O futuro do Vitória FC após o afogamento
A rejeição da providência cautelar equivale aos primeiros pirulitos a caminho de um afogamento que o TAD deve confirmar em breve. Mas há caminho em Setúbal.
Há uns 20 anos que o Vitória FC é um náufrago persistente. O clube vem mantendo a cabeça fora de água muito a custo, mas sempre com algo a puxá-lo para o fundo – e não é preciso estar muito informado para se perceber que são ainda os tentáculos da falência e posterior nacionalização do BPN e os negócios menos claros feitos no início do século envolvendo os direitos sobre os tão apetecíveis terrenos onde está o Estádio do Bonfim, mesmo no centro da cidade, e a potencial mudança do clube para o Vale da Rosa, nos arredores. Os sucessivos Planos Especiais de Revitalização (PER) não davam grande margem de manobra e um dia o Vitória FC acabaria inevitavelmente por ter de engolir os primeiros “pirulitos”. Entre tiradas que servem mais para apaziguar os adeptos mais empedernidos do que para expressar uma esperança real de ver o Vitória FC sair a nadar do remoinho, Paulo Gomes, presidente do clube, tem de olhar para o horizonte se quer evitar o afogamento de uma das maiores forças do desporto nacional.
A recusa, por parte do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), da providência cautelar que visava impedir os sorteios da Liga e o arranque da época com o Vitória FC no Campeonato de Portugal não quer dizer que, como diz Paulo Gomes, não venha a ser dada razão ao clube no processo principal. Mas é uma indicação fortíssima no sentido mais temido pelos dirigentes atuais, que assim perdem não apenas a receita que seria possibilitada pela presença na Liga – direitos de TV, acima de tudo – como ainda a capacidade para segurar os jogadores que são ativos da SAD e seriam potencialmente transferíveis, mas cujos salários custam dinheiro que não vai existir nos cofres com esta nova realidade. A questão não é só a de se saber se homens como Makaridze ou Artur Jorge (avaliados pelo Transfermarkt em 1,5 milhão de euros cada um) aceitarão continuar, quando o que está em causa é jogar o terceiro escalão nacional, ou se a SAD vai ter liquidez suficiente para lhes pagar nesta nova realidade. A questão é também a de ver se faz sentido manter o esforço orçamental e sobretudo a de balancear conversas tendentes às rescisões com a possibilidade de ainda rentabilizar estes homens no mercado: ainda recorrendo ao Transfermarkt, Éber Bessa, por exemplo, está avaliado em 700 mil euros, Hachadi em 625 mil, Jubal e André Sousa em 600 mil.
Para se jogar o Campeonato de Portugal com ideia na subida à II Liga, o que faz sentido agora é apostar nas equipas de sub23 que ficaram tranquilamente a meio da tabela das edições que se jogaram da Liga Revelação, a começar em jogadores como o setubalense Leonardo Chão ou os moçambicanos Neymar e Kamo-Kamo. E é pena que alguns dos talentos lá revelados já tenham ido com a água do banho, seja porque falharam a transição imediata para uma equipa principal um pouco esquizofrénica – a pressão de fugir à descida de divisão era demasiado grande e levou a inflexões sucessivas –, seja por se terem deixado enredar em guerras entre empresários e dirigentes. Ao mesmo tempo, há que evitar a perda total de ativos com os jogadores que poderão ser rentabilizados (e essa deve ser a primeira prioridade de Paulo Gomes), seja mantendo aqueles cujos salários não são assim tão elevados, seja emprestando os mais valiosos (o mercado não está para vendas), dando baixa dos custos e mantendo uma percentagem dos direitos económicos em eventuais futuras vendas.
Por fim – e talvez o mais importante seja mesmo isto – há que substituir as tiradas, talvez convictas, mas seguramente mais demagógicas e popularuchas do que práticas e viradas para o futuro por ações concretas, não só na colaboração com a Câmara Municipal como na criação de uma comissão destinada a apurar culpados na ruína do clube. Se a queda no Inferno dos escalões regionais de clubes como o Barreirense, a CUF ou o Amora FC – tudo o que havia na margem sul do Tejo e que já esteve na I Divisão desde o 25 de Abril – pode ser explicada com a erosão financeira que afetou a zona (e daí a responsabilidade do município, que não quererá ver a península de Setúbal cair no esquecimento desportivo), o presente afogamento do Vitória FC tem origem em negócios mal explicados e que o próprio clube deveria querer esmiuçar ao mais ínfimo detalhe. Quanto mais não seja para evitar que se repitam.