O FC Porto, a base e o transporte próprio
O percurso do FC Porto na Champions é um grito a exigir que se alarguem horizontes ao futebol nacional. A base de partida já a temos. Falta-nos o transporte próprio motorizado.
O FC Porto caiu, como era mais ou menos esperado, da Liga dos Campeões, mas caiu com a pequena satisfação de, pelo menos, ter ganho um dos jogos ao Chelsea, coisa que o Atlético Madrid, por exemplo, não conseguiu fazer. No final, Sérgio Conceição pode até ter sido injusto na forma como avaliou a prestação das duas equipas, porque me pareceu que o Chelsea teve sempre – mesmo na primeira mão… – a eliminatória controlada, mas teve mil por cento de razão quando disse que “é preciso que toda a gente em Portugal meta a mão na consciência e faça um pouco mais”. É possível até que discordemos relativamente ao pouco mais que é necessário fazer, mas estaremos sempre no mesmo lado da barricada quando se tratar de alargar horizontes ao futebol nacional. Mesmo sendo este FC Porto uma equipa mais limitada que a do Chelsea, por exemplo, o que os dragões fizeram nestes quartos-de-final será sempre uma excelente base de partida, à qual, no entanto, é preciso acrescentar meios capazes de permitir aos nossos clubes atingir outro patamar.
Quais são os limites do FC Porto e em que é que eles são um problema do futebol português? Todos concordaremos que o FC Porto tem alguns jogadores limitados, posições que poderia melhorar, mesmo no onze inicial. E isso é dinheiro. Depois, todos concordaremos que o FC Porto tem alguma falta de profundidade no plantel, sobretudo se comparado com os grandes europeus, os quatro que vão estar nas meias-finais da Liga dos Campeões. E isso também é dinheiro. No que já discordaremos – porque nunca me convencerão de que esse é o caminho – é nas teorias que defendem a proteção interna às nossas melhores equipas, para que elas possam brilhar lá fora, por mais exemplos holandeses que me apontem, porque nem Portugal é a Holanda nem as nossas melhores equipas estão tão sobrecarregadas, se as compararmos com as melhores. O FC Porto fez ontem o 45º jogo de uma época que encerrará com 53. O Chelsea fez o 47º e fechará a temporada pelo menos com 57 – talvez 59, dependendo das meias-finais da Taça de Inglaterra e da Champions. O Paris Saint-Germain, que ontem passou também às meias-finais da Liga dos Campeões, tem 46, chegará pelo menos aos 55 e talvez atinja os 58. A sobrecarga do FC Porto – ou de qualquer equipa portuguesa que esteja nestas condições – deve ser combatida aumentando a profundidade dos plantéis e diminuindo as diferenças entre primeiras e segundas escolhas.
No fundo, é disso que se fala quando se fala de “detalhes” que decidem eliminatórias a este nível. É que, apesar de ter mais dois jogos como equipa, o Chelsea entrou no desafio de ontem com apenas três jogadores acima dos três mil minutos de campo esta época. Desses, só dois jogaram: Mount e o guarda-redes Mendy, sendo o terceiro o avançado Werner, que ontem caiu das escolhas de Tuchel. Mesmo com menos dois jogos como coletivo, o FC Porto tinha seis jogadores já acima dos três mil minutos, todos no onze inicial (Corona, Manafá, Mebmba, Sérgio Oliveira, Uribe e Marchesín), mais um que lá chegou na partida de Sevilha (Marega). O problema não está, portanto, no total de jogos que as equipas fazem, mas sim na capacidade que elas têm para enfrentar alguns desses jogos sem as primeiras escolhas, mantendo o maior número possível de jogadores num nível otimizado, rodados e prontos a contribuir mas longe da possibilidade de burn-out. E isso, mais uma vez, também é dinheiro. As melhores equipas portuguesas no contexto europeu estão um pouco como o funcionário que, por se atrasar constantemente nos transportes públicos a caminho do trabalho, acha que o problema se resolve mudando de emprego, para uma empresa que fique ao lado de casa, quando a melhor solução é mesmo comprar um carro.
A pergunta que se impõe, portanto, é como arranjar dinheiro às equipas portuguesas para que possam comprar um carro e deixar de chegar de metro a estes grandes compromissos aos quais só os funcionários de cinco famílias chegam de transporte próprio. Por isso mesmo, nas últimas 20 edições da Liga dos Campeões, de 2002 a 2021, só sete países estiveram até Maio, nas meias-finais, como queria Conceição. E, dos sete, dois (Portugal e os Países Baixos) só lá colocaram três equipas: o FC Porto em 2004, o PSV em 2005 e o Ajax em 2019. Nos dez primeiros anos de Liga dos Campeões, de 1992 a 2001, correspondentes ao início do futebol-indústria propriamente dito, a fase das meias-finais foi atingida por 13 países (Nota: nos dois primeiros anos incluí os dois primeiros de cada um dos grupos que conduziam à final), com dez equipas vindas de fora das cinco grandes Ligas: o Estrela Vermelha e o Sparta Praga em 1992, o Glasgow Rangers e o IFK Gotemburgo em 1993, o FC Porto em 1994, o Ajax em 1995, 1996 e 1997, o Panathinaikos em 1996 e o Dynamo Kiev em 1999. Passamos de 25 por cento de representatividade (dez equipas em 40 vagas) para apenas 3,75 por cento (três equipas em 80 vagas). E isso também é dinheiro. Porque por mais paragens que retiremos ao percurso do metro, a estes compromissos só se chega de transporte próprio e motorizado, que isso de confiar nas bicicletas também não é para todos.