O mercado em tempos de pandemia
Há grandes nomes a prometer agitar o mercado, mas não há dinheiro no futebol. A soma da pandemia ao fair-play financeiro bloqueou o negócio e isso não é necessariamente bom.
Rúben Amorim disse há dias que o melhor que o Sporting tinha a fazer neste Verão era “não vender e não comprar” e se isso já seria uma boa ideia noutras alturas, porque as equipas crescem na estabilidade com pequenos ajustes, melhor ainda se torna nos tempos atuais, de enorme incerteza provocada pela crise Covid19 no mercado. Mesmo atenuada pela incerteza acerca daquilo em que vai transformar-se o “fair-play financeiro” da UEFA, a séria quebra de receita dos maiores tubarões do futebol europeu traz ao próximo mercado uma incerteza que acabará por refletir-se também nas finanças dos grandes clubes de países periféricos, como o nosso, cujo “investimento” é quase sempre suplantado pela necessidade de conseguir mais-valias que paguem o ano. E as coisas estão muito difíceis, seja qual for o ângulo do qual se observem, quanto mais não seja porque falta liquidez.
Olhemos para a coisa de cima, da perspetiva dos grandes clubes e dos grandes jogadores. Há basicamente cinco nomes a agitar o mercado: Messi, Ronaldo, Mbappé, Haaland e Kane. E sim, isto está tudo ligado, ainda que nem todos enfrentem os mesmos problemas. Haaland e Mbappé são os nomes do futuro, mas a estratégia certa para ambos, neste momento, é esperar, não só porque não se fazem grandes contratos em anos de crise mas sobretudo porque nos casos deles tudo aponta 2022 como ano certo para a mudança: Mbappé acaba nessa altura o contrato com o Paris Saint-Germain e poderá negociar um melhor salário se o clube que o contratar não tiver de pagar transferência; Haaland, que este ano o Borussia Dortmund não libertará nunca abaixo dos 150 milhões de euros, tem uma cláusula de rescisão de metade desse valor ativável em 2022, o que também lhe permitirá, em caso de saída, obter um contrato melhor.
Mesmo assim, porque o futebol nem sempre é racional, até podia haver alguém disposto a cometer uma loucura. É nisso que se baseia, por exemplo, o pedido de Kane a Daniel Levy. O capitão da seleção inglesa está a meio caminho de uma carreira que se esperava gloriosa e, porque jurou fidelidade ao Tottenham, não tem troféus para contar aos netos. Vai daí, quer começar a ganhar coisas e não só disse que quer sair, apesar de ter mais quatro anos de contrato, como que quer as coisas acertadas antes da fase final do Europeu. A questão é: quem é que tem os 150 milhões que Levy quererá pelo seu jogador-estrela, mais condições para lhe pagar o salário majestoso que ele aufere? No fundo é o mesmo problema que afeta Messi ou Ronaldo. Messi acaba contrato com o FC Barcelona e deve anunciar depois do final da Liga espanhola que fica num clube onde a enorme crise financeira e uma dívida que já passa os mil milhões de euros forçaram o presidente, Joan Laporta, a oferecer-lhe um substancial corte salarial. Apesar de ter mais um ano de contrato, Ronaldo não quereria ficar na Juventus em caso de fracasso no fim-de-semana, no qual a Vecchia Signora saberá se vai ter Liga dos Campeões em 2021-22. Aos dois, no entanto, coloca-se uma enorme dúvida, a mesma que assolará os agentes de Harry Kane: se não ficam ali, vão para onde? Quem é que pode pagar-lhes?
Aqui, a resposta é sempre a mesma. Quem pode pagar são os clubes sujeitos a sucessivas injeções de esteroides financeiros, os clubes cujos investidores têm dinheiro a perder de vista e não se importam de o perder, como o Manchester City do sheikh Mansour ou o Paris Saint Germain do governo do Qatar. Há ainda quem fale de clubes lucrativos, como o Manchester United ou o Bayern, mas a questão é que esses clubes são lucrativos precisamente porque não se metem em operações dessas. E se no caso do United já se viu que os irmãos Glazer não se importam de não ganhar em campo desde que continuem a conseguir pagar a dívida que contraíram para comprar o clube – o que enfurece os adeptos –, já os bávaros preferem sempre abastecer-se no mercado interno, enfraquecendo a oposição de forma a ganharem os campeonatos todos. E há o Real Madrid, que gostaria muito de lá chegar, mas onde por mais voltas que Florentino Pérez dê à tômbola dos prémios e dos golpes de marketing já não há saída nem umas centenas de milhões de euros esquecidos. Conclui-se, portanto, que a fluidez do mercado – porque o dinheiro que os muito grandes gastam nos grandes vai servir a estes para se abastecerem nos médios e aos médios para irem buscar jogadores aos mais pequenos – depende de injeções de capital em clubes que precisam de mascarar as contas para enganar o “fair-play financeiro”. Que tudo depende da capacidade que os clubes tiverem para enganar a UEFA.
A ideia do mecanismo inventado pela gestão Platini era simples: evitar o cataclismo financeiro de clubes que gastavam o que não tinham em nome de quimeras de sucesso desportivo ou, de forma mais cínica, impedir as cada vez mais na moda imparidades que juntavam a falência de clubes ao desvio do dinheiro do futebol para as contas particulares de dirigentes e empresários. A ideia, que basicamente obrigava os clubes a demonstrarem sustentabilidade nos últimos três exercícios, nunca apresentando gastos superiores às receitas correntes, já gerava alguns problemas – o mais comum era a impossibilidade de alterar uma hierarquia onde, proibindo-se investimento não previamente realizado, os clubes muito grandes seriam sempre os mesmos. Neste momento, porém, tornou-se praticamente inexequível, quanto mais não seja devido à brutal quebra das receitas correntes nascida do fecho dos estádios. Perante os rumores da morte do “fair-play financeiro”, a UEFA já anunciou que não, que o que vai fazer é centrar a regra do “break-even” no presente e no futuro em vez de a virar para os três últimos exercícios. Mas o executivo de Aleksandr Çeferin ainda não explicou como e o que é dramático é que disso não depende apenas a vida de Harry Kane, que é quem tem mais urgência – faltam três semanas para começar o Europeu. Disso depende a saúde financeira de todo o futebol europeu.