O futuro de Fernando Santos
Fernando Santos vai continuar - e acho bem que assim seja. Mas o selecionador deve à nação uma reflexão profunda em torno do futebol da seleção em vez de nos bombardear com clichés.
A discussão pública do momento no que diz respeito à seleção nacional está relacionada com o futuro de Fernando Santos. A eliminação prematura no Europeu’2020 leva muita gente a questionar se o selecionador nacional deve continuar à frente da equipa até final do contrato, que expira em 2024 – e é normal que assim seja, uma vez que a equipa fracassou, por mais que se queira dourar a pílula ou falar de amanhãs que cantam. Mas é preciso ter em conta que esta é uma discussão inútil. Fernando Santos vai continuar. O que vale a pena debater – e se, com pena minha, não puder ser no espaço público, que seja pelo menos dentro dos gabinetes – é se ele está na disposição de reconverter o futebol da equipa e de a tornar um ambiente mais favorável à generalidade dos seus jogadores.
Vou dizê-lo desde já: acho que Fernando Santos deve continuar. Acredito na estabilidade como valor fundamental e esta direção federativa tem dado boas provas disso em todos os planos da sua atividade. Mas vou mais longe e digo que as palavras do selecionador nacional após a derrota com a Bélgica não me deixaram nada tranquilo. Bem pelo contrário. Aquela alusão à vitória no Euro’2016, seguida do fracasso no Mundial’2018 e, depois, à vitória na Liga das Nações’2019 seguida do fracasso no Euro’2020, para “anunciar” que lá teremos de ganhar o Mundial’2022 já não é do domínio da fé. É da fezada, que é uma coisa completamente diferente. Fernando Santos sugerir que vamos ganhar o Mundial de 2022 é tão válido como eu dizer que no ano que vem vou bater o recorde do Mundo dos 10 mil metros. Enquanto eu não explicar como é que tenciono fazê-lo, com que plano de treinos, de nutrição, com que estratégia de corrida, com quem a fazer de lebre e em que dia e condições, tudo o que eu diga serve zero.
Creio que as palavras de Fernando Santos se dirigiram sobretudo ao interior do balneário – que o selecionador revelou estar cheio de homens “a chorar” – e à massa adepta que está com a seleção em todas as circunstâncias e ainda se revê em frases que são universais do futebol, como o “vamos levantar a cabeça” que ainda ontem os franceses repetiram depois da eliminação frente à Suíça. Mas é bom que o selecionador nacional saiba – e creio que o sabe, porque não começou a treinar hoje – que são curtas enquanto plano de trabalho. Não me agrada a ideia de que alguém com as responsabilidades dele ache que pode bombardear os jornalistas com clichés e lugares comuns e guardar a discussão do que interessa apenas para os gabinetes, mas há que ter a noção de que isso não começou nem acabará com este selecionador nacional: é uma realidade cada vez mais frequente no futebol de mais alto nível em todo o lado, fruto da crescente importância do soundbyte no debate público, devido aos diretos constantes e às redes sociais.
Ainda assim, se acho que a continuidade de Fernando Santos faz sentido pelo menos até 2022, seja em nome da estabilidade, do reconhecimento de um trabalho válido a renovar o grupo da seleção ou da falta de verdadeiras alternativas no mercado, acho também mais duas coisas. Primeiro, que a eventualidade de um Mundial abaixo das expectativas – que com este grupo de jogadores têm de ser altas – deveria ser um ponto final na relação antes do final do contrato, poupando toda a gente à continuidade até 2024. E fundamentalmente que se há papel para a Direção Técnica Nacional, posição ocupada por José Couceiro no organograma da FPF, ele torna-se agora mais urgente do que nunca, no auxílio ao selecionador nacional a resolver as complicadas equações que tem pela frente no futuro imediato. Porque isto não se resolve a dizer que “há coisas para ganhar” ou a perguntar de forma até algo sobranceira “o que é isso da ideia de jogo?”, para de seguida dispensar o debate a afirmar que “a ideia de jogo é ganhar”. Essa é uma conversa que até pode ficar bem numa conversa de amigos, à mesa do café, enquanto se batem umas cartas, mas que fica demasiado curta para um tema desta responsabilidade.
No lugar do selecionador nacional ou do diretor técnico nacional, preocupar-me-ia bastante que vários jogadores não sejam capazes de expressar na seleção o talento que mostram no ambiente dos clubes. Recuso teses popularuchas construídas em torno da alegada propensão de Fernando Santos para um futebol mais defensivo ou para o conservadorismo. Mas quero uma explicação e um antídoto – ou pelo menos tentativas. Sem isso, francamente, mais vale nem pensarmos no tema e limitarmo-nos a empunhar o cachecol e a bandeira e a urrar por Portugal sempre que há jogo, à espera que alguém, os inteligentes, pense por nós.