O mais importante para Amorim
Rúben Amorim disse que o mais importante era "o campeonato". Mas estará ele pronto a subalternizar as outras provas? Não creio. Até porque o tiro pode sair-lhe pela culatra.
Rúben Amorim disse-o ontem, preto no branco: “o mais importante é o campeonato”. Mas podia (devia) tê-lo dito de outra forma: o jogo mais importante é o próximo. Essa ideia que as pessoas vão tendo das equipas de futebol, da gestão, de poupar jogadores hoje para os ter amanhã, na maior parte das vezes não passa de uma teoria engraçada mas difícil de sustentar por quem tem como missão liderar os grupos rumo às vitórias. A não ser que tenha pela frente um adversário muito mais fraco, de vários escalões abaixo, nenhum treinador monta uma equipa mais fraca para um jogo a pensar que pode ficar mais forte no seguinte. O jogo a seguir é isso mesmo – o jogo a seguir. Depois se pensa nele.
A questão é que há na frase dita por Amorim muito meta-texto que pode conduzir-nos a uma reflexão em torno das ambições da equipa do Sporting. Dito assim como foi – e Amorim não costuma comunicar mal – a ideia que fica é a de que o Sporting não está sequer preocupado com a Liga dos Campeões. E isso é mau, porque os jogadores não desligam o chip, não vão para o campo a pensar se o jogo é para deixar tudo em campo tudo ou não, consoante seja ou não do campeonato e, por isso, seja mais ou menos importante. A partir do momento em que se desvaloriza uma prova, aquilo que se está a desvalorizar é a capacidade da equipa para ser competitiva em qualquer outra. Se a ideia de Amorim era começar já a controlar danos de um potencial mau resultado europeu, o tiro pode bem sair-lhe pela culatra precisamente onde ele menos espera, que é no campeonato.
É claro que o racional financeiro pode servir para mostrar que o campeonato é mais crucial do que a Liga dos Campeões. E essa foi a reflexão feita pela maioria dos analistas que ouviram o que disse Amorim. Um bom campeonato, nas duas primeiras posições, garante a presença na próxima Liga dos Campeões – e 30 milhões de euros nos cofres. Uma extraordinária Liga dos Campeões – e para uma equipa do nível da do Sporting já seria excelente pensar em oitavos ou quartos-de-final – não dá tanto dinheiro. A questão é que o racional de uma equipa de futebol, de um balneário, não é esse. Esse é o racional do administrador financeiro da SAD. E creio que, mesmo sendo capaz de as equacionar, nem por um momento Amorim comunga dessas ideias ou crê na possibilidade de as transmitir para os jogadores. E, quando está na sala de imprensa, o treinador fala também para os jogadores. Ou para os adeptos, como ele bem sabe, porque usou esse plano de comunicação frequentemente na campanha vitoriosa da época passada.
Houve, no entanto, mais coisas ditas pelo treinador do Sporting que me levam a crer que não foi feliz na frase que hipervaloriza o campeonato face à Champions e que, se calhar, podendo retirá-la, fá-lo-ia. “Isso [desgaste] não me preocupa para terça-feira [deslocação a Dortmund], porque a motivação está em alta, mas sim para o FC Arouca. Só aí mudaremos, se existirem lesões ou sentirmos cansaço”, afirmou ainda Amorim. Então? Em que ficamos? Se o mais importante é o campeonato, faria sentido guardar os melhores para Arouca e desvalorizar a deslocação a Dortmund, fazendo aí a rotação? A frase inicial de Amorim faria crer que sim, mas a experiência certamente lhe dirá que não. Porque há muitas formas de fazer a rotação numa equipa e essa, a planeada, não é a mais aconselhável para quem tem um plantel tão curto como este Sporting.
Jorge Jesus, por exemplo, fez uma rotação planeada neste início de época, poupando muitas vezes jogadores que eram importantes em jogos de campeonato enquanto andou a jogar as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, porque era aí que queria tê-los. Lá está, o racional financeiro: assegurar a presença na fase de grupos era fundamental, não só para se cumprir o orçamento como para atapetar o caminho de Rui Costa até às eleições. Mas não só o Benfica tem um plantel bem mais extenso do que o Sporting como provavelmente Jesus já não fará o mesmo agora, atingido que está o objetivo mínimo a que se propôs. A este respeito, os clubes ingleses, por exemplo, já funcionam exatamente ao contrário: poupam alguns dos melhores jogadores na fase de grupos da Liga dos Campeões, porque dão como garantida a presença nos oitavos-de-final, dessa forma evitando escorregadelas comprometedoras na que julgam mais exigente Premier League.
Sucede que essa rotação planeada, seja em forma de carrossel – fazendo quatro ou cinco alterações em todos os jogos – ou de revolução drástica – entrada de um onze totalmente alternativo num desafio de nível de exigência menor – não é a mais comum hoje em dia no futebol. Aquilo que mais se vê é a rotação como resposta à incapacidade. Uma rotação reativa e não proativa. Isto é: não se poupa ninguém. Faz-se a cada jogo a melhor equipa tendo em conta as condições dos jogadores para aquele jogo em especial. Claro que é possível e até desejável meter aqui algum planeamento, mas nunca subalternizando competições, jogos ou jogadores. O Sporting de Amorim jogará sempre com os melhores em cada jogo, seja ele do campeonato ou da Champions. O resto é conversa.