O enterro do 4x3x3 em que Ronaldo faz tudo
Ainda é cedo para pensar o futuro sem Ronaldo. Mas já é tarde para se encontrar maneira de encaixar todos numa forma de jogar que sirva a esta nova geração.
A derrota com a França significa que, quando se discutir a Liga das Nações de 2021, Portugal estará pela primeira vez fora de uma fase final de uma grande competição desde 1998. Não estarão também a Inglaterra, eliminada ontem, ou a Suíça, que disputou a primeira edição, mas ainda lutam por lá chegar Espanha, Alemanha, Bélgica ou Itália, que faltaram em 2019, bem como a Holanda, que pode ainda ser a única repetente. O desdramatizar desta ausência, normal numa competição que apura apenas quatro finalistas entre a elite do continente, não significa, no entanto, que se tenha feito tudo bem. O jogo com a França, aliás, pode servir a Fernando Santos para começar já amanhã, em Split, contra a Croácia, a mudar o que está mal. Como, por exemplo, este 4x3x3 em que Ronaldo tem de ser tudo, capitão, goleador, extremo e criador.
Nada daquilo em que estou a pensar quando falo no “que está mal” tem a ver com “falta de ambição” ou com o rótulo de “jogar à defesa” que muitos colocam no selecionador nacional. Isso são tretas. Contra a França, Portugal não perdeu por falta de avançados – basta ver que a bola poucas vezes chegava aos que por lá tinha. Terá, quanto muito, perdido por falta de médios, o que forçou Ronaldo a comportar-se como um em muitas situações. Só quem está lá dentro saberá por que razão o capitão português fugiu com tanta frequência da zona de definição, se foi porque tinha ordens para isso, se foi por perceber que era mais atrás que o jogo estava a fugir-nos ou se foi por falta de confiança nos companheiros que por lá estavam. A verdade é que, neste jogo, as contingências da partida o levaram a querer fazer tudo, desde a criação de desequilíbrios nas alas à ligação de jogo com o meio-campo e, pasme-se, até à marcação de lançamentos de linha lateral. E é chegada a altura de entendermos que esta equipa precisa de um Ronaldo concentrado naquilo que ele faz melhor, que são os golos, em vez de o ter disperso por tudo aquilo que há a fazer antes do momento da finalização. E como admito que, com a equipa a perder e sem a bola lá chegar, não deva ser fácil dizer a Ronaldo que é na área que ele faz falta, a ideia é criar condições para que ele se sinta confortável na tarefa de dar o toque final. Como? Assegurando o controlo dos jogos com a bola, que foi o que Portugal não teve no sábado.
Deixando de parte as divisões em torno de João Félix, que são de um foro não futebolístico, depois do jogo – e depois do jogo, realmente, é mais fácil… – foi possível constatar os erros de alinhamento de uma equipa de Portugal que o labor permanente de Kanté não deixou jogar e que também nunca foi capaz de parar Griezmann. E isso não teve tanto a ver com a escolha do onze, mas mais com uma forma de o arrumar em campo, uma forma que não favorece a consistência. O problema, como disse acima, não foi a falta de atacantes – e isto é resposta a quem, além de Bernardo, Félix e Ronaldo ainda queria Jota. O problema foi a falta de presença na zona central do meio-campo, fosse para criar a dúvida em Kanté ou para preencher o espaço onde mandou Griezmann, que Deschamps não hesitou e colocar uns metros atrás do habitual, mas no corredor central, de onde podia desequilibrar – ao contrário, os jogadores portugueses com capacidade para fazer o mesmo, Bernardo Silva e Jota, estavam exilados nas linhas laterais. Se Bernardo, por exemplo, já está mal, de pouco serve encostá-lo na direita, onde o jogo pouco chegou, também por causa de uma estranha inibição ofensiva de Cancelo, quem sabe se por sentir a falta de Pepe ali ao lado.
Parte da superioridade que a França marcou no jogo teve a ver com a superior capacidade dos seus jogadores, mas parte dela, também, nasceu nos posicionamentos. O 4x3x3 serve basicamente para duas coisas: para, mascarado de 4x5x1, juntar todos atrás à espera de um contra-ataque salvador; ou para, assumido e a fazer “campo grande”, tornar a equipa uma máquina ofensiva que tritura adversários mais fracos. Em jogos de maior exigência, faz falta o quarto médio – foi com ele que José Mourinho, por exemplo, transformou o FC Porto na última equipa a ganhar a Liga dos Campeões fora dos Big Five. Além de poder funcionar como sinal de alarme para a equipa e o selecionador no sentido de que Ronaldo não pode resolver tudo sozinho, seria bom que a derrota com a França equivalesse ao enterro do 4x3x3 em favor de um 4x4x2 que serve melhor em termos de consistência e que até resolve a questão de Ronaldo não passar parte substancial do jogo de costas para a baliza, como 9 solitário. E isso até podia ser logrado com os mesmos jogadores em campo, adotando um posicionamento parecido com o da França – Bernardo a fazer de Griezmann, como 10, entre linhas, mas com bola; Bruno Fernandes no papel de Rabiot, a sair da esquerda, com ordem para soltar a meia-distância; William como Pogba, a carregar jogo; Danilo como Kanté, a fechar e a comandar o pressing; Félix e Ronaldo juntos ao meio, móveis mas com capacidade de finalização superior à de Martial, que no jogo de sábado perdeu três golos cantados.
O jogo de amanhã, na Croácia, será uma espécie de descompressão, em que santos até pode rodar o onze. Ainda é cedo para pensar e trabalhar o futuro sem Ronaldo. Mas já é tarde para se começar a encontrar maneira de encaixar todos numa forma de jogar que sirva a esta nova geração.