O dobro ou nada para Rúben Amorim
Mesmo que ganhe a Liga, é mais inteligente (e pode ser histórico) para Rúben Amorim provar que é capaz de vencer noutras condições, com um calendário cheio, do que procurar já mais dinheiro na conta.
A renovação por mais uma época do contrato de Rúben Amorim com o Sporting é um prémio ao excelente trabalho do treinador que Frederico Varandas foi buscar a Braga há um ano por mais dinheiro do que seria razoável admitir, mas também uma forma de o clube se sentir mais seguro face à probabilidade de haver quem quisesse agora pagar o dobro desse valor para o levar dali para fora. Não que essas coisas sejam incontornáveis, pois a vontade dos homens conta muito sempre que as suas assinaturas: o próprio Rúben Amorim brincou com o tema quando afirmou que “agora terão de pagar mais” se quiserem correr dali com ele. O treinador não vai ao ponto de dizer que ocupa a sua “cadeira de sonho”, como em tempos André Villas-Boas se referiu ao banco do FC Porto, mas sabe que em Alvalade está criado o entorno ideal para os próximos tempos da sua ainda curta carreira e que o melhor que tem a fazer é seguir e dobrar a aposta.
Aqui há tempos, no Q&A do Futebol de Verdade, dois espectadores perguntaram-me se eu achava possível que Amorim seguisse para o Benfica no final da época a troco da cláusula de rescisão. Afinal de contas, esta era inferior ao que Luís Filipe Vieira pagou por Darwin Nuñez ou por Everton e Amorim teve nesta Liga um impacto muito mais forte do que os dois reforços mais caros do plantel dos encarnados. O que disse na altura – e mantenho – é que não me passava semelhante coisa pela cabeça, porque isto das cláusulas de rescisão é apenas uma defesa e, para que as mudanças ocorram, é preciso os homens quererem – lá está, a vontade vale sempre mais do que as assinaturas. Suportavam os teóricos da conspiração esta ideia em algumas premissas válidas. Primeiro, que no Benfica Amorim teria muito mais dinheiro para construir um plantel. Depois, que o coração dele é vermelho. E, por fim, que com base nesse amor, ainda há seis anos Jorge Jesus trocou a Luz por Alvalade. No entanto, nessa troca quase inédita na história do futebol português, houve condições muito especiais, que agora não se verificam.
Sim, Amorim é benfiquista, como Jesus é sportinguista – e ainda há dias o algoritmo das redes sociais fez com que me passasse pelos olhos um vídeo com alguns anos, no qual se vê um mais jovem Sérgio Conceição a dizer que em miúdo era pelo Sporting que lhe batia o coração. Mas todos são, acima de tudo, profissionais. E os profissionais vestem a camisola do clube com o qual têm contrato. Jesus trocou o Benfica pelo Sporting – e depois até disse que iria cumprir um sonho de criança e uma vontade do pai, entretanto falecido – porque no Benfica lhe fizeram ver que já lá não o queriam e não lhe iam renovar contrato. Além disso, fê-lo porque teria a possibilidade alimentar a carreira e o ego com um sucesso bastante mais retumbante, que era fazer do Sporting campeão após (na altura) 14 anos de jejum. Nenhuma dessas motivações serviria a Rúben Amorim por estes dias. Em Alvalade querem-no, ainda que, como ele mesmo diz, se perder a Liga isso possa de repente mudar. E, mesmo que a ganhe, interrompendo um jejum que já vai para 19 anos, será ainda assim muito mais aliciante e desafiador – e histórico, já agora… – atacar a hipótese de alcançar o primeiro bicampeonato dos leões desde, imaginem, 1954, do que tentar ser campeão no Benfica, algo que na última década foi logrado por Jorge Jesus, Rui Vitória e Bruno Lage. Não é que se aplique a velha frase de Mário Wilson, que dizia que “quem quer que treine o Benfica se arrisca a ser campeão”, mas a verdade é que todos os treinadores que passaram pela Luz na última década o fizeram.
Claro que o mercado do futebol nem precisaria de ser o que é para que fosse desde já possível a Rúben Amorim sair para o estrangeiro – e criando-se o ambiente necessário talvez nem fosse preciso bater uma cláusula de rescisão ainda assim invulgar, mesmo ao mais alto nível europeu. Mas, mais uma vez, será essa uma boa ideia para a carreira do treinador? Estou convencido de que grande parte do mérito da época que o Sporting está a fazer lhe pertence a ele, seja pela sua forma descontraída mas ao mesmo tempo exigente de liderança, pelo modo como comunica ou pela capacidade que mostrou de, através da prática, implementar um sistema e um modelo de jogo que os futebolistas conhecem de cor e salteado, movendo-se dentro de ambos com um conforto que é meio caminho andado para o sucesso. Resta saber a quem pertence o mérito no acerto da política de perfis que levou à contratação dos jogadores certos para cada função na ideia de jogo do treinador – em que doses se deve a ele, a Hugo Viana e ao departamento de “scouting” – mas, seja como for, parece legítimo acreditar que existe um entendimento quase perfeito entre as pessoas que comandam todos os setores do futebol do clube. Ora, exatamente por ser tão invulgar, isso não é coisa que se deite fora de forma leviana por mais um par de milhões de euros na conta bancária ao fim do ano – sobretudo quando já lá estão alguns, que o contrato atual já garantia ao treinador e o futuro garante ainda mais.
Para o Sporting parece evidente que é boa ideia segurar Rúben Amorim. E para o treinador? Se for campeão, terá como opções seguir carreira a ganhar bem mais dinheiro num clube de meio da tabela, provavelmente até com aspirações europeias, em campeonatos de topo ou tentar o tal bicampeonato histórico, provando a si mesmo (e ao mercado…) que também é capaz de ganhar com um calendário mais preenchido, como se lhe exigirá se algum dia chegar a um clube de topo. A questão não passa apenas por aquilo que – lá estão os méritos da comunicação – Amorim diz com um sorriso. Não é só ele gostar tanto de estar no Sporting que se um dia quiserem mandá-lo embora terão mesmo de pagar tudo. É que se ele quer mesmo ser grande, é muito mais inteligente ficar do que ir à procura de dinheiro a correr. Para Amorim, é o dobro ou nada, como nas apostas. E ele conhece as cartas que tem na mão.