O futebol não é o momento, não senhores
Amanhã há Tottenham-Manchester City, numa altura em que Mourinho celebra um ano à frente dos Spurs e Guardiola parte para mais dois com os Citizens. O futebol só é o momento para os jogadores.
Que melhor resposta pode dar-se a quem repete vezes sem conta que “futebol é o momento” do que sugerir-lhe que veja amanhã o Tottenham-Manchester City (17h30, Sport TV1), o enésimo confronto entre José Mourinho e Pep Guardiola, pouco mais de dez anos depois de os dois se terem defrontado pela primeira vez, naquela meia-final da Liga dos Campeões em que o Inter do português eliminou o Barça do catalão? E, já agora, que tempere o pré-jogo com as notícias da renovação do contrato de Guardiola pelo City até 2023 e a sugestão de mudança de alcunha auto-atribuída por Mourinho, de “Special One” para “Experienced One”. O futebol só é o momento quando quem manda cede à volatilidade, que também é uma das maiores inimigas do sucesso.
Há uma frase antiga do jovem Mourinho em que ele recusava envelhecer no posto, dizia que queria retirar-se cedo. Desapareceu. Ou pelo menos não a encontrei agora – só tenho dela a memória, somada a um furacão que arrasou o futebol português e depois o inglês no início do século. Tudo era diferente em Mourinho, dos métodos à gestão de recursos humanos, das declarações à escolha dos momentos em que era divertido e dos momentos em que era mais agressivo. A ideia de efemeridade associada ao jovem Mourinho, uma espécie de James Dean do treino de futebol – “Vive rápido, morre jovem e deixa um belo cadáver” – esbarra no que vemos hoje: um treinador grisalho, já com alguma barriguinha, própria dos seus 57 anos, que não perdeu a mordacidade, a capacidade para escandalizar, mas que ao mesmo tempo sabe valorizar a experiência. “Já não me sinto o ‘Special One’. Agora sou ‘The Experienced One’”, disse o português à TenCent Sports. “Tudo o que me acontece agora no futebol é um ‘deja vu’. Já aconteceu antes. Para treinar, precisas do cérebro, de uma acumulação de experiência e de conhecimento que só pode tornar-te melhor”, concretizou.
Ora, depois de ter chegado a Inglaterra, em 2004, para dar ao Chelsea o primeiro título de campeão em 50 anos, de ter sido despedido e voltado para ser campeão de novo, de ter andado pelo Inter Milão (campeão italiano e europeu), pelo Real Madrid (campeão espanhol) e pelo Manchester United (uma Liga Europa), Mourinho celebra hoje um ano como treinador do Tottenham. É pouco no tempo dos treinadores de sucesso, mas é uma eternidade para quem acredita na ditadura do momento. No regresso a Londres, fez sexto lugar na Premier League (Pochettino tinha sido quarto, um ano antes), caiu nos oitavos-de-final da Champions (o argentino fora finalista), mas já nem Mourinho acha que tem de levar tudo à frente de rompante. Até ele já acredita mais na persistência. E uma vitória no jogo de amanhã deixará os Spurs na frente do campeonato, pelo menos até ao Liverpool FC-Leicester City de domingo, e com oito pontos de avanço (ainda que com um jogo a mais) sobre o Manchester City. E nem esse facto, nem a perda de 17 pontos numa época (dos 98 de 2018/19 para os 81 de 2017/18) ou os constantes fracassos europeus (há três anos seguidos que fica nos quartos-de-final da Champions) impediram o Manchester City de oferecer a Pep Guardiola um novo contrato e a possibilidade de construir um segundo projeto.
Guardiola, que também já faz 50 anos em Janeiro, chegou a Manchester em 2016, depois de ser campeão espanhol e europeu no FC Barcelona e campeão alemão no Bayern. O seu impacto no jogo foi diferente do de Mourinho, a ponto de se terem tornado uma espécie de nemesis um do outro enquanto coincidiram em Espanha. Se Mourinho era espaventoso, Pep era ponderado. Se Mourinho era inconveniente, Pep era o tipo que se pode levar a tomar chá com as senhoras da alta sociedade. Se Mourinho começou a cultivar algum desleixo com a sua aparência, aparecendo nos jogos de fato de treino, Pep continuou a esmerar-se na criação de tendências de moda. Com os milhões do Abu Dhabi, Guardiola pôde construir uma equipa que já embolsou dois títulos na Premier League, mas que foi falhando internacionalmente. Sempre. Nos jogadores fundamentais da equipa campeã em 2017/18, a dos irrepetíveis 100 pontos, De Bruyne está a chegar aos 30 anos, Kyle Walker já lá chegou, Aguero tem 32, Fernandinho vai fazer 36, Otamendi, Sané e David Silva já foram embora. A ideia por trás de tornar Guardiola o treinador mais longevo na história do Manchester City do pós-guerra desde o escocês Les McDowall (que lá esteve de 1950 a 1963) é reconstruir a equipa em torno de miúdos como Rúben Dias e Ferran Torres. Talvez com Messi, se este acabar por aceitar deixar Barcelona e ainda tiver andamento para a Premier League e a Liga dos Campeões. É que, em condições normais, o futebol só é o momento para os jogadores, cujas capacidades físicas se vão desvanecendo. “A não ser que sejas o Zlatan”, brinca Mourinho.