O fator Alberto João
O Marítimo tem hoje as primeiras eleições com dois candidatos em 40 anos. Fontes e Pereira multiplicam acusações ao outro, mas nenhum fala do que interessa: o fator Alberto João.
Rui Fontes e Carlos Pereira discutem hoje, em eleições, quem será o presidente do Marítimo no próximo quadriénio. E se a ideia de o clube ter dois candidatos pela primeira vez desde que, em plena era de fervor democrático e eleitoral que se alargava a todo o país, Honório de Sousa foi eleito, em 1981, ainda o Marítimo andava num sobe e desce constante, o facto de as eleições colocarem frente a frente os dois homens que o lideraram nos últimos 33 anos não deixa de ser sintomático da incapacidade de renovação de um emblema que, no entanto, tem tudo para prosperar. Fontes acusa Pereira de falta de rumo estratégico, de desaproveitar as condições que a realidade lhe tem dado, Pereira retribui acusando Fontes de populismo e de só ter acordado agora. O mais provável é que seja tudo verdade, mas a questão é que nenhum dos dois parece à vontade para superar a verdadeira questão: o fator Alberto João.
O Marítimo é, hoje, o clube mais estável na I Divisão a seguir a Benfica, FC Porto, Sporting e SC Braga. Os leões da Almirante Reis chegaram ao escalão principal em 1985, oito anos depois da primeira subida, e não mais desceram. Parece uma conquista impressionante, sobretudo quando se tem em conta o passado: como não havia forma de custear constantes viagens de e para o continente, só no início da década de 70 é que os clubes insulares foram autorizados nas competições nacionais. O Marítimo subiu pela primeira vez à I Divisão em 1977, ainda andou ali periclitante durante quase dez anos, mas depois disso aproveitou da melhor forma a aposta firme do Governo Regional, onde o caciquismo de Alberto João Jardim via no futebol uma boa forma de se alimentar. Os distribuição de fundos regionais permitiu que a Madeira chegasse a ter três equipas na I Divisão ao mesmo tempo – em 1989/90, 1990/91 e, mais recentemente, em 2015/16 – e que Marítimo e Nacional chegassem mesmo a representar Portugal nas competições da UEFA.
Nos 36 anos ininterruptos em que jogou na I Divisão, o Marítimo obteve seis quintos lugares, dois na fase da estabilização, ainda com Rui Fontes, que foi presidente de 1988 a 1997, e os restantes na fase da expansão, com Carlos Pereira, que lhe sucedeu nesse ano e se manteve no cargo até agora. O clube chegou ainda a duas finais da Taça de Portugal, a primeira perdida com o Sporting, em 1995, ainda no período de vigência de Fontes, a segunda deixada fugir para o FC Porto, em 2001, já com Pereira aos comandos. Parece uma história de sucesso, mas a ela deve ser somada a componente do apoio do Governo Regional. O fim do “reinado” de Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira entre 1978 e 2015, originou novas dificuldades. O União foi declarado insolvente apenas três anos depois de ter estado pela última vez na I Liga. O Nacional é o exemplo mais perfeito de clube-elevador que existe em Portugal neste momento: depois de 15 anos seguidos na I Liga e de ter chegado também às provas da UEFA, alterna subidas com descidas anuais desde 2017. E o Marítimo acumulou três anos seguidos abaixo da 10ª posição pela primeira vez desde o triénio entre 1989 e 1991: foi 11º em 2019 e 2020 e 15º na época passada, escapando à “liguilha” que acabou por vitimar o Rio Ave por apenas um ponto.
Carlos Pereira suporta-se na obra feita, no novo estádio dos Barreiros – que tirando o relvado parece estar mesmo preparado para o futuro –, mas é impossível não reparar na navegação à vista que tem vindo a protagonizar, sempre fruto dos humores do momento, que se reflete, por exemplo, na inconsistência do perfil dos treinadores que escolhe a cada vez que muda ou nas carradas de jogadores estrangeiros que tem trazido para a equipa B, não aproveitando a esmagadora maioria e não retirando os dividendos esperados daqueles em que acerta. Rui Fontes contesta a liderança de Pereira agitando slogans e fazendo insinuações que não tem hipótese de concretizar, como as suspeitas relativas à gestão do clube e da SAD que o levam a pedir uma auditoria, mas já responde mal quando lhe perguntam onde andou nestes 24 anos, desde que deixou pacificamente a presidência ao seu opositor de hoje – ainda por cima um sucessor que acolheu e que agora diz que teve de despedir quando era vice-presidente, devido a incompetência. A verdade é que a gestão de um clube de futebol tem hoje pouco a ver com o que era no século passado. E a do Marítimo, menos ainda – porque deixou de ter o fator Alberto João.
O Marítimo vai a eleições e é excelente que tenha dois candidatos, mais quando se vê que na última vez em que isso aconteceu ainda nem Pinto da Costa, o campeão da longevidade, era presidente do FC Porto. Mas a conclusão de quem vê a coisa de fora é mesmo a de que os dois candidatos estão cobertos de razão nas acusações que fizeram um ao outro durante a campanha eleitoral. É tudo verdade. O clube precisa de novas ideias e não as vai encontrar a olhar para trás.