O dilema de Jesus com Pizzi
Jesus diz que Pizzi foi o "segundo melhor jogador do Benfica" na Liga, mas não quer vê-lo a partir da ala. Qual das três posições que ele conhece deve o jogador ocupar?
Pizzi foi um dos jogadores mais influentes na última época do Benfica. Acabou-a com 30 golos em 51 jogos, sendo um dos melhores marcadores (18 golos, tal como Vinicius e Taremi) e o melhor assistente (14 passes decisivos, mais três do que Corona) do campeonato. E contudo, apesar disso, a posição do transmontano no onze que está a ser montado por Jorge Jesus não parece absolutamente segura, como se vê pela busca incessante de reforços para as posições que ele pode cumprir. Como disse uma vez o treinador, antes ainda de ter saído do Benfica, “se o futebol fosse como o andebol, era o Pizzi e mais dez”. “A atacar, jogava sempre. Na altura de defender, saía”, completou. Porque se Jesus não vê nele um ala, ficará sempre com a sensação de que Pizzi é fino de mais para ser segundo médio e que o jogador não lhe garante a presença para área que ele exige de um segundo avançado.
Jesus conheceu Pizzi como treinador do SC Braga. “Conheço-o como as minhas mãos”, disse uma vez, em inícios de 2015, quando o adaptou a segundo médio na equipa titular do Benfica. Já o tivera na pré-época de 2008, quando Pizzi subiu dos sub19, em Braga, e acabou por emprestá-lo ao GD Ribeirão. “Ele nessa altura era um ala muito rápido, eventualmente até um segundo avançado”, explicou em tempos Jesus. Desde aí, Pizzi foi sobretudo um ala, um extremo no 4x2x3x1 ou um médio que saía da direita para o espaço entre linhas no 4x4x2. Os números da época passada foram alcançados entre estes dois registos, mas Jesus já disse, na entrevista que concedeu à BTV depois de regressar, que não vê o jogador na lateral. “O Pizzi desta época foi um goleador, coisa que ele normalmente não é. Ele é um jogador de último passe, que coloca a bola na cara dos avançados. E os jogadores de último passe, comigo, não jogam nas laterais. Jogam no corredor central”.
Foi isso, aliás, que Jesus fez em 2014/15, quando voltou a ter Pizzi sob as suas ordens. Na última época que passou na Luz antes de sair para o Sporting, o treinador apostou sobretudo num meio-campo formado por Fejsa e Enzo Pérez, mas teve de mudar quando, logo no início de Janeiro, o Benfica vendeu o argentino ao Valência CF. Pizzi, que até aí só tinha sido titular por três vezes – na Covilhã e em casa frente ao Leverkusen, ambas a fazer dupla com Cristante no meio, e, depois, face ao Nacional, a partir da esquerda – agarrou então o lugar de segundo médio, completando 19 jogos a titular entre Janeiro e Maio. O termo de comparação era o jogo dinâmico e agressivo de Pérez e nisso Pizzi era diferente, mas o Benfica já estava fora da Europa e até final da época só jogou uma vez com o Sporting e outra com o FC Porto. Era um risco calculado, face ao calendário que a equipa tinha pela frente.
Do que se tem visto das equipas de Jesus, o treinador continua a gostar de ter um médio-ala que alargue mais o jogo e outro que procure mais o espaço interior. Já era assim no Flamengo, com Bruno Henrique num lado e Everton Ribeiro no outro, podendo este último até trocar episodicamente de lugar com o segundo avançado, normalmente De Arrascaeta. Ora esse lugar de médio-ala que procura o interior está preenchido no Benfica por Everton Soares, o “Cebolinha”, que tomou conta da esquerda e faz pensar num ala direito mais dado ao jogo largo. Isso, somado às declarações de Jesus sobre Pizzi, faz pensar que, apesar dos números que ele apresentou em 2019/20, o treinador não pensa no transmontano para o lado direito. Seja porque acha que ele pode dar mais no meio, seja até porque há números que o público não domina, que são os relativos ao jogo sem bola – duelos ganhos, recuperações, índices de pressão.
Sobram então duas posições. A de segundo avançado, que Pizzi já ocupou frente ao AFC Bournemouth, e a de segundo médio, que foi onde Jesus o fez jogar na segunda metade de 2014/15, quando o mais fácil era seguir na correnteza e utilizar o jogador no lugar que lhe dera brilho em Paços de Ferreira, a transferência para o Atlético Madrid e a titularidade no Deportivo da Corunha e no Espanyol. Pizzi tinha nessa altura 25 anos e seria um jogador mais vigoroso e mais moldável do que é agora, aos 30. Creio não me enganar se disser que Jesus olha hoje para o jogador como um desperdício, a pensar algo como: “que 8 terias tu sido se tivesses continuado a trabalhar comigo”. Assim sendo, como ninguém continuou o trabalho que Jesus iniciou – com Rui Vitória, que tirara máximo rendimento do jogador como ala, no 4x2x3x1, em Paços de Ferreira, ele fixou-se outra vez na linha –, Pizzi vai acabar por ser uma espécie de híbrido no Benfica de Jesus. Será segundo médio nos jogos contra equipas mais fáceis, de menor exigência defensiva – e mesmo aí pode vir a ser identificado como um ponto fraco. Pode ser segundo avançado nos desafios contra adversários mais fortes – e veremos até que ponto não é curto em termos de assegurar presença na área, por oposição ao alemão Waldschmidt, por exemplo. E pode até acabar por ser suplente, se o treinador conseguir convencer a administração a dar-lhe os reforços que ainda quer para ter um onze mais fixo, que sirva para todos os jogos.