O favoritismo da França
Não me lembro de uma competição internacional com um favorito tão claro como o é a França no Euro'2020. Mas já está ganho? Claro que não. Há sempre a hipótese de aparecer um Éder atrás de uma esquina.
Didier Deschamps não gostou das observações de José Mourinho acerca do favoritismo da França no Europeu que aí vem e fez até uma comparação com o Tottenham que, se não fosse retórica, seria apenas idiota, mas a verdade é que por uma vez o treinador português não foi sequer polémico. Conforme mostrou o recente Espanha-Portugal, a França está um passo largo à frente de toda gente que pode aspirar a ganhar este estranho Europeu itinerante que a UEFA vai organizar. Isto não quer dizer que os franceses já possam contar com a taça que lhes escapou há cinco anos ou que mais ninguém possa aspirar a repetir o feito que o golo de Éder permitiu a Portugal alcançar então em Paris. Mas também a mim me parece que neste Europeu há a França favorita e depois há um lote de equipas aspirantes, entre as quais se incluem Espanha, Bélgica, Itália, Alemanha, Inglaterra e, talvez, se Fernando Santos conseguir soltar o talento, Portugal.
O favoritismo da França começa no trio de ataque: Griezmann é criação e diferença, Mbappé é velocidade e vertigem, Benzema é golo e ligação coletiva. Só não estiveram os três na lista de marcadores do último particular frente a Gales porque o atacante do Real Madrid falhou um penalti, ainda com o resultado a zeros. Depois Mbappé e Griezmann fizeram dois golos e foi Dembelé a fechar a contagem nos 3-0. No ataque ainda haverá Giroud – e o papel mais secundário que este terá de suportar face ao regresso de Benzema pode set um grão de areia na engrenagem – e Coman ou Ben Yedder, já para não falar no possante Thuram. A questão é que o favoritismo da França continua depois um pouco mais atrás – ou talvez até devesse começar por aí… –, em Kanté, o rei do campo nos últimos três jogos da Liga dos Campeões. O médio do Chelsea foi de tal forma imperial na ponta final da maior competição de clubes do Mundo que não se adivinha outro cenário que não seja o da sua influência tentacular no meio-campo da seleção, provavelmente remetendo a passada larga de Pogba e Rabiot para um papel secundário.
Pode até argumentar-se que a França não está extraordinariamente bem servida atrás. Que Kimpembe não é um defesa-central do nível dos que pode apresentar, por exemplo, a equipa de Portugal. Que o próprio Varane não é um dos melhores dez centrais europeus ou que Lloris nunca cumpriu aquilo que alguns jogos o levaram a prometer, mas ainda assim não se vê no panorama europeu quem seja capaz de igualar o potencial francês. À Espanha falta golo, como se viu no jogo com Portugal – são sempre demasiadas voltas até a bola entrar em zona de finalização, altura em que a equipa resolve voltar ao carrossel em vez de acabar o desenho. A Portugal falta jogo ou vontade de o fazer, que a solidez parece assegurada mas para ir até ao fim numa prova como esta costuma ser preciso um pouco mais de ambição. E não, não é uma questão de colocar mais atacantes em campo – é sobretudo deixar de tolher aqueles que se tem e encontrar uma organização ofensiva que sirva os propósitos coletivos. Para a Alemanha pode ainda ser cedo, que a equipa parece estar entre-tarefas e será certamente melhor quando Flick assumir o controlo e as gerações campeões europeias de sub21 em 2017 e 2021 ganharem espaço. Para a Bélgica pode já ser tarde, que Hazard já se assemelha mais a um ex-jogador, Vertonghen e Alderweireld já passaram os melhores anos e Lukaku e De Bruyne sozinhos não chegam para tudo.
Tomem atenção à Itália, que vai com 27 jogos seguidos sem uma derrota – desde que perdeu (1-0) com Portugal, na Luz em Novembro de 2018, com golo de um tal André Silva que talvez desse jeito à equipa nacional agora – e, sem grandes vedetas, junta um onze interessante. Na frente, há a criatividade de Insigne, a rotatividade de Berardi, a finalização de Immobile. Mais atrás, há o trabalho invisível de Jorginho, a abrangência de Barella e dois bons laterais em Florenzi e Spinazzola. Faltam opções no centro da defesa, é certo, mas de mansinho esta Itália pode surpreender muito boa gente. E o mesmo não pode dizer-se da Inglaterra, que nestas provas tem sempre o mesmo problema: soberba. Os ingleses acham sempre que vão ganhar a qualquer adversário e é aí que começam a perder. Têm talento, mas falta-lhes continuidade. É por isso que acho que Mourinho teve toda a razão em considerar que se a França, a atual campeã mundial, não ganhar este Europeu, a prova terá de ser considerada “um fracasso” para a equipa de Deschamps.
Nos últimos anos, não me recordo de uma competição com um favorito tão claro como o é agora a França neste Europeu. Isso que dizer que está ganho? Não, claro que não. Porque para cada favorito pode sempre haver um Éder à espreita atrás de uma esquina.