O futebol e o momento
Os momentos, no futebol, são para ser vividos, sofridos e celebrados. Mas o futebol só é o momento, como costuma dizer-se, se quem decide for totalmente irracional. O futebol será sempre consistência.

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O Borussia Dortmund e Edin Terzic fizeram ontem mais para contrariar a narrativa do peso do momento nas decisões a tomar no futebol do que todos os comentários equilibrados que se possam produzir mas aos quais os que vivem o presente raramente ligam. “O Benfica tem de despedir Roger Schmidt, porque só ganhou a Supertaça”, dizem muitos dos que, há um ano, no rescaldo da conquista da Liga, não olhavam para o que o alemão (não) tinha feito numa carreira tão longa e achavam que ele estava lançado para comandar um dos grandes emblemas internacionais. “O Sporting tem de fazer tudo para segurar Rúben Amorim, que foi campeão incontestado”, juntam muitos dos que nessa altura queriam vê-lo fora à conta de um ano sem troféus e do quarto lugar dos leões na Liga, ignorando tudo o que ele fizera em quatro épocas de carreira como treinador. “Amorim tem de aproveitar para sair agora, que foi campeão, porque se para o ano não ganhar nada pode não ter essa hipótese”, acrescenta um terceiro grupo, que há-de ter ouvido aquilo em algum lado mas se esquece que, por exemplo, Arne Slot não quis ir para o Tottenham no verão passado, quando foi campeão neerlandês com o Feyenoord, e está agora a caminho do Liverpool FC, após uma temporada em que perdeu a Eredivisie para o PSV e caiu da Liga dos Campeões na fase de grupos e da Liga Europa logo à primeira eliminatória.
O que fizeram o Borussia e Terzic? Pois bem, contrariaram a emoção como fator primordial na tomada de decisão. Não negam a emoção. Nada disso! Se há adeptos que vivem o clube são os do Borussia Dortmund e da sua fantástica parede amarela. Terzic sofre com eles, como se viu na forma como, de mão no coração e olhos inchados de lágrimas, lhes pediu perdão depois de a sua equipa perder a Bundesliga com a inesperada derrota em casa com o FSV Mainz, na última jornada. Aí, toda a gente quereria o despedimento do treinador, mas ele ficou. Agora, que o Borussia se apurou para a final da Liga dos Campeões, a maioria já quererá erigir-lhe uma estátua e levará até a mal que se diga que a equipa de 2023 era bem melhor do que a de 2024. Mas essa é a realidade. Ainda que este Borussia tenha vestido como ninguém a pele de “underdog”, primeiro saindo na frente do “grupo da morte”, com Paris Saint-Germain, Milan e Newcastle United, depois eliminando o PSV Eindhoven, o Atlético Madrid e agora os campeões franceses. É verdade que o Borussia mostrou, neste dois jogos com o PSG, muitas coisas positivas. Qualidade a sair de trás na primeira mão, por exemplo. Solidez defensiva da sua linha de quatro na segunda, a somar a uma boa capacidade de lançar contra-ataques – e num deles Adeyemi devia ter feito golo antes do cabeceamento de Hummels que sentenciou a eliminatória. Mas a maior qualidade da equipa de Terzic foi sempre emocional. Foi a crença que lhe valeu chegar ao fim de 180 minutos contra o PSG sem sofrer um só golo, quando viu os adversários criarem um total de quatro golos esperados. E se essa é uma das capacidades a procurar num treinador, não estará no topo das métricas que os clubes grandes buscam ao recrutar.
Filho de um bósnio e de uma croata que emigraram para Menden, a uns 40 quilómetros de Dortmund, Terzic foi um jogador de nível mediano no futebol amador enquanto se licenciava em desporto. Entrou nos quadros do Borussia em 2010, como treinador-adjunto estagiário das camadas jovens, mas já era presença assídua na bancada. A foto que circula por aí, dele como adepto, de cachecol amarelo ao pescoço, durante a conquista da Bundesliga de 2012, explica-se tanto com o sentimento de pertença que ele tem ao clube como pelo facto de nessa altura já lá trabalhar: fazia parte da equipa de observadores de Jürgen Klopp. Mas não foi essa faceta emocional que lhe valeu o crescimento. No Europeu de 2012, Slaven Bilic, que à data era selecionador croata, pediu-lhe relatórios sobre os adversários, gostou daquilo que leu e levou-o com ele, como adjunto, primeiro para o Besiktas e depois para o West Ham. Aos 35 anos, depois de cinco épocas a auxiliar o croata, Terzic voltou a Dortmund, como adjunto de Lucien Favre, que substituiu a tempo de, como interino, ganhar a Taça da Alemanha de 2021. Ainda cedeu a vez a Marco Rose – o treinador eliminado pelo Sporting na Champions de 2021/22 – mas voltou para a perda da Bundesliga de 2023 e, agora, para esta caminhada inesperada na Liga dos Campeões de 2024. Iniciará a próxima época com a posição reforçada junto dos que olham sobretudo para o momento, mas a saber que precisa urgentemente de inverter essa tendência de decréscimo que a equipa conheceu em diversos indicadores.
O mais normal teria sido o Borussia Dortmund ter despedido Terzic no final da época passada. Não só não ganhou nada como perdeu escandalosamente uma corrida na qual o Bayern fez de tudo para se deixar atrasar, com a troca de Nagelsmann por Tuchel. O campeonato deste ano não lhe correu melhor. Bem pelo contrário. O Borussia Dortmund é quinto classificado e, ainda que tenha outra saída, se ganhar a final de Wembley, só tem a certeza de que vai estar na próxima Champions porque a boa temporada da generalidade dos clubes alemães na UEFA permitirá que cinco deles joguem a milionária de 2025. A equipa, no entanto, é globalmente pior do que era há um ano: cria menos golos esperados (de 2,09 para 1,89 por jogo), permite mais xG aos adversários (de 1,27 para 1,55 por jogo), reduziu os transportes (de 23 para 22,5 por 90 minutos) e os passes progressivos (de 47,9 para 42,6). No futebol não há sorte nem azar, mas entre a primeira e a segunda mão da meia-final o Paris Saint Germain acertou seis bolas nos postes da baliza de Kobel. Se já o facto de terem dividido a iniciativa na primeira mão, muito à conta da facilidade com que iludiam a primeira zona de pressão adversária, foi mais ou menos surpreendente, o de terem sobrevivido sem sequer se despentearem àquilo que se esperava fosse uma cavalgada mas acabou por ser uma passeata a ritmo diletantístico de Mbappé e companhia não pode deixar ninguém insensível. Aquela que parecia ser a mais sólida das tentativas do PSG chegar à orelhuda acabou por cair aos pés de uma equipa que tem no veterano Mats Hummels (de 35 anos) e em jogadores desprezados por outros grandes, como Marcel Sabitzer ou Jadon Sancho as suas maiores referências. No facto, há indiscutível mérito do treinador, mas há também um recado para quem continua a suportar que o futebol é o momento. A presença do Borussia Dortmund na final de Wembley começou na avaliação de uma época boa que acabou mal, o que sucederá em 2024/25 terá início no que se entender de uma época má que até pode acabar bem.
Sempre me irritou essa expressão do "futebol é o momento", da mesma forma que sempre achei absurda como se avalia uma equipa, um jogador ou um treinador, de acordo com a última exibição ou época que fez, alguns adeptos e parte dos média tem essa tendência. Schmidt está a ser a última vitima disso mesmo, com reações lamentáveis da parte de alguns adeptos do seu clube. Para muitos é preciso ganhar sempre e dominar tudo e todos.