O contexto nas escolhas para o clássico
O face-a-face tem sido bem mais decisivo do que a distância pontual para o líder em Janeiro. É em nome disso e da 'persona' temerária e corajosa associada a cada um que Conceição e Jesus escolherão.
O FC Porto-Benfica de amanhã é especial por uma série de razões. Começa por ser especial porque começa com o FC Porto à procura de um feito absolutamente histórico: nunca um dos clubes conseguiu ganhar o clássico por cinco vezes seguidas e os dragões entram em campo com quatro vitórias nos derradeiros quatro confrontos. E depois é especial porque, sobretudo se conjugada com uma vitória do Sporting, horas antes, contra o Rio Ave, uma escorregadela ou especialmente um trambolhão à noite pode condicionar de forma muito séria as hipóteses de qualquer das equipas chegar ao título, obrigando-a a uma segunda volta sem mácula. Ora seria ingenuidade demasiada achar que este contexto não vai interferir nas opções que Sérgio Conceição e Jorge Jesus vão tomar.
Conceição e Jesus são um pouco farinha do mesmo saco quando se trata de prever formas de agir sob pressão – e vai ser sob pressão que ambos escolherão os onzes para amanhã. Ambos acreditam nos méritos de dar um passo em frente no momento em que se encontram entre a espada e a parede e, mesmo que ainda não levem totalmente a sério as candidaturas do Sporting – o próximo mês será revelador a esse respeito – ou do SC Braga, o que está aqui em causa é a forma como se posicionarão um face ao outro. Das quatro vitórias consecutivas que o FC Porto leva no clássico, duas valeram títulos de forma direta – a final da Taça de Portugal e a Supertaça – e as outras duas contribuíram de forma decisiva para a reconquista da Liga. A primeira, na Luz, em Agosto de 2019, um par de semanas depois de o FC Porto ter aberto a Liga com uma derrota em Barcelos, serviu para dizer que era cedo para afastar os Dragões da luta. A segunda, faz um ano em Fevereiro, devolveu a equipa de Conceição a essa mesma luta, pois entretanto estava já a sete pontos do Benfica de Lage e com menos de meia Liga por jogar.
Portanto, no limite, a possibilidade de acabarem o dia de amanhã a sete pontos do líder – que ainda por cima é o outsider Sporting – não será tão decisiva na abordagem ao clássico como a mensagem que cada um dos treinadores vai passar ao outro. Há um ano – faz no domingo… – o FC Porto perdeu em casa com o SC Braga, ficou a sete pontos do Benfica, e ainda foi a tempo de ser campeão, porque ganhou o clássico do Dragão em Fevereiro. Faz hoje dois anos, o Benfica estava a cinco pontos do FC Porto, e também foi campeão, porque ganhou o clássico do Dragão em Março. A chave, nos dois casos, foi o confronto direto. E é por saberem tão bem como este face-a-face é fundamental que ambos os treinadores assinam por baixo do lema “vitória ou morte”. Este será um clássico sem quartel, onde a ideia não será a de fazer prisioneiros: tanto Conceição como Jesus quererão ir um para cima do outro sem piedade, porque os três pontos lhes dão jeito mas sobretudo porque essa é a forma que melhor casa com a construção da ‘persona’ que lhes foi sendo associada, que é a de treinadores corajosos, que dão o peito às balas. E, sendo Conceição menos atreito a surpresas do que Jesus, aquilo que espero é um FC Porto mais clássico e um Benfica a fugir de uma abordagem que possa ser vista como mais cautelosa.
Que equipas, portanto? O FC Porto estará sempre condicionado pelo que vier a suceder com Otávio, cujo teste inconclusivo à Covid19 deixará tudo o que é escalonamento no meio-campo e no ataque em suspenso. Ainda assim, aparecerá no seu híbrido de 4x3x3 com 4x4x2, com Taremi e Marega muito móveis na frente, Corona mais aberto na direita e Otávio a fazer movimentos que o levarão a ocupar o corredor que os avançados deixarem desocupado. Não havendo Otávio, entra Díaz para a esquerda e Corona passa a terceiro médio – onde é menos relevante do que à direita e sobretudo menos influente que o brasileiro. Atrás, volta a linha de quatro, com Mbemba a recuperar o lugar ao lado de Pepe, enquanto que no meio-campo não há como fugir da dupla formada por Sérgio Oliveira e Uribe: é com os dois a par que este FC Porto fica mais forte e com mais capacidade para marcar a cadência dos jogos, ainda que não tanto para os controlar. Quanto ao Benfica, as dúvidas serão maiores e têm a ver com a forma como Jesus vai abordar o jogo. Se na linha de trás não há dúvidas, têm crescido nos últimos dias os “votos” a favor da tentativa de equilibrar as coisas a meio-campo, com a recuperação de Gabriel para jogar ao lado de Weigl, passando Pizzi a ser segundo atacante (ou terceiro médio) e deixando Darwin entre os dois alas, Everton e Rafa (ou Pedrinho, que me parece ter ganho pontos na Amadora). Essa é mesmo a opção mais provável, sobretudo se pensarmos de forma conservadora, pois permite maior preenchimento das zonas centrais, sobretudo sem bola, ainda que nem por isso garanta segurança na posse, pois tanto Pizzi como Gabriel são jogadores mais dados ao risco no passe do que a equilíbrios. Só que, com as opções à disposição de Jesus, é quase impossível formar um onze a pensar em equilíbrios. E a questão que o treinador colocará a si mesmo é a seguinte: Quero ter muita bola ou ser contundente com ela? E caso queira ser contundente, onde quero fazê-lo? A meio-campo, com a maior agressividade de Gabriel? Ou na frente, com Seferovic ao lado de Darwin? Um Jesus confiante no grupo iria pela segunda opção. O de hoje talvez caia na primeira.