O dia em que Messi quis ser Messias
O que quer Messi? Quer ser Messias e ter influência no futuro do FC Barcelona ou simplesmente sair dali e continuar a ser Messi com outro emblema?
Quando supus que Messi poderia ser o revulsivo de que o mercado precisava para arrancar, estava longe de imaginar que o astro argentino poderia mandar para trás das costas 20 anos de identificação com um clube de que é a principal imagem à dimensão planetária e admitir entrar numa batalha jurídica para tentar deixá-lo a custo zero. E é por isso ainda me parecer inverosímil que estaria pronto a achar que o fax enviado por Messi ao FC Barcelona, dizendo que pretende acionar a cláusula liberatória especial e alegando com o alargamento de prazos ditado pela pandemia, mais não será do que chicana política e vontade de ganhar força no reordenamento de poderes face a um presidente fragilizado. A questão é que Messi não devia ter tempo para isso. Aos 33 anos, o Messi-jogador, pelo menos, não tem tempo para se transformar em Messias. Estará ele pronto para desistir? Ou quer simplesmente continuar a ser Messi, longe de Camp Nou?
Para quem não sabe, a questão é fácil de explicar. Messi tem no contrato, que lhe assegura 70 milhões de euros brutos por ano e por isso o torna um alvo difícil para qualquer clube, uma cláusula liberatória que, se acionada até 30 de Junho, lhe permite sair a custo zero a cada fim de época. Ontem, por fax, comunicou ao clube que pretende acioná-la. De Camp Nou as reações não foram assim tão chocadas – já se sabia por aí que o divórcio era uma possibilidade forte – mas vieram no sentido de esgrimir argumentos: é que 30 de Junho já passou. Alegam do círculo próximo do jogador que este foi um ano especial, que devido à pandemia a época só terminou agora, com a final da Champions, e que por isso mesmo o prazo da cláusula também deve ser alargado. Entram em campo os advogados. E as “fontes próximas” também já começaram a disparar razões para o desconforto: que o jogador está desencantado com a incapacidade de investimento de um clube que não foi capaz de lhe atender ao pedido de recuperar Neymar e com as sucessivas eliminações na Liga dos Campeões (em Roma há dois anos, em Liverpool na época passada, a goleada do Bayern em Lisboa este ano); que já não acredita na liderança de Josep Maria Bartomeu, o presidente que tem eleições marcadas para a reta final da próxima época; que ficou desconfortável e se sentiu atacado pelo discurso anti-privilégios de Ronald Koeman à chegada e irritado com a dispensa sumária de Luís Suárez, promovida pelo novo treinador.
A identificação profunda de Messi com o FC Barcelona, único clube que conheceu em toda a carreira – e ele já tem 33 anos – leva a que se admita a interpretação política para o ato. Só que – e sim, ele já tem 33 anos – o Messi futebolista não tem tempo para essas coisas ou para pensar em anos sabáticos. Tem o final da carreira a aproximar-se e já não pode dar-se ao luxo de se transformar em contra-poder à espera de umas eleições. Nem de assinar por outro clube à espera de voltar como Messias – por mais que o nome comece pelas mesmas cinco letras. Qualquer clube que queira comprar a guerra com o FC Barcelona e pagar os elevados rendimentos que Messi aufere – e fala-se dos suspeitos do costume, que são Paris Saint-Germain, Inter Milão e os dois clubes de Manchester – tem direito a e quererá de retorno não 100 mas mil por cento de dedicação. E é por isso que a questão se transporta para outro patamar: afinal, o que é que Messi vai destruir? A imagem pública de bom menino, de jogador que, ao contrário da sua nemesis mais cosmopolita (Cristiano Ronaldo), entra em campo por amor à camisola e não se deixa seduzir pela ideia de mudança? Ou é mais do que isso e em causa fica o seu próprio fim de carreira, com a entrada numa guerra política que, pelo menos nestes moldes, não lhe diz respeito?
Como as coisas estão, há poucas hipóteses de recuo. Mesmo que Bartomeu desista e antecipe eleições, não há tempo de mudar o rumo à época. Por isso, como não acredito que alguém queira arriscar perder em tribunal e vir a ter de pagar os 700 milhões da cláusula, das duas uma: ou Messi fica e faz algo semelhante ao que aconteceu a Ronaldo na seleção após 2010 e o conflito pós-Mundial com Queiroz – ficou “lesionado” até à chegada de Paulo Bento – ou se chega mesmo a acordo para uma saída e o argentino deixa a porta aberta ao regresso no futuro. Acredito mais nesta segunda hipótese e é por isso que o Manchester City de Pep Guardiola é, de longe, o destino mais provável: Léo e Pep seriam armas imbatíveis a esgrimir num futuro próximo por qualquer candidato ao FC Barcelona. Agora é só esperar pelos petro-dólares do Abu Dhabi.