O dia do anti-jogo
Faltam dois dias para a final do Mundial. É altura para toda a gente pensar no mesmo: como é que cada uma das equipas vai travar a outra? Como se anulam as maiores armas de França e Argentina?
Anti-jogo não tem de ser perder tempo, demorar a bater pontapés de baliza, simular lesões e pedir a entrada dos maqueiros em campo. Não. Anti-jogar é, no sentido literal, jogar contra. É entender como se contrariam os argumentos da equipa que se tem pela frente. Digeridas as meias-finais, os jornais e sites que melhor têm acompanhado este Mundial centraram-se hoje numa espécie de contagem de espingardas e na forma que cada equipa melhor poderá usar para contrariar a outra. Como é que a França pode bloquear Messi? E como é que a Argentina pode anular Mbappé e Griezmann? Respostas nos próximos parágrafos e nos muitos artigos cujos links vos deixo abaixo.
Em matéria de análise tática, o prémio do Mundial vai para os trabalhos que têm vindo a ser publicados no The Athletic. A antecipar a final, já temos disponíveis dois artigos, um de Liam Tharme, sobre a evolução tática da França, de 2018 a 2022, e outro de Michael Cox, acerca da defesa compacta da Argentina. Cox chama a atenção para o que foi norma neste Mundial, a obsessão das equipas pelas linhas próximas, não se preocupando muito com o espaço que deixavam vago atrás da defesa, vendo nessa forma compacta de defender uma das forças da Argentina. Mas também reparando que não houve muitas equipas interessadas em superar as linhas argentinas com passes mais longos, que foi um pouco o que a Argentina fez para acabar com o impasse em que estava a tornar-se a meia-final contra a Croácia. O artigo tem, como vem sendo hábito, inúmeras imagens e deixa-nos uma ideia muito clara daquilo que é o futebol da equipa de Lionel Scaloni. Já Tharme recorre também a muitas imagens para nos mostrar não só o regresso da França ao 4x2x3x1, depois de uma Liga das Nações em 3x4x1x2, como até a um interessantíssimo gráfico com a média de passes por sequência ofensiva, que mostra que a seleção francesa mudou de 2018 para 2022 na mesma medida, por exemplo, da portuguesa, passando do quarto de quadro “Veloz e Direto” para o oposto, que é o “Lento e elaborado”. Escusado será dizer que a Espanha, tanto a de 2018 como a de 2022, está no top desta última categoria.
Também o L’Équipe faz sempre uma bela análise aos adversários da França – e a de hoje, que é assinada por Dan Perez, não desilude. Muito centrada em Messi e na melhor forma de o anular, a peça de Perez começa por destacar a matriz camaleónica da Argentina de Scaloni, que “usou um 4x3x3 para defrontar a Austrália, um 3x5x2 contra a Holanda e um 4x4x2 face à Croácia”. Mas no fundo o que importa é Messi. E o artigo do diário francês reforça a enorme importância de bloquear a chegada da bola a Messi, lançando-se ainda na busca da parceria ideal para a marcação dupla que foi feita ao craque adversário em 2018 por Kanté e Matuidi. Julián Alvarez e as chegadas de Acuña também preocupam, mas o foco é, claramente, Messi. Como o é no excelente texto de Nick Ames no The Guardian. “A França precisa de encontrar uma nova forma de travar Messi na ausência de Kanté”, titula o diário britânico, num artigo que se centra mais no que Kanté fez há quatro anos do que naquilo que alguém poderá vir a fazer agora. “Se Rabiot estiver apto para a final, talvez Tchouaméni tente mais uma missão de espelho devoto”, escreve Ames, que mete Griezmann ao barulho. “Messi pode não ser capaz de baixar tanto como gostaria para pôr a Argentina em andamento se Griezmann se afastar daquela zona”.
Griezmann é, aliás, mais até do que Mbappé, o foco da análise do The Guardian. Na mesma edição do jornal, a ex-internacional inglesa Karen Carney advoga a necessidade de a Argentina “usar o físico contra o glorioso Griezmann” para poder parar a França. “Mbappé usa o 10 nas costas mas é o colega que desempenha o papel na perfeição”, escreve Carney, vincando que é o número sete “que liga tudo na França”. “Eu aconselharia a Argentina a usar o físico com Griezmann. Este tipo de jogadores não gosta de abordagens agressivas que não lhes deem tempo ou espaço quando têm a bola”, explica. Já o papel de Mbappé é aproveitado por Daniel Zeqiri, no Daily Telegraph, para explicar o perigo que constitui na organização francesa o facto de a estrela do PSG não baixar para defender o seu corredor. O artigo ainda não tem, aparentemente, edição online, mas o argumento de Zeqiri é simples de entender através desta frase: “o corredor esquerdo é o triângulo das bermudas defensivo da França”. “A Kylian Mbappé é-lhe permitido enganar e não baixar para defender, o lateral-esquerdo Theo Hernández joga como se estivesse num rinque de patinagem e os companheiros correm para tapar os buracos”, completa.
O que não encontrou muito espaço nas edições impressas dos jornais foi a saída de Fernando Santos da seleção portuguesa. O The Guardian dedica-lhe uma “breve”, mas sobretudo com o foco no substituto, citando José Mourinho como “um dos favoritos para ocupar o lugar”. O mesmo sucede no L’Équipe, que cita o comunicado da Federação Portuguesa de Futebol e dá o nome de Mourinho como possibilidade. E só mesmo os jornais italianos é que, de forma compreensível – Mourinho é treinador da AS Roma – se debruçam mais sobre o tema. Aliás, o Corriere dello Sport, o diário desportivo da capital italiana, até lhe dedica a manchete: “De joelhos por Mourinho”. Escreve Iacopo Aliprandi, o enviado do jornal a Albufeira, onde a AS Roma chegou ontem para fazer um estágio, que houve contacto via Jorge Mendes, mas que os responsáveis giallorossi até reforçaram a segurança para evitar que o tema interferisse com a preparação da equipa.
A Ler:
De la place pour la concorde, por José Barroso, com Loïc Tanzi, no L’Équipe, concentra em três páginas as relações entre Messi e Mbappé, apresentados como “não próximos”, mas com “um profundo respeito recíproco”
This Argentina know that when you have Messi, you need to run for him, por Mauricio Pochettino, no The Athletic, é um artigo no qual o treinador compara a forma como esta seleção está montada para Messi com o modo como a equipa de 1986 estava montada para Maradona.
“Messi es el mejor. Maradona a los 35 años ya era un exjugador”, por Diego Torres, no El País, é uma entrevista a Carlos MacAllister, pai de Alexis, internacional argentino que chegou a jogar com Maradona, para comparar os dois.
“Le matin, j’étais déjà bouillant”, por Bixente Lizarazu, no L’Équipe, é um testemunho na primeira pessoa do lateral esquerdo campeão do Mundo de 1998 acerca da forma como se vivem os dias anteriores a uma final.
Truly, the ego has landed in Qatar, por Oliver Brown, no Daily Telegraph, é um ensaio acerac do aproveitamento que o president francês, Emmanuel Macron, tem feito do sucesso da sua seleção nacional, para
Breakout stars who made the most of their time in Qatar, por Will Unwin e John Brewin, no The Guardian, elege sete jogadores que se revelaram neste Mundial: Abdulhamid, Bono, Doan, Laidouni, Livakovic, Ounahi e Souttar.
Why don’t more underdogs contend for the World Cup title, por Rory Smith, no The New York Times, vai buscar as histórias da Bulgária e da Suécia em 1994, da Coreia do Sul e da Turquia em 2002, do Uruguai em 2010 ou da Croácia em 2018 para entender as razões que levam as equipas-sensação a cair nos Mundiais.
Is suffering a substitute for style?, por Rory Smith, no The New York Times, avalia a crescente importância da capacidade de sofrimento no cocktail de que se fazem equipas vencedoras no Campeonato do Mundo.
Fim da linha para os volantes, por Marcelo Damato, na Folha de São Paulo, parte de uma frase de Luís Castro acerca da forma como o conceito de “volante” limita muito os médios no Brasil, para constatar que quatro dos médios em destaque na Copa “não são volantes nem meias”.
The World Cup mixed zone, a place like no other, por Matt Slater, no The Athletic, é uma viagem à zona mista que ocorre depois dos jogos, para permitir aos leitores compreender em que bases se funda o trabalho dos repórteres.
El Mundial que cambió a Infantino, por Orfeo Suárez, no El Mundo, vai aos bastidores do presidente da FIFA para explicar as suas decisões mais controversas, como a proibição da braçadeira One Love, para garantir que não houve pressões da organização..
A ver:
Hoje não há jogos