O futuro deste Sporting
A eliminação deixa dirigentes e treinador em maus lençóis. Resta-lhes serem coerentes. Se a ideia é construir com paciência, não podem deitar tudo a perder com tentativas de salvar a pele.
O Rio Ave e o Sporting falharam a qualificação para a fase de grupos da Liga Europa, com dose extra de crueldade e após mais de 20 penaltis no caso dos vila-condenses, com um estrondo que vai meter ainda mais sal nas feridas abertas em casa dos leões. As consequências, porém, serão muito diferentes nos dois campos. Em Vila do Conde, mesmo tendo empatado os seus últimos quatro jogos, toda a equipa de Mário Silva se sentirá hoje mais forte e vencedora: acaba de bater o pé ao poderoso Milan e só caiu depois de desperdiçar três match-points que lhe teriam dado a vitória da marca dos onze metros. Em Alvalade, nada nem ninguém melhorará a situação atual de Frederico Varandas, Hugo Viana e Rúben Amorim. Resta-lhes não agravarem a situação com palavras e atos desalinhados uns dos outros e entenderem que se a solução é ter paciência, ela é claramente contraditória caminhos anteriormente definidos (e ainda agora admitidos) e que isso tem de ter consequências.
Se a diferença de valor atual entre Rio Ave e Milan nem precisa de ser explicada, a que separa o Sporting do LASK ainda não entra em muitas cabeças. Ainda ontem, no Futebol de Verdade, tive a oportunidade de dizer que nem o Rio Ave nem o Sporting eram favoritos nesta eliminatória. Afinal, os leões defrontaram por três vezes esta equipa do LASK no último ano e em todas elas os austríacos foram superiores: ganharam uma, em Alvalade, há um ano, por 2-1, porque tiveram sorte, tendo perdido as outras duas com clareza (3-0 em Linz e 4-1 ontem). É verdade que as circunstâncias da partida de ontem também não foram as mais felizes e só vieram alimentar o “pathos” da tragédia. Tudo ajudou, desde o surto de Covid que prejudicou a preparação de uma equipa em formação a um par de más decisões do árbitro e até ao facto de, a 350 quilómetros, terem sido os dispensados Francisco Geraldes e Gelson Dala a fazer os dois golos que deixaram o Rio Ave a segundos de apear o Milan das provas da UEFA.
Ainda assim, enquanto não se ouve o que dizem Frederico Varandas e Rúben Amorim, não terá sido tranquilizador para os adeptos leoninos ouvir e ver as reações de Hugo Viana, diretor desportivo, e Emanuel Ferro, o treinador-adjunto que surgia na ficha de jogo como principal devido ao facto de este não possuir as devidas habilitações. Até porque elas se contradizem no seu âmago. Como, aliás, tudo parece contradizer-se no Sporting desde 5 de Abril de 2018, quando uma derrota por 2-0 no Wanda Metropolitano com o Atlético Madrid – não foi com um LASK, foi com o Atlético Madrid… – levou à criação de uma crise institucional da qual os leões ainda não recuperaram. E aqui não se trata de lembrar a famigerada “herança pesada”, até porque o que mais têm feito os diversos dirigentes leoninos desde então é dar tiros nos próprios pés. Ainda ontem, num discurso que pareceu alinhado, Emanuel Ferro e Hugo Viana lembraram, o primeiro na sala de imprensa e o segundo na zona mista, que esta é “uma equipa jovem e em construção” e que “ainda há outras competições”, mas se as palavras do diretor foram a versão 2020 do “não estou preocupado” de Frederico Varandas depois dos 0-5 com o Benfica na Supertaça de 2019, as do técnico-adjunto deixaram desde logo a porta aberta ao avolumar do problema.
Quando Ferro diz que “o Sporting está a trabalhar nisso [no mercado]” e que “há coisas que podem acontecer”, está sempre a ceder. E, das duas uma. Ou está a ceder ao exato contrário daquilo que os dois defenderam, que era que se desse tempo de evolução a estes miúdos, ou está a ceder aos interesses que mais não querem do que fazer circular o dinheiro, sempre à custa da estabilidade e da evolução dos plantéis. Porque se a ideia é sacrificar os melhores elementos que o treinador tem neste momento ao seu dispor – que são também os poucos a ter ainda algum valor de mercado – para ir buscar mais gente capaz de acalmar a frustração de adeptos sedentos de novidades e ao mesmo tempo servir a agenda de empresários que só querem fazer negócios, mesmo que eles envolvam jogadores que daqui por um ano irão engrossar a lista de dispensáveis, a equipa sai a perder. Se a ideia é reconhecer que a equipa não tem qualidade e, sem perder os elementos mais valiosos, reforçá-la, o que está em causa é todo o trabalho de mercado que tem vindo a ser feito nos últimos anos.
Nas últimas três épocas, já sem contar com os Jesés, os Bolasies ou os Fernandos que vieram por empréstimo, o Sporting contratou Nani, Marcelo, Luís Phellype, Renan, Ristovski, Viviano, Ilori, Borja, Doumbia, Diaby, Raphinha, Bruno Gaspar (todos em 2018/19), Neto, Eduardo, Camacho, Rosier, Sporar, Vietto (em 2019/20), Pedro Gonçalves, Feddal, Nuno Santos, Adán, André Paulo, Antunes e Tabata (todos esta época). São 25 jogadores. Um plantel. Dos 12 que chegaram há dois anos, Raphinha um foi vendido; Viviano escorraçado sem chegar a jogar; Marcelo já seguiu a vida dele; Nani acabou dispensado para baixar a folha salarial; Renan, Ristovski, Borja e Luís Phellype estão no plantel mas não jogam; Ilori, Doumbia, Diaby e Bruno Gaspar esperam colocação. Não foi esta direção que os trouxe? Certo. Mas então e os do ano passado? Que mais-valias trouxeram, tanto no plano desportivo como no financeiro? De Neto mais não se esperaria que fosse um jogador útil, mas Eduardo e Rosier já foram, Camacho está a caminho, Sporar já aquece o banco e Vietto nunca confirmou o que alguns esperavam dele. É por isso que se a ideia é deixar esta equipa crescer, o que tem de se fazer é explicar isso e agir em conformidade. Mesmo que isso implique o sacrifício pessoal dos dirigentes que não foram capazes de ter o impacto que sonharam.