O mercado e o défice crónico dos clubes
A mim, o que me faz confusão raramente são as saídas. São, geralmente, entradas inflacionadas como as de Otamendi ou Tabata que estão na base dos défices crónicos dos clubes.
Não me espanta que o Benfica tenha acabado por vender Rúben Dias. Trata-se de realismo: o defesa-central, que como o próprio Jorge Jesus disse durante o processo, é “o único jogador do Benfica que é titular da seleção nacional”, era o elemento de maior valor de mercado em todo o grupo e, não havendo a possibilidade de fazer uma daquelas vendas estratosféricas que este ano estão a ser mais firmemente doseadas nos clubes portugueses, os encarnados acabaram por ter de o deixar sair. A mim, o que me espanta nestas coisas, são quase sempre as entradas, responsáveis pelo défice crónico dos nossos clubes. São operações como a aquisição de Otamendi, que tem sido criticada, ainda que sempre pelas razões erradas. Ou a valorização de Tabata no negócio que levou o extremo do Portimonense para o Sporting.
No Benfica, depois de ter investido 80 milhões de euros em jogadores e de ter ficado fora da Liga dos Campeões, Luís Filipe Vieira há-de ter tentado vender as bugigangas que tinha lá em casa. Sucede que o mercado das bugigangas não está este ano com grande saída. E para fazer dinheiro a sério, o presidente do Benfica precisou mesmo de vender o ouro. Ora o ouro mais reluzente no plantel era mesmo Rúben Dias: central jovem, imponente, daqueles de meter o cabedal, mas sem grandes limitações técnicas, com voz de liderança e titular indiscutível em uma das três ou quatro melhores seleções da Europa. Claro que, de caminho, Vieira teve de engolir aquilo que dissera – que só venderia Dias pela cláusula de rescisão, que é como quem diz, por 100 milhões de euros. O mercado não está fácil e, sendo valioso, o central da cantera benfiquista não vale isso. A lente de aumentar de Jorge Mendes esteve mais limitada neste Verão e a venda fez-se por um valor (68 milhões) que, sendo ainda assim superior à cotação do jogador, não é escandalosamente superior, tendo em conta que Rúben Dias tem 23 anos e margem de progressão assinalável.
A única parte mais difícil de entender no negócio nem é a saída de Rúben Dias e, sendo a entrada de Otamendi, nem é pela razão que tem sido apontada pelos opositores de Vieira nas eleições do Benfica. O “portismo” do argentino, aqui, é um argumento para enganar tolos. Tal como o são as alegações de que Otamendi estará fora do prazo de validade – fez 24 jogos na última Premier League e oito na Liga dos Campeões pelo City de Guardiola… A questão é que, aos 32 anos, Otamendi não tem a margem de progressão do português e não justifica a venda por valores que estão também eles acima da sua cotação atual. Os 15 milhões que o Benfica “paga” por ele nunca serão recuperáveis a não ser em rendimento desportivo – e esse não é individualmente quantificável. E se escrevi “paga”, assim mesmo, entre aspas, é porque o próprio Jorge Jesus se referiu a Otamendi como tendo ainda que aprender as ideias dele, o que deixa a entender que a inclusão do argentino no negócio serviu sobretudo para fazer subir os valores da operação: em vez de venderem Rúben Dias por 53 milhões de euros, o que os deixaria com um problema de relações públicas maior ainda do que o que enfrentam, os dirigentes do Benfica venderam por 68, mas devolvem 15 por um jogador que nem era aquele que o treinador queria. Jesus queria – e quer – Rúben Semedo, conforme voltou a dizer na sequência desta operação.
Portanto, repito: a mim, o que me faz sempre mais confusão nem são as saídas. São entradas concretizadas em nome de interesses que vão além dos desportivos. Como parece ser a de Tabata no Sporting. Aos 23 anos, com uma efémera passagem pela seleção olímpica do Brasil, no torneio de qualificação para os Jogos que deviam ter-se efetuado no Verão, Tabata é um jogador interessante. Mas nem mesmo as oito assistências que fez em 26 jogos (com um golo) na última Liga permitem que se compreenda que o seu passe seja valorizado em dez milhões de euros (o Sporting para cinco milhões por 50%), muito menos num negócio entre clubes do mesmo país, um país com um mercado interno moribundo. A esse respeito, ao menos, Rúben Amorim tem sido menos palavroso do que Jesus, o que não permite confirmar as suspeitas de que Tabata dificilmente terá condições para se impor aos jogadores que o Sporting tem para a posição, mas esse nível de investimento, no contexto atual, indiciaria um jogador que chegasse e entrasse direto no onze. Não sendo assim, o negócio parece também inflacionado, o que permite pensar nalgum acerto de contas com Deco, o empresário que já tinha levado Raphina para o Stade Rennes por uns igualmente inflacionados 21 milhões de euros, há um ano.
Até podem dizer-me: então, se os nossos clubes compram acima do preço de referência, mas depois também vendem acima do preço de referência, está tudo bem. Só que não. Não está. Porque este tipo de operações deixam cada vez mais os clubes nas mãos dos agentes. E não só eternizam esta tendência de se ter de vender para sobreviver como prolongam os seus défices no tempo. Já se interrogaram por que razão os clubes portugueses vendem tanto e tão bem e mesmo assim continuam sempre em dificuldades. Pois é por isto.