O incómodo da renovação
A seleção deu mostras de crescimento, é certo que contra adversários frágeis, mas Fernando Santos mostrou-se incomodado quando lhe falaram em renovação.
A vitória por 5-0 que Portugal obteve ontem frente ao Luxemburgo veio confirmar que esta fase de qualificação para o Mundial serviu e servirá sobretudo para testar novas soluções, na sequência de uma fase final do Europeu que soube a pouco, pela incapacidade que a equipa mostrou para se reconverter e para se adaptar às exigências colocadas. E a resposta tem sido positiva, por muito que Fernando Santos queria convencer-nos que não mudou nada e até tenha ficado incomodado quando lhe falaram de evolução e renovação, na conferência de imprensa. Isso diz-nos duas coisas. Primeiro, que a equipa cresceu. Segundo, que Santos não está em paz com as opções do Verão.
“Quem é que está aqui que não esteve no 2020?”, retorquiu Santos. A questão, contudo, nem é essa. Muitos destes jogadores estavam lá, mas pouco contavam – e isso até atesta a favor do trabalho do selecionador, que os foi integrando, por mais que ele agora ache que lhe colocam a pergunta para reclamar do que a equipa (não) produziu no Verão. A verdade é que o onze ontem apresentado por Fernando Santos, que só não será o onze de gala porque o selecionador tem recorrentemente preferido Diogo Jota a André Silva, tinha vários jogadores que não eram titulares no Europeu. Cancelo falhou a prova por ter testado positivo à Covid19, mas além dele aparecem agora Nuno Mendes, João Palhinha, André Silva e até João Moutinho, que parecia ter perdido a influência de outros tempos e já se habituara ao banco, mas que agora a recuperou como solidificador do coletivo.
De Cancelo já se sabia que é um dos melhores laterais do Mundo, que seria sempre um incremento, mas Nuno Mendes tem dado à equipa – pelo menos nestes jogos contra adversários menos fortes – fulgor físico e capacidade ofensiva na esquerda, o mesmo sucedendo com Palhinha, um médio que alarga a sua ação defensiva muito para lá da cabeça de área, zona cuja fixação parecia justificar a opção de Santos por Danilo. É certo que falta testar isto tudo em jogos de maior exigência competitiva, mas as indicações dadas contra o Qatar e o Luxemburgo foram, nesse aspeto, boas. Como o foram as contribuições dadas pelo regressado João Mário e pelos estreantes Matheus Nunes e Rafael Leão, todos a mostrar que podem ser alternativas aos habituais titulares.
Mais complexa é a questão em torno de André Silva, porque deve ser separada em duas componentes: o que joga um e o outro do ponto de vista individual e o que as suas inclusões permitem ao resto da equipa no aspeto coletivo. Os últimos jogos permitiram perceber o que quer Santos na interação com Ronaldo, por exemplo. Quando a equipa não tem bola, é Cristiano Ronaldo quem fica projetado na frente, não só para não se desgastar em tarefas defensivas como também para aproveitar a velocidade e disparar rapidamente em direção à área adversária numa eventual transição ofensiva. Quando a equipa entra em ataque organizado, o outro avançado – ontem começou por ser André Silva e, depois, foi Leão – sai da esquerda, que lhe cabe defender, para ocupar a zona central. Essa é a forma de permitir que Ronaldo de lá se ausente em busca do jogo, não deixando a equipa sem uma referência que facilite a chegada dos médios em tabelas.
Só Santos poderá dizer se já era isso que queria quando ali jogava Diogo Jota ou se só pensou nisso agora, mas a verdade é que, por ser um jogador demasiado parecido com Ronaldo, por preferir sair da zona de finalização e aparecer lá de surpresa, Jota nunca foi capaz de cumprir essa missão coletiva da forma como a cumpriram André Silva ou Leão. Jota foi importante, fez golos – era até o melhor marcador de Portugal nesta qualificação antes do hat-trick de Ronaldo, ontem – mas não era taticamente aquilo de que a equipa precisava, sobretudo no aspeto ofensivo, que defensivamente cumpriu sempre.
A seleção nacional chega à dupla jornada de Novembro com um percurso praticamente sem erros, garantindo que marcará presença na fase final, no Qatar, desde que empate os jogos que lhe faltam ou que, mesmo que venha a perder na Irlanda, na penúltima jornada, vença a Sérvia no encerramento, em Lisboa. É fácil defender agora que o grupo era acessível ou que os adversários são todos fracos, mas só uma equipa na Europa tem um registo melhor do que o português – a Dinamarca, que venceu todos os jogos e até já festejou ontem o apuramento. Portugal também acabará por lá estar. E grande resposta que Fernando Santos vai ter de dar antes desta dupla jornada de Novembro é o que quer de Jota. Se quer que Jota seja um segundo Ronaldo, naturalmente sem a mesma qualidade e influência, ou se quer que ele seja aquilo que André Silva e Leão foram nestes dois jogos. É muito por aí que se definirá o futuro da equipa rumo ao Mundial de 2022. Por aí e pela capacidade que Fernando Satos tiver de se convencer de que estes novos jogadores já lhe dão mais do que os que o levaram às últimas fases finais.