a ver com direitos de admissão. A UEFA já garantiu que só o campeão europeu terá entrada direta na edição do ano seguinte, dependendo as outras vagas da performance de cada clube nos respetivos campeonatos nacionais – e esse é um bom princípio, porque impede o tal clube exclusivo dos milionários, mas é um princípio que seguramente vai custar caro. O que Nyon tira com uma mão, depois ver-se-á forçado a dar com a outra. Entre os grandes já começa a ouvir-se que se espera que este seja o pretexto para garantir uma quinta vaga aos maiores campeonatos e não para aumentar o número de jogos “inúteis” contra equipas de Ligas de menor expressão. Nos países de classe média, como Portugal, o temor é que sejamos nós a pagar o pato mais uma vez, tal como sucedeu na última reformulação – porque se a ideia é dar a imagem de maior capacidade de integração, não vão ser os países menos competitivos a ser sacrificados, que esses precisam de lá continuar para dar a ideia de que toda a gente pode ali chegar.
Por mais interesses económicos que tenham, a UEFA e a FIFA são, ainda assim, as únicas entidades capazes de garantir a integridade do futebol europeu e mundial. Mas a verdade é que nunca como hoje se assistiu à criação de tantas novas competições – tanto de clubes como de seleções – em tão pouco tempo. Não há quem queira olhar para o elefante, mas ele continua ali, parado, no meio da sala, sob a forma dos campeonatos nacionais. No fundo, tudo o que interessa no futebol de topo nos próximos anos é a definição do que são jogos “inúteis”. Porque o calendário não estica, a recessão aperta e a resistência humana dos jogadores não chega para 60 partidas anuais sem que se pague o preço em lesões e saturação.