O efeito Hulk no FC Porto
O FC Porto recorre ao modo-Hulk para se fortalecer, mas isso retira-lhe o controlo emocional de jogos como o de ontem em Moreira de Cónegos.
O empate do FC Porto em Moreira de Cónegos (1-1), que deixou os campeões nacionais dois pontos mais longe do Sporting e lhes complicou o objetivo de renovação do título, poderá ser explicado das mais diversas maneiras e provocará as consequências mais díspares. Os que preferem sempre justificar os resultados com as arbitragens e os que, para responder aos primeiros, querem sobretudo falar das cenas lamentáveis que se seguiram ao jogo, já sabem: remeto-os, como sempre, para o bocado do Futebol de Verdade em que abordo esses temas (vai ser hoje, às 12h30). Aqui vou falar da gestão emocional de uma equipa que vive no limite, mas que precisa de controlar os raios gama que transformam em Hulk este Bruce Banner, sob pena de desperdiçar o potencial.
No universo Marvel, Bruce Banner era um cientista brilhante que, por causa de um acidente, sofreu mutações genéticas e se transformou num monstro mutante de força bruta, batizado como Hulk pelos militares que tentaram detê-lo. Durante muito tempo, Banner não conseguia controlar o momento da transformação, geralmente devida às emoções, e isso complicava-lhe a vida. Quando construiu uma máquina de raios gama capaz de o transformar em Hulk e, depois, de reverter a transformação, pôde finalmente tornar-se útil. Porquê? Porque apesar de ter nele potencialidades enormes como Hulk, passou a ter controlo. Ora é isso que falta a este FC Porto. Em condições normais é uma equipa boa, que já ganhou dois campeonatos em três e atingiu duas vezes os quartos-de-final da Liga dos Campeões. Se estiver a ganhar, vai-se mantendo em modo Bruce Banner. Quando se irrita, porém, entra em modo-Hulk, com muita garra e pouco controlo emocional. E aí, das duas uma: ou ganha na raça, como podia bem ter sucedido ontem, frente ao Moreirense, estivesse Toni Martínez dez centímetros mais atrás no lance do segundo golo, ou perde os pontos e as estribeiras, como aconteceu no fim do jogo.
O jogo de ontem foi, todo ele, um exemplo desta alegoria. Capaz de executar uma pressão intensa e asfixiante sobre um adversário que, por causa disso, foi sempre tendo dificuldades a sair lá de trás, ao FC Porto foi faltando em argumentos ofensivos o que sobrava em lances de corpo-a-corpo dos quais nascem reclamações de penaltis. Até ao golo do Moreirense, o jogo correu quase todo no meio-campo ofensivo dos campeões nacionais, mas sem grandes oportunidades para bater Pasinato. Foi só aí, no golo de Ferraresi, possivelmente com reforço no primeiro penalti reclamado (Ba sobre Pepe, aos 45+1’) e nas conversas de balneário ao intervalo, que as emoções ativaram o Hulk debaixo do equipamento azul e branco. E o que daí resultou foi um FC Porto mais forte na segunda parte, ainda que menos cerebral, um FC Porto cuja força vinha mais da vontade e da garra que do controlo emocional, um FC Porto que encostou o adversário às cordas mas que mostrou sempre dificuldades em acabar com ele, um FC Porto que a partir de determinada altura perdeu em lucidez o que ganhou em força e começou a ser prisioneiro da espiral de emoções em que baseia o crescimento em cada jogo, concentrando-se, por exemplo, mais na criação de situações de potencial penalti do que na criação de lances de golo.
Parafraseando Pinto da Costa – e, creio que ao contrário do presidente portista, não estou a falar de arbitragens – “em condições normais”, o FC Porto teria ganho o jogo de ontem. Teve volume de jogo mais do que suficiente. Em modo-Hulk, na segunda parte, teve ocasiões de golo mais do que suficientes para virar – e, mesmo assim, não só esteve a perder até bem perto do fim como correu riscos de sofrer o segundo golo, na busca do empate. Aquilo que se foi ouvindo da boca dos jogadores em campo – e os microfones, ontem, estavam particularmente atentos – permitiu perceber que lhes faltou controlo emocional. Tudo o que se passou depois do final do jogo tem também a ver com essa lacuna de todo o grupo e é provavelmente o preço a pagar, tanto por esta forma de crescimento que é a predileta da equipa como pela noção que está já profundamente enraizada no futebol português, segundo a qual todos os campeonatos são comprados. Ganhe quem ganhar, os que perdem acham sempre a mesma coisa – a não ser quando lhes toca a ele ganhar. Aí já foi contra tudo e contra todos.
Não devia ser preciso andar tudo a trocar insultos e ameaças – e atenção que o mesmo tinha já sucedido de véspera, no SC Braga-Sporting – para percebermos que isto é mau para o futebol.