O FC Porto e o relvado dos Barreiros
Esteve bem a Liga a interditar o relvado dos Barreiros após a segunda nota negativa. Estiveram mal todos os outros, de Carlos Pereira aos autores das habituais teorias da conspiração.
As teorias da conspiração valem o que valem, sobretudo para quem acha sempre que tem o Mundo todo contra, mas no caso da interdição do Estádio dos Barreiros na sequência da segunda nota negativa dada ao relvado, no empate entre Marítimo e FC Porto, a Liga mais não fez do que aplicar os regulamentos – e entre muitas outras competências é para isso que lá está. Carlos Pereira, presidente do Marítimo, não gostou e desatou a acusar o treinador do FC Porto de ter “mau perder”. O FC Porto não gostou e queixou-se do “ataque à dignidade humana e profissional” de Sérgio Conceição. Os criadores de narrativas de serviço também não gostaram e queixaram-se de, agora, os outros grandes poderem ir ao Funchal jogar num melhor relvado. Mas a Liga, repito, fez o que tinha de fazer, aquilo para que foi mandatada pelos clubes.
Que o relvado dos Barreiros estava lastimável não restam dúvidas. Aliás, foi a segunda vez que assim esteve neste campeonato, depois de se ter apresentado ligeiramente melhor – mas também a justificar nota negativa – na primeira jornada, na receção ao SC Braga, resolvida na segunda parte pelos minhotos com dois golos em bolas paradas. Na altura não se fez o mesmo barulho por duas razões. A primeira é que era o SC Braga – e aqui aplica-se a parte má de não se ser tão grande a ponto de justificar a atenção obsessiva dos media. A segunda é que, apesar de tudo, o SC Braga ganhou. Seja como for, as menções ao estado do relvado nos jornais do dia seguinte foram – adivinharam… – zero. Sucede que a nota foi negativa, que a Liga não tem de dar notas de acordo com os títulos dos jornais. E, como voltou a sê-lo agora, aplica-se a medida de interdição automática que foi decretada pelos clubes no regulamento. E é aqui que entram as indignações.
O presidente do Marítimo, que há dois anos até já viu um seu treinador (no caso José Gomes) queixar-se da “vergonha” que era aquele relvado, não quis perceber aquilo que se passou e centrou a atenção nas queixas de Sérgio Conceição. Mas Carlos Pereira devia esquecer este jogo – e o primeiro, contra o SC Braga –, olhar antes para a frente e pensar que se voltou a virar a agulha no perfil do treinador que escolheu, agora tem de lhe dar um relvado que lhe permita praticar o tipo de futebol que ele define. Conceição queixou-se e tem mau perder? É verdade. Mas isso para o Marítimo devia ser absolutamente irrelevante. Que Carlos Pereira não concorda é uma evidência, muito anterior até a esta declaração de testosterona, e está bem à vista na inversão total de filosofia de jogo que ele subscreve a cada escolha que faz de treinador. Não há ideias superiores a outras, uma equipa de bases ofensivas não me merece mais respeito do que uma de suporte defensivo ou vice-versa. Mas se um clube escolhe um treinador que defende um jogo mais apoiado e seguro, o mínimo que pode fazer é esforçar-se para lhe dar um relvado que lhe permita colocar esse jogo em prática. É que depois de jogar com o SC Braga e o FC Porto, o Marítimo só volta a receber um dos grandes lá para o final de Fevereiro, na 24ª jornada – e até lá caber-lhe-ão as despesas do jogo na maior parte dos desafios.
Já o FC Porto ter-se-á limitado, oficialmente, a defender “a honra” do seu treinador. Nada contra. Até porque o “mau perder” de Sérgio Conceição é tão evidente como irrelevante para o caso em discussão e não precisou nem do dedo em riste em direção de Luís Gonçalves, no jogo de Famalicão, nem da memória de Carlos Pereira de um episódio ocorrido em 2015, num Marítimo-SC Braga, para ser comprovado. Já as narrativas entretanto criadas em círculos portistas a propósito do caso do relvado só servem para descredibilizar o futebol e, já agora, os regulamentos que os próprios clubes criaram e aprovaram. Queixam-se de que, tal como na época passada, quando o Jamor foi interditado depois de os dragões lá terem perdido dois pontos com a Belenenses SAD, o mesmo sucedeu agora com os Barreiros, onde os outros grandes poderão no futuro beneficiar de um relvado melhor. Só que se, por um lado, não se percebe quem querem os autores desta narrativa acusar – só me ocorre que seja o sorteio, que colocou o FC Porto na condição de segunda equipa a jogar no Funchal… –, por outro, esta ideia é a negação daquilo que o futebol deve ser.
Quando a Liga cria um regulamento que leva à interdição de um estádio na sequência de duas notas negativas ao relvado, está a assumir uma medida ao mesmo tempo punitiva e preventiva. O que se quer é mesmo isso: impedir que a má qualidade do relvado se perpetue e se reflita em má qualidade do futebol. A verdade é que, tal como em qualquer infração, não é possível punir antes do crime. Ninguém vai preso por se achar que vai assassinar outrem. Mas também não é são defender que, já que um tipo matou a mulher, não é justo prendê-lo antes de ele matar os filhos e os cunhados também.