O encaixe de Vietto no puzzle de Amorim
O argentino não pode ser o 10 numa equipa que não o usa. Resta-lhe ser o 9 móvel e disponível para o processo criativo que o treinador quer. Há que testar.
Luciano Vietto, que forma com Wendel a dupla de jogadores do plantel à disposição de Rúben Amorim em quem o Sporting mais investiu (7,5 milhões de euros por cada um), já deixou a quarentena e é a peça cuja função falta perceber na dinâmica da equipa de 2020/21. Porque se na época passada andou algum tempo na sombra de Bruno Fernandes, a quem não podia disputar a posição 10 do 4x3x3, vê-se agora a braços com a inclusão num sistema que não faz uso de um 10. Tendo até em conta as dúvidas que o treinador tem vindo a manifestar acerca das soluções que tem para ponta-de-lança, creio que essa será a hipótese mais forte para o argentino que, das duas uma: ou fracassa e deixa os leões a lamentar o investimento e ainda à procura do tal 9 móvel e disponível para o jogo entrelinhas que Amorim quer ou faz a sua época mais goleadora de sempre.
Olhamos para Vietto sempre da mesma maneira: não é ponta-de-lança, dizemos, é aquele jogador que aparece perto do ponta-de-lança, de forma a fugir do choque a que a posição sempre obriga, de modo a que lhe sejam dados uns metros de tranquilidade para poder definir e assistir. Os números de Vietto na primeira época em Alvalade mostram essa timidez: oito golos em 35 jogos, ainda assim o mais alto pecúlio que amealhou desde os 10 golos que fez pelo Sevilha FC em 2016/17. E mais do que os que tinha feito nas duas épocas seguintes somadas, entre Atlético Madrid, Valência CF e Fulham. Mas, ainda assim, muito pouco para o potencial do jogador, que além de alguma fragilidade física, que teve repercussões num par de lesões que lhe roubaram continuidade, foi ainda vítima dessa indefinição tática que pairou sobre o Sporting de 2019/20. Vietto foi contratado numa altura em que o Sporting achava que ia vender Bruno Fernandes, mas a permanência do capitão até Janeiro levou a que Marcel Keizer não lhe desse a posição que ele prefere e o encostasse à esquerda do ataque, ainda que com a missão de procurar terrenos interiores e de funcionar como uma espécie de segundo ponta-de-lança.
Esta dinâmica até podia ter sido interessante. Só que Keizer cedo se foi. Jorge Silas manteve a ideia relativamente à posição de Vietto, mas mudou a base do futebol da equipa. E depois também foi. Chegou Amorim. Mudou o sistema e acentuaram-se as ideias de jogo mais apoiado que Silas trouxera. Mas logo surgiu a pandemia. Quando voltou a jogar-se, foi Vietto quem se lesionou. No meio de tudo isto, ficou sempre a ideia de que o argentino era o jogador de potencial mais inexplorado do plantel do Sporting, que se tinha espaço para crescer era seguramente por ali. A questão é: como? Já acima disse que olhamos sempre para Vietto com a convicção de que ele não é um ponta-de-lança. Mas o que é um ponta-de-lança? Quem era o ponta-de-lança do Villarreal CF de Marcelino Garcia Toral em 2014/15, época de estreia de Vietto na Europa, na qual fez 20 golos, partilhando o ataque com Uche ou Gerard Moreno? Achamos sempre que o ponta-de-lança tem de ser um jogador de referência, o alvo do jogo direto, por isso mesmo corpulento, de forma a “fixar” os centrais e soltar segundas bolas, e sobretudo com instinto goleador, que o leve a surgir no local certo, na área, para finalizar. Bas Dost era isto – e estava muito bem. Sucede que, aparentemente, Rúben Amorim não quer este tipo de jogador. Quer um ponta-de-lança mais móvel, que baixe mais em desmarcações de apoio para o espaço entre linhas, que participe mais no processo de criação: e para isso, Vietto é mais apto que Sporar ou Luís Phellype.
O 3x4x3 de Rúben Amorim vai, aparentemente, ser montado assim. Ofensivamente, terá um avançado-centro mais móvel, dois avançados-interiores perto dele, com responsabilidade de surgirem também em zonas de finalização, até aproveitando os movimentos de aproximação do 9 aos médios, e os dois alas a cumprirem todo o corredor. Defensivamente, pede-se aos dois avançados interiores que fechem o corredor de forma a que os alas possam baixar para perto da última linha, mais pressionante o do lado da bola, mais preocupado em fazer linha de quatro com os três defesas o do lado contrário. Neste pressuposto, Vietto é muito mais o ponta-de-lança do que qualquer dos dois avançados-interiores – até por depois poder vir a revelar dificuldades no aspeto defensivo se tiver de fechar o corredor lateral. Na ausência do argentino – que teve a preparação atrasada por causa de um teste positivo à Covid19 – têm sido Jovane e Sporar a ocupar a posição de avançado-centro, com Plata, Tiago Tomás, Nuno Santos e Pedro Gonçalves a concorrerem pelas outras duas posições no ataque. Sendo que falta integrar Luís Phellype e que Jovane até estará a jogar ao meio mais por necessidade da equipa que por convicção do treinador.
Neste plano, a primeira opção para Vietto será mesmo a posição de avançado-centro. E, das duas uma: ou ele acredita nisso e pode fazer a época mais goleadora de sempre, ou desiste, e dificilmente se lhe encontrará sequer espaço na equipa. É por isso que digo que este é o teste que falta fazer no Sporting de Rúben Amorim. E que, ao contrário do que leio nas notícias, se ainda há dinheiro para investir em qualidade para esta equipa, antes de ver me parece que a equipa está bem mais carente atrás do que à frente.