O medo cénico do Sporting
A receita que manda aliviar a pressão começa a perder gás. Esta é a altura em que alguém no Sporting tem de dar um murro no peito e assumir que estes são os meses em que se ganha ou perde. Sem medos.
A perda de quatro pontos em duas jornadas pelo Sporting e o riso nervoso de Rúben Amorim, após o empate com o FC Famalicão, quando o treinador leonino disse que “vamos ter um final de campeonato divertido”, são duas faces da mesma moeda, que ilustra a reabertura de uma Liga que parecia encerrada. Uma equipa invicta ao fim de 26 jornadas e líder do campeonato, ainda com seis pontos de avanço, dificilmente pode ser considerada em crise, mas é evidente que as razões para esta reaproximação dos três da frente são simultaneamente futebolísticas e mentais. Este é, por um lado, um Sporting que foi perdendo gás à medida que os adversários começaram a conseguir ler-lhe as ideias e a incapacidade para mexer com as suas nuances. E é, por outro, um grupo demasiado tenro para pôr a bota em cima do pescoço de adversários dominados, de forma a acabar com eles.
O tempo para o controlo já acabou há muito, o da dissuasão também está a esgotar-se. Este é o tempo do grito e do bater no peito para acabar com o “medo cénico”, o fenómeno que Jorge Valdano foi buscar a García Márquez a propósito do Real Madrid e dos jogos europeus no Santiago Bernabéu. Claramente, este Sporting tem medo de ganhar. A questão aqui é a de saber se é possível acabar com esse medo utilizando a terapêutica que trouxe a equipa até este ponto e se, não sendo, há legitimidade para abdicar a meio do caminho de uma receita que foi sendo sempre válida, mesmo que entretanto já tenha prescrito. Rúben Amorim e Hugo Viana saberão muito melhor do que eu e do que o leitor que grupo têm à disposição e como o liderar, pois para estas coisas não há uma receita universal, que funcione sempre. É tentador recordar a palmada na mesa dada por José Mourinho, em Fevereiro de 2003, depois de dizer que o seu FC Porto ia ganhar a Liga: “em condições normais, vamos ser campeões. E em condições anormais… vamos ser campeões”. Uma forma de liderar diferente da de Rúben Amorim, que ainda antes do jogo com o FC Famalicão aliviou um pouco mais a pressão em cima dos jogadores.
Quando Amorim diz que “o Sporting já ganhou o campeonato, pois projetou jogadores e vai estar bem no futuro” e que “só o treinador pode perder” não o faz para ser politicamente correto ou para satisfazer os teóricos da formação humana. Fá-lo porque está convencido de que esse retirar de pressão de cima do plantel é a melhor forma de chegar ao objetivo. Que, nesta altura da época, não pode ser projetar jogadores. O objetivo do Sporting, depois de entrar em Abril com dez pontos de avanço sobre o segundo classificado, só pode ser acabar em primeiro. Os meses de Abril e Maio são aqueles que separam as equipas jeitosas das grandes equipas e é a pensar neles que todas trabalham. Ora, para poder consagrar-se, este Sporting parece precisar de trocar o método. Em vez de aliviar um pouco mais o pipo da panela de pressão a cada semana que passa, terá de enfrentá-la de peito feito. E se, de facto, é pouco provável que possa ser o treinador a fazê-lo, porque trouxe a equipa até aqui com outro comportamento, alguém terá de o fazer. A questão é: quem?
Pode parecer injusto, depois de uma época em que tantas vezes salvou a equipa, estar agora a exigir a um jogador como Coates que a tire do canto escuro em que ela quer esconder-se. Mas é ele o capitão. E este murro no peito não pode ser dado pelos miúdos. Tem de ser dado por alguém com experiência, estatuto, e medalhas de campeão lá em casa. Ora esse é um dos problemas deste plantel do Sporting: para onde olham os meninos quando há dúvidas e lhes faz falta uma voz capaz de lhes dar a mão para lhes devolver a confiança? Coates foi três vezes campeão… do Uruguai, a última das quais em 2012. Adán foi uma vez campeão espanhol, no mesmo ano, como suplente de Casillas. Neto ganhou duas Ligas russas, Antunes imitou-o na Ucrânia. Os únicos que sabem o que é ser campeão de Portugal, além de Amorim, são Nuno Santos e João Pereira, o primeiro com pouquíssima utilização no Benfica de Rui Vitória, em 2016, o segundo como esperança na equipa de Giovanni Trapattoni, em 2005. Curiosamente ambos ganharam campeonatos que pareciam encaminhar-se para o Sporting, mas em que os leões fracassaram na reta final, quase que a confirmar a fatalidade desse desfecho. E isso também não os ajuda a serem essa voz da segurança.