O FC Porto e a crise da classe média
Portugal continua a ser a nação mais forte do futebol europeu de clubes sem contar com as Big Five, mas a crise da classe média europeia começa a afetar as nossas equipas na UEFA.
Quando, mais daqui a bocado, ficar a conhecer o adversário que lhe tocará nos quartos-de-final da Liga dos Campeões, o FC Porto estará a celebrar uma década sobre a arrancada para a vitória na Liga Europa de 2011, a última vez que uma equipa vinda de fora de uma das cinco grandes Ligas venceu uma competição europeia. Cumpre a efeméride sendo o único clube português nos sorteios de Março, ocasião cuja análise nos permite ver o que mudou em dez anos no futebol continental. E que foi fundamentalmente o enorme crescimento das equipas de segunda linha nas grandes nações, muito à custa das presenças episódicas que lhes vão sendo franqueadas na Liga dos Campeões, mas sobretudo graças ao aumento exponencial das receitas nas suas Ligas internas. Há dez anos, Portugal tinha três equipas em 16 nestes sorteios, tantas como os ingleses e os espanhóis. Hoje olhamos para Inglaterra numa desproporção de um para cinco – que só não é mais desequilibrada porque o Tottenham de José Mourinho caiu ontem com surpresa em Zagreb.
Esta análise de mais longo prazo permite encontrar uma espécie de passagem de testemunho de Espanha a Inglaterra como país dominante no futebol europeu de clubes. Este ano há cinco equipas inglesas – três na Liga dos Campeões e duas na Liga Europa – nas 16 quarto-finalistas, um contingente onde a Espanha aparece com três. É verdade que há um ano (foi um ano especial e estranho) ninguém superou as três presenças de Inglaterra, Espanha e Alemanha, mas já há dois anos os ingleses tinham sido maioritários, com um recorde de seis emblemas representados, contra os mesmos três dos espanhóis. De 2018 para trás, tivemos sete épocas seguidas de supremacia espanhola: quatro equipas em 2018, outras quatro em 2017, seis em 2016, quatro em 2015 (o último ano em que Inglaterra não teve ninguém nos quartos-de-final das duas provas europeias), cinco em 2014, três em 2013 (todas na Champions, contra três inglesas na Liga Europa) e cinco em 2012. A transição de poder é evidente e é a razão principal para que seja de Espanha que chegam mais pressões para o lançamento da Superliga Europeia e que sejam os ingleses e a sua Premier League quem mais resiste à novidade: para eles está muito bem assim.
Esta devia ser também a razão para que clubes de nações de segundo plano – classe média-alta, como Portugal – fossem os principais entusiastas de uma Superliga regulada e de acesso, digamos assim, democratizado. É que a mesma análise mostra que cada vez há menos gente vinda das cinco grandes Ligas a chegar a esta fase das provas europeias, fruto do crescimento das equipas de segunda linha nas grandes nações. Já ontem, no Futebol de Verdade, vos tinha falado da proeza que é para uma Liga que não as Big Five ter uma equipa nas oito melhores da Champions – na última década aconteceu três vezes ao FC Porto, duas ao Benfica, uma a Ajax, Galatasaray, APOEL e Shakthar. Nove equipas em 80. Preocupante? Sim, ainda que se tenha convencionado que a ação das equipas destas nações de classe média iria concentrar-se sobretudo na Liga Europa, uma espécie de segunda divisão europeia. E o problema é que mesmo aí as Big Five vão começando a mandar de uma forma que devia preocupar quem tem a missão de pensar o futebol continental e não se deixa inebriar por epifenómenos como este simulacro de renascimento a Leste que representa a qualificação do Dynamo Zagreb e do Slavia Praga.
Este ano temos nove países nos quartos-de-final das duas provas europeias, com quatro equipas vindas de fora das Big Five: o FC Porto na Champions, Ajax, Sparta Praga e Dynamo Zagreb na Liga Europa. No ano passado tivemos oito países representados e apenas três equipas de fora das Big Five: o FC Copenhaga, o FC Basileia e o Shakthar Donetsk, todos na Liga Europa. Há dois anos, além de FC Porto e Ajax na Champions, havia Benfica e Slavia Praga na Liga Europa. E esta crise das nações de segunda linha, que já tinha ficado bem expressa na incapacidade para colocarem uma única equipa nos quartos-de-final da Liga dos Campeões de 2018 e 2017, nota-se mais ainda se virmos o total de clubes que meteram nos últimos oito da Liga Europa: Sporting, CSKA Moscovo e Salzburgo em 2018; Anderlecht, Genk, Ajax e Besiktas em 2017. Em 2016 foram também quatro os “penetras”: Benfica na Champions, SC Braga, Shakthar e Sparta Praga na Liga Europa. Mas à medida que vamos andando mais para trás vamos encontrando outro Mundo: cinco convidados inesperados em 2015, quatro em 2014, cinco em 2013, cinco em 2012 e oito em 2011, o tal ano em que além do Shakthar na Liga dos Campeões, a UEFA teve sete equipas de fora das Big Five nos quartos-de-final da Liga Europa. A única exceção era o Villarreal CF, de Espanha, que foi eliminado pelo FC Porto na meia-final.
Os portugueses até podem ficar felizes por serem neste momento, com clareza, a quinta nação do futebol europeu de clubes, responsável por mais de metade das presenças de fora das Big Five nos últimos dez quartos-de-final da Champions. Nesta década, Portugal soma cinco presenças nesta fase da Liga dos Campeões, o que ainda assim equivale a metade de França, que tem dez – e sim, seis são do Paris Saint-Germain injetado com dinheiro do Qatar e duas do Mónaco de capital russo, mas isso para o caso importa pouco. Mas para onde os portugueses deviam olhar era para o facto de, pelo segundo ano consecutivo, não terem uma única equipa nas oito melhores da Liga Europa. Há dez anos estavam lá três. Na primeira metade desta última década por lá passaram sete equipas portuguesas, contra apenas três nos cinco anos que se seguiram.