O melhor de sempre
O planeta rendeu-se a Messi. A exibição do argentino na meia-final contra a Croácia trouxe de volta a discussão em torno de quem é o melhor jogador da história. Há opiniões para todos os gostos
“As opiniões acerca de temas relativamente frívolos no futebol são ótimas. E também são terríveis. São com frequência verdadeiramente entretidas. E também são frequentemente aborrecidas”. As palavras acima foram escritas por Nick Miller, no The Athletic, em artigo cujo título resume aquilo que voltou desde a noite de ontem a ser assunto de debate mundial: “Messi é o maior de sempre? Pode ser debatido, mas não deixe que as pessoas lhe estraguem a diversão”, lê-se numa peça encabeçada por uma fotomontagem com as imagens de Diego Maradona, Cristiano Ronaldo, Leo Messi e Pelé. Quem é o maior de sempre? Ontem, depois de ter aberto, de penalti, a contagem nos 3-0 com que a Argentina venceu a Croácia, na meia-final do Mundial, Messi assinou uma jogada do outro Mundo para oferecer o terceiro golo a Julián Alvaréz. E as reações não se fizeram esperar.
O Clarín, diário argentino, reproduziu na edição on-line uma story da conta de Instagram de Kelly Nascimento, a filha de Pelé, que viu o jogo com o pai no hospital de São Paulo em que este está internado. Na foto vêem-se as mãos dos dois entrelaçadas, com um GIF animado de Messi – algo que o diário argentino logo interpretou, de forma abusiva, como uma espécie de aprovação do Rei, usando até palavras escritas por Kelly numa story seguinte – “Que coisa linda” – como se tivessem sido ditas pelo próprio Pelé a propósito do terceiro golo argentino. Já vale tudo e, seguindo na senda do “jornalismo” de redes sociais, o mesmo Clarín aproveita para publicar um tweet de Gary Lineker, ex-internacional inglês e atualmente pivot na BBC, em que este pergunta: “Ainda há debate? A pedir um GOAT”, acrónimo para a expressão inglesa Greatest Of All Time, o maior de todos os tempos. Claro que a utilização pelo diário argentino destas reações se destina a inflamar a nação em torno de Messi, mas o debate em si é válido e é encarado de forma muito série e até brilhante por alguns artigos na imprensa de hoje.
Com o brilhantismo habitual, Ramon Besa intitula a coluna de hoje no El País “Infinito Messi” e escreve que “ao seu quinto Mundial, apareceu o Messi mais argentinizado e maradoniano” e conclui que “Messi converteu a pressão e a carga emotiva de todo um país em combustível para a sua corrida até à conquista de um Mundial”. No The New York Times, Rory Smith dá uma explicação interessante para o jogo de ontem quando escreve que “o maestro conduz e a banda toca os êxitos”. “No domingo, Lionel Messi liderará o seu país na final do Mundial. Oito anos depois, aquele que pode ser o maior jogador de sempre honrará mais uma vez o maior jogo do Mundo. Terá uma última tentativa de redenção. Terá a sua hipótese para a vingança”, anota Smith. E até o L’Équipe, naturalmente mais preocupado com a sorte que vai ter a França na segunda meia-final, enfatiza, pela pena de Vincent Duluc, o domínio de Messi sobre este jogo, clamando que “a eternidade espera-o”. “Nem para celebrar um lugar na final ele corre. Lionel Messi espera no círculo central que os colegas vão ter com ele, mas isso é seguramente mais cansaço do que desejo de majestade”, escreve Duluc, sublinhando que o capitão e número 10 argentino está “a um jogo da eternidade, de Pelé, de Maradona e de mais ninguém”.
Claro que para Messi chegar à final, outro 10 teve de ficar pelo caminho. Foi Modric, a quem provavelmente neste dia não se presta a devida justiça. A exceção foi Nick Ames, que lhe dedicou a contra-crónica da meia-final. O título é “Modric pode continuar, mas se acabar aqui sai no topo dos topos” e no interior do texto é lembrada a estreia internacional do croata, em jogo contra a Argentina de Messi, há 16 anos. “Modric e a Croácia excederam em muito o que deles se esperaria e, quando a poeira assentar, saber-se-á que também foi assim no Qatar”, refere Ames, para quem “Modric não tinha a mesma pressão para ganhar este Mundial que tem Messi”. Ora, para ganhar o Mundial, a Argentina ainda terá de vencer a final, seja contra a França ou Marrocos – hoje se saberá, na segunda meia-final. A edição de hoje do L’Équipe traz muito que ler acerca do desafio, desde um interessante estudo tático acerca das formas de marcar um golo à fortaleza defensiva que é Marrocos a uma reportagem nas origens de Griezmann – há link para ambos mais abaixo –, com passagem pela constatação de que o Al-Bayt vai ter maioria de adeptos a puxar pelos marroquinos, pelo elogio da velocidade da equipa francesa, pela história do guarda-redes Bono, que ganhou a alcunha do vocalista dos U2, ou ainda por um ponto da situação acerca da forma como este Mundial tem sido seguido pelos media marroquinos.
Mas há muito mais tática para ler antes do jogo. Como habitualmente, o The Athletic brinda-nos com uma análise assertiva do que pode estar em causa. Assinam-na Mark Carey, Liam Tharme e Ahmed Walid, como sempre com gráficos extraordinariamente interessantes, que levam os autores a sublinhar a importância que pode ter a contribuição de Griezmann. De resto, há muitos artigos acerca da amizade de Mbappé com Hakimi e continuam os textos à volta da forma como esta seleção marroquina se baseia na diáspora. A todas as peças que nos dizem como foram construídos os heróis de Marrocos, soma-se hoje mais uma, de Ed Aarons, no The Guardian, que falou com Osian Roberts, um galês que foi durante dois anos o diretor técnico da Federação Marroquina. Se tudo isso vai funcionar, veremos mais longo, quando a França e Marrocos subirem ao relvado para nos dar a conhecer o último finalista do Mundial de 2022.
A Ler:
D’Amaro a “Grizou”, por François Verdenet, no L’Équipe, é uma reportagem nas raízes de Griezmann, desde paços de Ferreira, de onde era originário o seu avô Amaro Lopes, a Mâcon, onde a família se estabeleceu.
Meet Nasser Larguet, the godfather of Morocco’s World Cup success, por Amy Lawrence, no The Athletic, conta a história da prospeção feita a crianças por todo Marrocos, para as levar para uma academia que está na base desta equipa.
Comment marquer un but au Maroc, por Dan Perez, no L’Équipe, faz uma análise tática aos jogos de Marrocos neste Mundial com a ideia de identificar as situações específicas em que a equipa de Regragui concedeu ocasiões de golo.
Politics hangs over a tie of ‘twin brothers’, por Henry Samuel, no Daily Telegraph, parte da zona de Mantes-la-Jolie, cidade nos arredores de Paris, onde existe uma extensa comunidade marroquina, para fazer o ponto da situação das relações diplomáticas França-Marrocos.
Ben Barek, el delantero que jugó com Francia y Marruecos, por Carlos Toro, no El Mundo, é a história do avançado redescoberto depois da II Guerra Mundial por Helenio Herrera num campo de prisioneiros de Casablanca, o que o levou a brilhar no Atlético Madrid.
Argentina baila y llora em la casa de Maradona, por José Pablo Criales, no El País, conta a experiência que é ver jogos da Argentina na casa de Villa Devoto para onde Maradona mudou os pais assim que pôde retirá-los de Villa Fiorito, que entretanto é atração popular.
The rise of Argentina’s ‘little spider’ who Real Madrid wanted age 11, por Sam Lee, no The Athletic, é a republicação de um perfil de Julán Álvarez, originalmente escrito na altura em que o atacante argentino assinou pelo Manchester City.
Coppa d’Autunno: i pro e i contro, por Gianfranco Teotino, na Gazzetta dello Sport, analisa as vantagens, como clime, e as desvantagens, como a falta de tempo de preparação, de um Mundial desta altura do ano no Qatar.
Batedores erram 39 por cento dos chutes nas disputas de pênaltis na Copa, por Luís Curro, na Folha de São Paulo, faz as contas a todos os desempates por penaltis no Mundial de 2022 para concluir que quase quatro em dez são perdidos.
Soccer legends, Arab viewers and the man in the middle, por Tariq Panja, no The New York Times, conta a história de Lassaad Tounakti, o tunisino que faz de tradutor simultâneo nos dois canais da beIN Sports em árabe, traduzindo as palavras das estrelas convidadas.
“Si tienes jugadores, el contragolpe es inteligencia”, por Ladislao Moñino, no El País, é uma entrevista ao novo selecionador espanhol, Luís de la Fuente, onde ele marca de alguma forma uma rotura com o passado recente na roja.
A ver:
França-Marrocos, 19h, TVI e Sport TV
É mais importante ganhar uma Liga dos Campeões ou Mundial? O Mundial é um evento que acontece de quatro em quatro anos por isso tem mais simbolismo. Mas se um jogador de São Marino, também não é preciso ir muito longe. Haaland que joga pela Noruega, dúvido muito que a sua seleção será capaz de conquistar um Mundial, algo que a seleção Francesa e Mbappé podem fazer pela segunda vez consecutiva
O melhor do mundo: Maradona. Ponto final. Tratando-se de uma discussão interessante, mas irracional, porque tolhida pela emoção, a minha irracionalidade não aceita contestação. O melhor de sempre é Maradona. Duplo ponto final. Messi está a fazer o seu melhor Mundial. Acho que França é mais equipa, creio que vai ganhar a Marrocos, mas a Argentina pode muito bem levar o caneco. Alguém se lembra que perdeu com a Arábia Saudita e esteve em risco de ir à vida ao segundo jogo do mundial?
E agora, para outra coisa completamente diferente. São insuportáveis as entrevistas de jornalistas a jogadores em.que os profissionais de comunicação agradecem pelo brilhantismo da Estrela e que todo o país deve venerar. A última foi de uma jornalista de TV Argentina. Mas é transversal. Só não é jornalismo.